Topo

Desconhecimento da China sobre as regras do mercado é um mau presságio

Paul Krugman

14/08/2015 10h52

A China é governada por um partido que se diz comunista, mas a sua realidade econômica é de um voraz capitalismo de compadrio. E todo mundo assume que os líderes do país estão cientes da jogada, que eles consideram melhor do que levar sua retórica socialista a sério.

No entanto, o ziguezague das medidas adotadas nos últimos meses tem sido preocupante. Será possível que, depois de todos esses anos, Pequim ainda não entende como essa coisa de “mercado” funciona?

O pano de fundo: a economia da China está loucamente desequilibrada, com uma parte muito baixa do produto interno bruto dedicada ao consumo e uma parte muito alta dedicada ao investimento. Isso era sustentável enquanto o país conseguia manter um crescimento extremamente rápido; mas, inevitavelmente, o crescimento está reduzindo o ritmo, enquanto se esgota a força de trabalho excedente na China. Como resultado, o retorno sobre o investimento está caindo rapidamente.

A solução é investir menos e consumir mais. Mas, para chegar lá, será preciso realizar reformas que distribuam os frutos do crescimento de forma mais ampla e que forneçam maior segurança às famílias. E, apesar de a China ter dado alguns passos nessa direção, ainda há um longo caminho a percorrer. 

Enquanto isso, o problema é como manter os gastos durante a transição. E é aí que as coisas ficaram estranhas. 

A princípio, o governo chinês apoiou a economia com gastos em infraestrutura, que é o remédio padrão para a debilidade econômica. Mas ele fez isso canalizando crédito barato para as empresas estatais. O resultado foi um aumento da dívida dessas empresas, que no ano passado estava alta o suficiente para levantar preocupações com a estabilidade financeira. 

Em seguida, a China adotou uma política oficial de impulsionar os preços das ações, combinando uma campanha de propaganda para a compra de ações, relaxando as exigências de margens, tornando mais fácil comprar ações com dinheiro emprestado. O objetivo talvez fosse o de ajudar as empresas estatais, que poderiam saldar suas dívidas com a venda de papéis. Mas a consequência foi uma bolha evidente, que começou a desinflar no início deste ano. 

A resposta das autoridades chinesas foi notável: elas tiraram todas as restrições para apoiar o mercado –suspendendo a negociação em muitas ações, proibindo a venda a descoberto, empurrando grandes investidores à compra, e instruindo estudantes de pós-graduação em economia a recitarem “Reanime as ações, beneficie o povo”. 

Tudo isso estabilizou o mercado por enquanto. Mas ao custo de atar a credibilidade da China à sua capacidade de impedir que os preços das ações caiam. E a economia chinesa ainda precisa de mais apoio. 

Então, nesta semana a China decidiu deixar o valor de sua moeda cair, o que faz algum sentido: apesar do renminbi estar claramente subapreciado há cinco anos, está significativamente sobrevalorizado agora. Mas as autoridades chinesas parecem ter imaginado que poderiam controlar a queda do renminbi a 2% de cada vez.

Elas parecem ter sido tomadas completamente de surpresa pela reação previsível do mercado; ou seja, a desvalorização inicial do renminbi foi “a primeira mordida”, um sinal de quedas muito maiores por vir. Os investidores começaram a fugir da China, e os formuladores de políticas pararam abruptamente de promover a desvalorização da moeda e passaram a um esforço total para sustentar o valor do renminbi. 

O que é comum a todas essas reviravoltas é que a liderança da China continua acreditando que pode controlar os mercados, ditando-lhes qual preço devem alcançar. E não é assim que as coisas funcionam. 

Não estou dizendo que os governos jamais devam interferir nos mercados, ou até mesmo definir limites sobre preços. Como já escrevi no passado, há fortes motivos para aumentar o salário mínimo e, em geral, promover melhores salários para os trabalhadores americanos; e há motivos ainda mais fortes para manter uma regulação financeira eficaz. 

Há até mesmo razões para uma intervenção ocasional no sentido de sustentar os preços dos ativos. Três anos atrás, a promessa do Banco Central Europeu de fazer “o que fosse preciso” para proteger o euro -geralmente interpretada como uma promessa de comprar títulos do governo, se necessário- operou maravilhas. Em 1998, a Autoridade Monetária de Hong Kong comprou grandes quantidades de ações para contrabalançar um ataque de fundo de hedge contra sua moeda, e teve um sucesso notável. 

Mas estas foram medidas de curta duração, tomadas em momentos em que os mercados pareciam ter perdido o rumo. Membros do Federal Reserve costumavam chamar esses movimentos de intervenções “tapa na cara”. São muito diferentes do tipo de intervenção sustentada que a China parece imaginar que pode exercer, determinando preços. Será que os governantes do país não entendem realmente os motivos pelos quais isso não vai funcionar? 

Se eles realmente não entendem, isso gera grande preocupação. A China é uma superpotência econômica -não tão super quanto os Estados Unidos ou a União Europeia, ainda, mas grande o suficiente para importar muito. E está enfrentando tempos difíceis. Portanto, se a sua liderança é realmente tão ignorante quanto tem parecido ultimamente, isso é um mau presságio, não apenas para a China, mas para o mundo como um todo. 

Tradução: Deborah Weinberg