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De quem é esse lixo?

Homem beduíno anda com seus camelos em acampamento em Khan Yunis, na Faixa de Gaza - Said Khatib/AFP
Homem beduíno anda com seus camelos em acampamento em Khan Yunis, na Faixa de Gaza Imagem: Said Khatib/AFP

Thomas L. Friedman

Em Hebron, Cisjordânia

11/02/2014 00h01

Não era uma excursão habitual pela Terra Santa, mas certamente foi uma das mais reveladoras que já fiz. Uma equipe da Amigos da Terra Oriente Médio me levou para uma visita para ver como o lixo, esgoto e água não tratada fluem, ou não, entre Israel e a Cisjordânia. Eu nunca percebi quão políticos o lixo e água suja poderiam ser, ou como rastreá-los poderia revelar por que a paz aqui é tão urgente.

Para começar, quem diria que quando você dá a descarga em seu hotel, em Jerusalém Oriental, a água suja provavelmente vai parar no Mar Morto –não tratada? Ela flui dos esgotos de Jerusalém para o Rio Cédron. Se você puder suportar o mau cheiro, você pode acompanhar tudo correndo por cerca de 1,5 quilômetro na direção leste de Jerusalém. A Alemanha se ofereceu para pagar por uma usina de tratamento, mas nos últimos 20 anos, Israel e a Autoridade Palestina não conseguiram concordar em como dividir a água tratada –que vem de ralos tanto judeus quanto árabes, de modo que nada aconteceu. Consequentemente, a Mãe Natureza sozinha faz o melhor que pode para filtrá-la enquanto flui para o Vale do Jordão, onde colonos judeus usam parte dessa água para irrigar suas tamareiras. O restante vai para o Mar Morto. Que bom que já está morto.

Nós aprendemos nos últimos anos que as fronteiras coloniais do Oriente Médio não correspondem às fronteiras étnicas, sectárias e tribais –e é um motivo para alguns Estados árabes estarem se despedaçando. Mas as fronteiras do ecossistema também não correspondem às fronteiras ou muros. E o fato de israelenses e palestinos serem incapazes de chegar a um acordo de divisão de poder que lhes permita tratar de todo o ecossistema aqui está começando a lhes assombrar.

Quando a região foi atingida em janeiro de 2013 com neve e chuva de uma enorme tempestade incomum, a enxurrada foi tão poderosa pelo Rio Alexander, que flui dos Montes Shomron, perto da cidade de Nablus, Cisjordânia, até Israel, que ele transbordou. Assim, em vez de passar sob o espesso muro de cimento erguido por Israel ao redor da Cisjordânia para impedir a entrada de homens-bomba palestinos, a enxurrada arrancou um pedaço inteiro do muro. A Mãe Natureza ri de nossas "linhas verdes".

Agora considere o que está acontecendo na Zona Industrial de Hebron, lar de 13 curtumes, incluindo a Al-Walied for Leather and Tanning Co., onde couros estão pendurados por toda parte no teto, e um único funcionário os passa por uma máquina que remove a umidade do processo de amaciamento.

O problema, explicou Malek Abu al-Failat, do escritório da Amigos da Terra Oriente Médio, em Belém, que une israelenses, jordanianos e palestinos em uma só equipe, é que os curtumes usam cromo 3 para amaciar o couro e então deixam os resíduos escoarem pelos ralos e até o rio Hebron. Esses resíduos ultrapassam 5.000 miligramas de cromo 3 por litro. O padrão global de segurança é de 5 miligramas! Quando o cromo 3 atinge a água e o oxigênio, ele se transforma em cromo 6, um conhecido carcinógeno. Assim, em 1998, a USAID (Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional) construiu uma usina de tratamento aqui para extrair todo o cromo 3 e reciclá-lo. Mas, em 2005, Israel identificou que o ácido sulfúrico usado na reciclagem como sendo um produto químico de duplo uso, que os palestinos poderiam empregar para fazer uma bomba, de modo que proibiram seu uso pelos curtumes. Assim, o cromo 6 está de volta à água, que flui de Hebron para Beersheba, uma das maiores cidades de Israel, e depois para Gaza e então para o mar, para as águas usadas pelas usinas de dessalinização de Israel.

Nós visitamos o Aterro Sanitário de Al-Minya, que foi construído com verbas do Banco Mundial, União Europeia e USAID, para que os palestinos fechassem 19 aterros sanitários não autorizados e prejudiciais ao redor de Belém e Hebron. Ele deveria ter sido aberto em setembro, mas, como eu vi, seus 26 hectares ainda permaneciam imaculados, porque as forças armadas israelenses disseram à Autoridade Palestina que se o local não aceitasse lixo dos assentamentos judeus de Gush Etzion, ele não poderia ser aberto, disse Failat. Os palestinos disseram que aquilo era injusto, perderem terras para os assentamentos e ainda terem que receber o lixo deles.

Enquanto isso, Gaza, que é terrivelmente má administrada pelos Hamas, está extraindo toda sua água potável de seu aquífero costeiro em uma taxa três vezes superior à sua capacidade de recuperação. Consequentemente, água salgada está infiltrando. No ano passado, a ONU disse que até 2016 não restará água potável no principal aquífero de Gaza. O local não possui nenhuma grande usina de dessalinização e mesmo que tivesse não teria eletricidade para fazê-la funcionar. Eu não quero estar aqui quando 1,5 milhão de moradores de Gaza realmente ficarem sedentos.

Israelenses, palestinos e jordanianos contam com todos os recursos necessários para cuidarem de todos, mas apenas se colaborarem, explicou Gidon Bromberg, cofundador da Amigos da Terra Oriente Médio. Israel, que é líder mundial em dessalinização e reciclagem de água, poderia usar seu próprio gás natural barato e a energia solar gerada na Jordânia –onde há abundância de deserto ensolarado– "para fornecer água dessalinizada e reciclada para si mesmo, Gaza, Jordânia e para a Autoridade Palestina".

Todos sairiam ganhando, o motivo para Bromberg sugerir que o secretário de Estado americano, John Kerry, leve os negociadores israelenses e palestinos em uma ecoexcursão para verem "a bomba-relógio que está tiquetaqueando sob eles". Ela também explodirá se eles não chegarem a um acordo que permita que vivam separados, mas em uma estrutura que possibilite que trabalhem juntos para proteger a água, o solo e o ar que sempre terão em comum e que só podem ser preservados se agirem juntos.