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Mais pauzinhos, por favor

Vietnamitas protestam contra a presença de tropas chinesas em território do mar do Sul da China, contestado por China e Vietnã, durante manifestação em frente à embaixada chinesa em Hanói - 11.mai.2014 - Luong Thai Linh/Efe
Vietnamitas protestam contra a presença de tropas chinesas em território do mar do Sul da China, contestado por China e Vietnã, durante manifestação em frente à embaixada chinesa em Hanói Imagem: 11.mai.2014 - Luong Thai Linh/Efe

Em Hanói (Vietnã)

13/05/2014 00h01

Devido a um acidente de agendamento, eu visitei Kiev e Hanói nas últimas semanas e essas visitas foram, acidentalmente, extremamente reveladoras. A Ucrânia é uma potência mediana vivendo ao lado de um urso gigante, e o Vietnã é uma potência também mediana vivendo ao lado de um tigre gigante.

A Ucrânia está enfrentando dificuldades para lidar com uma Rússia, um país em declínio e que está buscando dignidade nos lugares errados --como a Criméia. E o Vietnã está enfrentando dificuldades para lidar com uma China em ascensão e que está em busca de petróleo nos lugares errados --como as águas territoriais do Vietnã. A atitude da Rússia em relação à Ucrânia tem sido a seguinte: “case-se comigo ou eu te mato”. E a atitude da China em relação ao Vietnã foi uma variação da ameaça “vai haver sangue”: “eu tenho um canudo longo e, por isso, eu acho que vou beber o meu milk-shake e o seu”.

Enquanto isso, os Estados Unidos estão tentando descobrir como apoiar tanto o Vietnã quanto a Ucrânia em seus respectivos conflitos com seus vizinhos gigantes sem se afundar em nenhuma das duas disputas. E eu, com meu torpor provocado pela mudança de fuso horário, só tenho tentado não pedir rolinhos primavera de frango em Kiev.

Ambos os conflitos nos dizem muito sobre o mundo pós-Guerra Fria. Nem a intervenção da Rússia na Ucrânia nem a da China nas águas territoriais do Vietnã se baseiam em ideologias muito profundas ou em aspirações globais. Ambas têm a ver com controle regional, estimulado pelo nacionalismo e pela competição por recursos naturais.

Outra semelhança é que tanto a Rússia quanto a China não se envolveram em agressões fronteiriças tradicionais contra seus vizinhos, preferindo operar atrás de disfarces. A Rússia usou “homenzinhos vestidos de verde” na Ucrânia --homens pró-Rússia armados e camuflados, cujas identidades não foram divulgadas--, e a China enviou uma frota de 70 navios civis e apenas alguns navios da Marinha para o mar do Sul da China. Essas embarcações rebocaram uma plataforma de perfuração gigante para águas profundas localizadas a 130 milhas náuticas da costa do Vietnã --dentro da plataforma continental do Vietnã e também perto das Ilhas Paracel, que a China afirma serem suas e que, portanto, autorizam Pequim a controlar uma ampla parcela das águas circundantes.

A TV vietnamita tem transmitido uma sequência animada do confronto ocorrido devido a essa ação chinesa: um barco de patrulha da Marinha vietnamita desafiou um navio chinês de maior porte, que bateu no navio vietnamita e feriu seis marinheiros. Em seguida, outro navio chinês usou um canhão de água gigante para espantar as embarcações vietnamitas. O fato tem sido muito comentado aqui em Hanói.

Em ambos os casos, a Rússia e a China usaram táticas firmes o suficiente para fazer o que desejavam, mas moderaram suas ações para não gerar uma reação muito grande por parte da comunidade internacional. Mas o timing da China, logo após a visita de Barack Obama à região --quando ele criticou os as pretensões expansionistas marítimas chinesas--, mais se pareceu a uma pistola de água apontada bem para o rosto do presidente norte-americano.

“Foi um verdadeiro choque para toda a região”, me confidenciou Ha Huy Thong, vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do parlamento vietnamita. “Eles usam navios civis e, em seguida, se você os ataca, eles perguntam: por que você atacou os nossos civis?”

Mas o Vietnã dispõe de opções limitadas. A China “é uma potência em ascensão. A questão é: como é que nós podemos lidar com isso?”, perguntou Thong. “Não é apenas uma violação do nosso território. É também uma violação das leis internacionais.”

A única maneira de brecar essas potências regionais quando elas intimidam um de seus vizinhos é formando uma coligação entre todos os países vizinhos. Mas é difícil criar esse tipo de coalizão quando apenas um país é ameaçado, quando o nível de periculosidade da ameaça é relativamente baixo e quando o país autor da ameaça (a China ou a Rússia) controla um volume tão grande do comércio com o restante da Ásia --no caso da China-- ou comercializa muito gás para a Ucrânia e a Europa --no caso da Rússia.

“Nós temos um ditado em vietnamita”, acrescentou Thong: “é fácil quebrar dois pauzinhos [hashis], mas é muito difícil quebrar um feixe deles”. Até que tal coalizão seja criada, o Vietnã --em uma ironia da história-- espera que os EUA lhe forneça mais proteção contra seu predador histórico: a China.

Le Duy Anh, 24, professor da FPT School of Business (FSB), de Hanói, comentou comigo quando eu visitei o campus de sua faculdade que, atualmente, sempre que a China faz algo contra o Vietnã as pessoas vão até a embaixada dos EUA em Hanói e protestam. Durante muitos anos, os vietnamitas lutaram uma guerra contra os norte-americanos “tentando tirar vocês do nosso país”, disse ele, “mas, agora, nós estamos protestando para que vocês intervenham. Nós não queremos derramamento de sangue. Por isso, precisamos de alguém para dizer a eles [os chineses] que se acalmem”.

Os norte-americanos podem até pensar que nós perdemos a nossa influência no mundo, mas a verdade é muitas pessoas de várias regiões do planeta desejam a nossa “presença” mais do que nunca. Isso é especialmente verdadeiro para aqueles que vivem nas fronteiras com a Rússia e a China, países que mantêm um pé dentro e outro fora do sistema globalizado atual --que são beneficiários do regime comercial e de investimento criado pela globalização, mas se mostram revisionistas quando se trata respeitar as regras em relação ao trato com seus vizinhos. Nós podemos não estar tão interessados no mundo, mas uma grande parcela do mundo ainda está interessada em nós-- e essas pessoas estão dizendo “gringos, venham cá” mais do que “gringos, vão para casa”.

Nós não vamos entrar em guerra nem com a Rússia nem com a China. E a Rússia e a China também possuem direitos e interesses que devem ser considerados. Mas, se quisermos convencer Moscou e Pequim a resolver essas disputas fronteiriças de maneira pacífica, e não de maneira unilateral, é óbvio que nós vamos precisar de mais alguns pauzinhos do nosso lado. É por isso que a capacidade dos EUA para criar coalizões é tão vital hoje em dia, assim como o exercício do seu próprio poder.