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Quatro palavras que estão desaparecendo

29.abr.2014 - Donald Sterling, dono dos Clippers, foi banido da NBA  - REUTERS/Lucy Nicholson/Files
29.abr.2014 - Donald Sterling, dono dos Clippers, foi banido da NBA Imagem: REUTERS/Lucy Nicholson/Files

Thomas L. Friedman

22/05/2014 00h05

Quanto mais eu leio as notícias, mais me parece que quatro palavras estão se tornando obsoletas e destinadas a serem eliminadas do nosso vocabulário. Essas palavras são “privacidade”, “local”, “média” e “mais tarde”. Muitos dos temas que impulsionam as notícias de hoje em dia decorrem do fato de que a privacidade acabou, o que é local acabou, o que está na média acabou e mais tarde também acabou.

Deus sabe que eu não tenho nenhuma simpatia por Donald Sterling, o proprietário do Los Angeles Clippers. Mas a divulgação pública de uma gravação privada contendo a retórica racista de Sterling ressaltou o fato de que, em um mundo onde quem tem uma câmera de celular é paparazzi, quem tem acesso ao Twitter e a um gravador de voz no celular é repórter e quem é capaz de fazer o upload de vídeos no YouTube é cineasta, todos são figuras públicas – e alvos em potencial.

Atualmente é tão fácil para as pessoas gravarem, filmarem ou fotografarem qualquer outra pessoa em qualquer lugar e compartilharem esses conteúdos com o mundo (sem a necessidade de um editor ou de um advogado especialista em calúnias) que todos nós parecemos estar constantemente participando de um programa de pegadinhas. Você não pode admitir mais nada em particular. E é por isso que não é de estranhar que hoje em dia eu frequentemente ouça pessoas comuns – e não altos funcionários do governo – me dizerem durante uma conversa: “isso que vou dizer é off-the-record”. Oi? Por acaso você é o secretário de Estado? E eu começo a imaginar alunos da terceira série brincando, comentando sobre sua professora e perguntando uns aos outros: “nós estamos falando on the record ou off the record? O seu celular ou seu óculos do Google estão gravando isso?”.

A agência de notícias Associated Press informou que os comentários racistas de Sterling faziam parte de uma conversa gravada (de comum acordo) por sua amiga no celular dela. Posteriormente, ela enviou digitalmente parte dessa gravação a um amigo para se “salvaguardar”. Foi esse amigo que, em seguida, vazou a gravação para o TMZ, um site de fofocas.

O sempre inteligente Bill Maher em seu programa “Real Time” de 9 de maio observou corretamente: “agora que os norte-americanos estão ficando espertos em relação aos perigos de serem espionados pelo governo, eles têm que começar a ficar mais assustados em relação à prática de espionarem uns aos outros. Pois, se toda essa bagunça envolvendo Donald Sterling serviu para provar alguma coisa, essa coisa é que existe uma força tão poderosa quanto o Big Brother: a Big Namorada... em um artigo publicado nas páginas de opinião do jornal The Washington Post, Kathleen Parker ofereceu uma maneira para lidarmos com as onipresentes invasões de privacidade do mundo moderno: desistir de tentar. Ela escreveu: ‘Se você não quer que suas palavras sejam divulgadas em praça pública, não as diga’. É mesmo? Nem em casa? Nós temos que falar como um porta-voz da Casa Branca?” É provável que sim.

A palavra local acabou pela mesma razão. Toda e qualquer coisa controversa que você diga ou faça em qualquer lugar do mundo hiperconectado de hoje poderá se tornar global imediatamente. A irmã de Beyoncé, Solange, começa a chutar e socar Jay Z dentro de um elevador de hotel e o ataque é capturado pelas câmeras de vigilância – bum, global. E você não precisa ser Solange para que seus tapas sejam divulgados em todo o mundo. Na segunda-feira passada, o Google News publicou a seguinte história: “Santa Rosa, Califórnia (KGO) – Uma mãe de Santa Rosa é acusada de agredir um menino que ela acreditava estar fazendo bullying contra sua filha”. O tema não pode ser mais local, mas tornou-se global graças ao Google. Qualquer um que te diga que o que acontece em Vegas fica em Vegas estará zombando de você.

Eu venho dizendo há algum tempo que “a média acabou”. Deve ser porque todos os chefes têm acesso mais barato, mais fácil e mais rápido a softwares, sistemas de automação, robôs, mão de obra estrangeira barata e gênios estrangeiros também baratos que são capazes oferecer uma produção acima da média com muita facilidade. Todo mundo precisa encontrar o seu valor agregado único, o seu “extra”, e se renovar constantemente caso queira obter ou progredir em um emprego decente que não possa ser automatizado.

Considere este artigo publicado no The New York Times em 23 de abril: “Easton, NY – Algo estranho está acontecendo nas fazendas do norte do estado de Nova York. As vacas estão ordenhando a si próprias. Desesperadas por mão de obra confiável e estimuladas pelo aumento dos preços, as fabricantes de laticínios de todo o estado estão mergulhando no admirável mundo novo dos cuidados com as tetas das vacas: ordenhadeiras robotizadas, que alimentam e ordenham vaca após vaca sem a ajuda de nenhum trabalhador rural”.

Do dia para a noite, os lavradores médios tiveram que se aperfeiçoar e passar da ordenha das vacas à programação e operação da ordenadora automatizada para conseguir manter seu emprego. E isso exige habilidades acima da média.

Finalmente, eu li uma notícia, publicada por este jornal em 13 de maio passado, de que cientistas concluíram que “uma grande parte da grossa camada de gelo da Antártica Ocidental começou a desmoronar e seu derretimento contínuo agora parece ser irrefreável. ‘Hoje apresentamos evidências empíricas de que um grande setor da camada de gelo da Antártica Ocidental sofreu um recuo irreversível”, disse Eric Rignot, glaciologista da Universidade da Califórnia, em Irvine. “O derretimento passou do estágio reversível”.

Como eu já havia observado antes, enquanto crescíamos “mais tarde” significava que podíamos pintar a mesma paisagem, ver os mesmos animais, subir nas mesmas árvores, pescar nos mesmos rios, visitar a mesma Antártica, aproveitar o mesmo clima ou salvar as mesmas espécies ameaçadas de extinção de quando éramos crianças – apenas mais tarde, quando tivéssemos tempo para isso. Não mais. Agora mais tarde será quando você não será mais capaz de fazer nenhuma dessas coisas – nunca mais. Então, o que quer que você esteja pretendendo salvar, por favor, salve agora. Porque mais tarde será quando essas coisas terão acabado. Mais tarde será tarde demais.
Mais tarde – assim como privado, local e a média – já não existe mais.