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Há uma guerra mundial do petróleo em andamento?

Thomas L. Friedman

17/10/2014 00h01

É apenas minha imaginação, ou há uma guerra global do petróleo em andamento, colocando os Estados Unidos e a Arábia Saudita de um lado, contra a Rússia e o Irã do outro? Não dá para dizer ao certo se a aliança do petróleo americana-saudita é deliberada ou uma coincidência de interesses, mas se for explícita, então claramente estamos tentando fazer ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, e ao supremo líder do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, exatamente o que os americanos e sauditas fizeram aos últimos líderes da União Soviética: matá-los com o aumento da produção --os falindo com a queda dos preços do petróleo a níveis abaixo do que Moscou e Teerã precisam para financiar seus orçamentos.

Pense nisso: quatro produtores de petróleo --Líbia, Iraque, Nigéria e Síria-- estão atualmente passando por turbulência e o Irã está prejudicado pelas sanções. Há 10 anos, essas notícias elevariam os preços do petróleo às alturas. Mas hoje, está acontecendo o oposto. Os preços globais do óleo cru estão caindo há semanas, atualmente em torno de US$ 88 --após um longo período a US$ 105 a US$ 110 o barril.

A queda dos preços é resultado das desacelerações econômicas na Europa e na China, somadas aos Estados Unidos se tornarem um dos maiores produtores de petróleo do mundo --graças às novas tecnologias que permitem a extração de grandes quantidades de petróleo do xisto-- e começarem a fazer exceções, como permitir que parte de seu petróleo possa ser exportado, assim como a recusa da Arábia Saudita de reduzir sua produção para manter os preços mais altos, preferindo manter sua fatia de mercado em relação aos outros produtores da OPEP. O resultado líquido tem sido tornar a vida difícil para a Rússia e o Irã, em um momento que a Arábia Saudita e os Estados Unidos estão enfrentando ambos em uma guerra por procuração na Síria. São apenas negócios, mas também tem um ar de guerra por outros meios: o petróleo.

Os russos perceberam. Como não poderiam? Eles já viram isso antes. O jornal russo "Pravda" publicou um artigo em 3 de abril com o título, "Obama quer que a Arábia Saudita destrua e economia russa". Ele disse: "Há um precedente para uma ação conjunta como essa, que causou o colapso da URSS. Em 1985, a Arábia Saudita aumentou dramaticamente a produção de petróleo, de 2 milhões para 10 milhões de barris por dia, derrubando os preços de US$ 32 para US$ 10 o barril. A URSS começou a vender alguns lotes por preço ainda mais baixo, cerca de US$ 6 o barril. A Arábia Saudita não perdeu nada, porque quando os preços caíram 3,5 vezes, a produção saudita aumentou cinco vezes. A economia planejada da União Soviética não foi capaz de lidar com a queda da receita de exportação, e esse foi um dos motivos para o colapso da URSS".

De fato, o falecido Yegor Gaidar, que entre 1991 e 1994 foi o primeiro-ministro da Rússia, observou em um discurso em 13 de novembro de 2006 que, "A cronologia do colapso da União Soviética pode ser traçada a partir de 13 de setembro de 1985. Naquela data, o xeque Ahmed Zaki Yamani, o ministro do petróleo da Arábia Saudita, declarou que a monarquia tinha decidido alterar radicalmente sua política do petróleo. Os sauditas pararam de proteger os preços do petróleo. (...) Nos seis meses seguintes, a produção de petróleo da Arábia Saudita aumentou quatro vezes, enquanto os preços despencavam. (...) A União Soviética perdia aproximadamente US$ 20 bilhões por ano, dinheiro sem o qual o país simplesmente não podia sobreviver".

Nem Moscou e nem Teerã ruirão amanhã. E se os preços do petróleo caírem abaixo de US$ 70, você verá uma queda da produção americana, já que parte da exploração não será custo-eficaz e o preços poderão se estabilizar. Mas não tenha dúvida, esta queda dos preços atende aos interesses estratégicos americanos e sauditas, e prejudica a Rússia e o Irã. A receita de exportação de petróleo representa cerca de 60% da receita do governo do Irã e mais da metade da receita da Rússia.

A queda do preço não é casual. Em um artigo de 3 de outubro no "Times", Stanley Reed notou que a queda acentuada nos preços do petróleo "era vista como uma resposta à sinalização da Arábia Saudita (...) aos mercados de que estava mais interessada em manter sua fatia de mercado do que em defender os preços. A Aramco, a companhia estatal de petróleo saudita, surpreendeu os mercados ao anunciar que estava reduzindo os preços em cerca de US$ 1 por barril para a Ásia, o mercado em crescimento crucial para os produtores do Golfo Pérsico, assim como em US$ 0,40 o barril para os Estados Unidos". O "Times" também notou que com os Estados Unidos agora produzindo muito mais petróleo e gás, "a importação líquida de petróleo para os Estados Unidos caiu em 8,7 milhões de barris por dia desde  2007, 'aproximadamente o equivalente ao total das exportações sauditas e nigerianas', segundo um recente relatório do Citigroup".

Essa abundância de recursos ocorre em um momento em que também fomos atingidos por um "jorro" de tecnologia de energia no Vale do Silício, que está nos fornecendo ganhos sem precedentes em eficiência em energia e produtividade, economizando um volume que pode ter tanto impacto quanto o xisto para determinar nossa segurança em energia e força global. O Google, por meio da Nest, e a Apple, por meio do software do iPhone, estão facilitando para os americanos comuns administrarem e economizarem energia em casa ou no trabalho.

Resumindo: a tendência para os petroditadores não é muito boa. Os Estados Unidos contam com uma vantagem crescente no que o ex-secretário assistente de Energia, Andy Karsner, chama de "os três grandes Cs: codificação, cru e capital". Se ao menos pudéssemos fazer uma reforma tributária, e substituir os impostos sobre pessoa jurídica e os descontados na folha de pagamento por um imposto sobre o carbono, nós teríamos uma fórmula de resistência e sucesso muito melhor que a de qualquer um de nossos adversários.