Ele tentou ir a pé à Copa do Qatar e acabou em prisão mais temida do Irã
Fanático por futebol, o espanhol Santiago Sánchez Cogedor, 42, tinha um sonho: ir caminhando de Madri ao Qatar para a Copa do Mundo de 2022.
Após passar por 13 países e percorrer mais de 4 mil quilômetros, Santiago chegou ao Irã, a última parada antes do país do Mundial.
Mas uma visita a um túmulo de uma jovem iraniana mudou os rumos. Ele foi acusado de espionagem e acabou preso por 15 meses no país.
Santiago ganhou liberdade no dia 31 de dezembro do ano passado após campanhas de familiares e amigos, além de esforços diplomáticos do governo espanhol para trazê-lo de volta ao país de origem.
Meses após o retorno, o espanhol esquiva-se de detalhar o que viveu nos centros de detenções ou emitir opiniões sobre o governo do Irã. Ele diz que prefere ver o lado positivo da experiência e afirma que isso não mudou o anseio de seguir viajando pelo mundo.
Acredito que o Irã me tirou a liberdade, mas me deu tempo em troca. Um tempo muito importante e valioso que usei para fazer uma viagem para o meu interior. Aprendi a viver com pouco e esse pouco compartilho com outros. Conheci realmente o povo iraniano e a mim mesmo. Aprendi a olhar cara a cara para a solidão e a caminhar de mãos dadas com o silêncio. No final, decidi ficar com o que é positivo. Isso me deu asas e não ficarei quieto, seguirei viajando.
Santiago Sánchez Cogedor, ao UOL
'Não sabia o que poderia acontecer'
Antes da prisão, Santiago já havia passado pelo Irã em 2020. O turista tinha conhecidos e boas memórias do país antes de cruzá-lo a pé.
Conheci o Irã em 2020. Fui de avião e cruzei o país de norte a sul de mochila. Muitas pessoas me hospedaram em suas casas e foi uma experiência incrível. Não tinha acontecido nada estranho. Mas quando Mahsa Amini morreu, começaram as revoltas. Nunca pensei que poderia acontecer algo como isso.
Santiago Sánchez Cogedor ao UOL
O retorno de Santiago ao país ocorreu em meio aos protestos da morte da jovem de 22 anos. Mahsa foi acusada de desrespeitar o código de vestimenta islâmica no país e acabou presa pela polícia "da moral e bons costumes". Sob custódia, ela entrou em coma e morreu no dia 16 de setembro de 2022. O governo iraniano alegou que ela tinha uma doença preexistente, mas a família dela e ativistas dos direitos humanos alegaram que Mahsa foi espancada até a morte. O caso gerou uma onda de protestos no país, deixando mais de 400 mortos.
O turista conta que foi levado por um jovem conhecido até o túmulo de Mahsa, sem ter ideia do que poderia acontecer. Santiago diz que um garoto em quem ele "confiava completamente" o levou até o local. Na ocasião, Santiago disse que não sabia direito o que estava acontecendo no país. No entanto, ao estar em frente ao túmulo da jovem, ele foi preso pela polícia secreta, acusado de espionagem. O espanhol diz que os policiais estavam vestidos como se pertencessem à Polícia Civil.
Não sei por que ele me levou até lá. Acho que era jovem e imprudente e não sabia o que poderia acontecer.
Santiago Sánchez Cogedor
'A incerteza da liberdade me matava'
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Quero receberSantiago foi detido em outubro de 2022 no Curdistão iraniano. "Foi uma loucura", lembra ele.
Me tiraram todas as coisas, me tiraram a roupa, me colocaram uma roupa de prisão e me deixaram em uma cela com a luz acesa o tempo inteiro. Não sei como explicar, mas passou e agora está tudo bem.
Santiago Sánchez Cogedor
As primeiras celas, segundo Santiago, eram pequenas, onde ele passava os dias sozinho. Depois, ele compartilhou celas com outros prisioneiros. Ao todo, Santiago diz ter passado por sete celas. Com os presos, ele se comunicava em inglês e, além disso, aprendeu a falar persa.
Na prisão eu acordava, tomava café da manhã, colocava minha roupa de trabalho e ia à oficina de madeira, e depois praticava esportes e dava classes de espanhol. Era uma rotina um pouco simples.
Santiago Sánchez Cogedor
Por um tempo, Santiago ficou na temida prisão de Evin. Localizada em Teerã, a capital do país, a prisão foi construída em 1972 e ganhou atenção internacional por deter presos políticos em péssimas condições ao longo dos anos.
Muitas coisas passavam pela minha cabeça. No final eu pensava que sairia logo, mas essa incerteza me matava. Tirava forças de muitos lugares, incluindo das pessoas que me esperavam, dos familiares que tenho no céu.
Santiago Sánchez Cogedor
Demorou 15 meses para que Santiago pudesse voltar à liberdade. Familiares e amigos iniciaram uma campanha internacional pela libertação de Santiago e o governo espanhol se mobilizou para o retorno dele em segurança. Quando Santiago foi solto, a Casa Real espanhola informou que até o rei Felipe 6.º comemorou seu retorno.
Saí porque era inocente, ainda que esse país tenha poder para atrapalhar as pessoas que são inocentes.
Santiago Sánchez Cogedor
'Decidi focar no que é positivo'
Em casa, Santiago diz estar escrevendo um livro e ainda se adaptando à rotina na Espanha. Ele foi recebido por dezenas de pessoas no aeroporto Adolfo Suárez Madrid-Barajas no dia 2 de janeiro deste ano.
Meu corpo está aqui [na Espanha], mas minha mente ainda está no Irã. Ainda fico pensando naquele lugar, que horas são, o que estão fazendo. Mas me sinto muito bem, melhor do que nunca. Tenho força e energia para continuar com a vida.
Santiago Sánchez Cogedor
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