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Opinião: Precisamos de outro protesto gigantesco

15/01/2015 00h01

O presidente Barack Obama foi criticado por não comparecer, nem enviar um substituto adequado para a gigantesca marcha contra o terrorismo em Paris no domingo (11). A crítica foi correta.

Mas é típico da política americana atual nos concentrarmos nisto e não no que teria realmente feito o mundo sentir que a ameaça jihadista estava finalmente sendo seriamente confrontada. E isso não seria uma marcha liderada por nosso presidente e sim uma em que ele não estivesse envolvido de maneira alguma.

Essa seria uma manifestação de milhões de pessoas contra os jihadistas em todo o mundo árabe-muçulmano, organizada por árabes e muçulmanos para os árabes e muçulmanos, sem que ninguém no Ocidente pedisse -e não apenas pelo que aconteceu em Paris, mas por causa de tantos muçulmanos recentemente assassinados por jihadistas no Paquistão, Iêmen, Iraque, Líbia, Nigéria e Síria.

Abdul Rahman al-Rashed, um dos mais respeitados jornalistas árabes, escreveu na segunda-feira (12) em sua coluna no “Al-Sharq Al-Awsat”: “Os protestos contra os recentes ataques terroristas na França deveriam ter sido realizados em capitais muçulmanas em vez de Paris, porque são os muçulmanos que estão envolvidos nesta crise e que são acusados...

A história do extremismo começa nas sociedades muçulmanas, e é com o seu apoio e seu silêncio que o extremismo virou terrorismo que está causando tanto mal. Não tem valor o povo francês, que é a vítima neste caso, ir para as ruas... O que é necessário é que as comunidades muçulmanas repudiem o crime em Paris e o extremismo islâmico em geral”. (Tradução por Memri.org.)

A verdade é que há uma enorme quantidade de ambivalência em relação a todo este fenômeno jihadista -mais do que qualquer um de nós gostaria de acreditar- no mundo árabe-muçulmano, na Europa e na América. Esta ambivalência começa na comunidade muçulmana, onde há uma profunda divisão sobre o que constitui o autêntico islã hoje.

Nós nos enganamos quando dizemos aos muçulmanos o que é o “verdadeiro islã”. Como o islã não tem um Vaticano, ou uma única fonte de autoridade religiosa, há muitos islãs hoje. A linha puritana jihadista wahabista-salafista é uma delas, e tem mais apoio do que gostaríamos de acreditar.

E há uma ambivalência na Europa de hoje sobre o que os países devem exigir dos novos imigrantes muçulmanos no sentido da adoção de seus valores. Estará certo George Friedman, da Stratfor, quando argumenta que os europeus adotaram o multiculturalismo precisamente porque não queriam de fato absorver seus imigrantes muçulmanos, e muitos desses imigrantes muçulmanos -que foram para a Europa em busca de emprego, não uma nova identidade, não queriam ser absorvidos? Se assim for, temos problemas.

A ambivalência passa pelos laços de Washington com a Arábia Saudita. Quando os jihadistas assumiram o santuário mais sagrado do Islã, em Meca, em 1979, proclamando que os governantes da Arábia Saudita não eram piedosos o suficiente, a Arábia Saudita redobrou o seu compromisso com o islã wahabista ou salafista -a versão mais puritana anti-mulheres, anti-pluralista da fé.

Esta virada à direita da Arábia Saudita -combinada com a receita do petróleo usada para construir mesquitas, sites e madrassas wahabistas em todo o mundo muçulmano- inclinou a toda a comunidade sunita para a direita.

Veja a foto das mulheres diplomadas pela Universidade do Cairo em 1950: poucas estão usando véus. Olhe para elas hoje. Muitas estão usando véus. O islã aberto, suave e inclusivo que definiu o Egito durante séculos -reze cinco vezes por dia, mas termine o dia com uma cerveja- foi enrijecido pelos ventos wahabistas da Arábia.

Mas os presidentes americanos nunca enfrentaram a Arábia Saudita neste quesito por causa da nossa dependência do petróleo. Como eu já disse, os viciados nunca dizem a verdade aos seus fornecedores. O governo saudita se opõe aos jihadistas. Infelizmente, porém, é uma distância muito pequena entre o islã wahabista e o jihadismo violento praticado pelo Estado Islâmico.

Os terroristas franceses nasceram na França, mas foram marinados no pensamento wahabista-salafista da Internet e das mesquitas locais –e não em Voltaire.

Além disso, a outra guerra civil no Islã -entre sunitas e xiitas- levou muitas instituições de caridade sunitas tradicionais, mesquitas e regimes a apoiarem grupos jihadistas porque eles são combatentes ferozes dos xiitas. Finalmente –e mais ambivalência- por 60 anos houve uma aliança tácita entre os ditadores árabes e seus clérigos religiosos sunitas.

Os regimes financiaram esses clérigos muçulmanos sem inspiração, e os clérigos por sua vez abençoaram os ditadores sem inspiração -e ambos sufocaram o surgimento de qualquer islã inspirado, autêntico e reformista que pudesse fazer frente ao wahabismo-salafismo, apesar de muitos muçulmanos o desejarem. Uma reforma autêntica requer um espaço livre no mundo árabe-muçulmano.

“Os muçulmanos precisam ‘atualizar seu software’, que é programado, principalmente, pelas nossas escolas, televisão e mesquitas -especialmente as pequenas mesquitas que ditam o que é proibido”, escreveu o intelectual egípcio Mamoun Fandy no “Al-Sharq Al-Awsat”. (Também traduzido por Memri.org.) “Não há escolha, a não ser desmantelar este sistema e reconstruí-lo de uma forma que seja compatível com a cultura e os valores humanos”.

Em suma, é fácil condenar o zelo jihadista, mas serão necessárias várias revoluções para detê-lo - revoluções que exigirão que muitas pessoas no mundo árabe-muçulmano e no Ocidente deixem de lado sua ambivalência e parem de fazer jogos duplos.