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Alemanha, a superpotência sustentável que precisa reforçar seu papel de líder

Stefan Sauer/AFP
Imagem: Stefan Sauer/AFP

Thomas L. Friedman

Em Berlim (Alemanha)

07/05/2015 00h02

Depois de uma semana na Academia Americana em Berlim fiquei com dois sentimentos contraditórios: um é que a Alemanha hoje merece um Prêmio Nobel da Paz e o outro é que a Alemanha amanhã terá que superar seu pacifismo profundamente enraizado pós-Segunda Guerra Mundial e se tornar uma potência global ativista mais séria. E também digo isso como elogio.

Quanto ao primeiro ponto: em cerca de 15 anos, os alemães converteram sua rede elétrica para energia solar e eólica de quase zero para 30%, em uma grande contribuição para a estabilidade do nosso planeta e seu clima. A peça central do “Energiewende”, ou transformação energética, foi uma “tarifa por alimentação” extremamente generosa, que tornou muito fácil para os alemães instalarem energia solar (ou eólica) em casa e receberem um preço elevado programado para a energia gerada em seus telhados.

Não há como negar que os primeiros tempos da tarifa por alimentação foram caros. Os subsídios custam bilhões de euros, pagos através de uma sobretaxa na conta de energia elétrica de todos. Mas o objetivo não era simplesmente comprar mais energia renovável: era criar uma demanda que fizesse cair o custo da energia solar e eólica para torná-las opções comuns e acessíveis. E, nisso, o energiewende tem sido um sucesso absoluto. Com quedas de preços de mais de 80% para a energia solar e de 55% para a energia eólica, a energia com emissão de carbono zero na Alemanha hoje compete com os combustíveis fósseis.

“Na minha opinião, o maior sucesso da transição energética alemã foi dar um impulso para a indústria chinesa de painéis solares”, disse Ralf Fuecks, presidente da Heinrich-Böll-Stiftung, fundação política do Partido Verde alemão. “Criamos o mercado de massa, e isso levou ao aumento da produtividade e à diminuição drástica do custo.” E tudo isso em um país cuja ponta norte fica na mesma latitude que a ponta sul do Alasca! 

Esta é uma conquista que protege o mundo. E, felizmente, com a queda do preço, os subsídios para as novas instalações também caíram. Os alemães que instalaram painéis de energia solar acabaram ganhando dinheiro e, por isso, o programa continua popular, exceto nas regiões produtoras de carvão. Hoje, mais de 1,4 milhão de lares e cooperativas alemãs estão gerando sua própria eletricidade solar/eólica. “Hoje existem 1.000 cooperativas de energia operadas por pessoas privadas”, disse a economista de energia Claudia Kemfert. 

Oliver Krischer, vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Verde, disse-me: “Eu tenho um amigo que chega em casa e, se o sol estiver brilhando, ele nem diz oi para sua esposa: primeiro, ele desce as escadas e olha para o contador para ver quanta (eletricidade) ele produziu... Agora se pensa que a energia é algo que você pode produzir. Esse é um desdobramento novo”. E isso tem criado tanta pressão sobre as quatro principais fornecedoras de energia nuclear e de carvão do país que uma delas, a E.On, acaba de se dividir em duas empresas: uma focada em espremer os últimos lucros a partir do carvão, óleo, gás e nuclear, enquanto a outra se concentra em energias renováveis. Jocosos, os alemães estão chamando uma de “E.On” e a outra de “E.Off”.  

Um problema: a Alemanha ainda tem toneladas de carvão de lenhite barato e sujo, que é usado como backup na falta da energia eólica e solar, porque o gás natural, que é mais limpo, é mais caro, e a energia nuclear está sendo eliminada.

Então, se essa é a história da energia renovável, qual é a do poder nacional? Duas gerações depois da Segunda Guerra Mundial, a reticência de Alemanha em projetar qualquer poder para além de suas fronteiras está profundamente enraizada em sua psique política. Isso é uma coisa boa, dado o passado da Alemanha. Mas não é sustentável.  A Alemanha hoje tem um peso impressionante e único na Europa -derivado da qualidade da sua instituição governamental, de seu estado de direito e do poder absoluto de sua economia construída sobre empresas de médio porte. 

Quando você fala com as autoridades alemãs sobre a Grécia, a sua principal queixa não é em relação à política fiscal grega, que está melhor ultimamente, mas sobre a podridão e a corrupção nas instituições de governo da Grécia. Os gregos “não poderiam implementar as reformas estruturais que precisavam, mesmo se quisessem”, disse-me uma autoridade financeira alemã. As instituições de Atenas são uma bagunça. 

Com os Estados Unidos menos interessados ​​na Europa, o Reino Unido desaparecendo da União Europeia e perdendo seus últimos vestígios de potência militar global, a França e a Itália economicamente prejudicadas e a maioria dos membros da Otan encolhendo seus orçamentos de defesa, não vejo como a Alemanha evitar um exercício maior de sua liderança. Suas sanções econômicas já são a mais importante forma de combate à agressão russa na Ucrânia. E no mar Mediterrâneo, onde a Europa enfrenta uma crescente onda de refugiados (e onde a Rússia e a China acabam de anunciar que suas marinhas vão realizar um exercício conjunto em meados de maio), a Alemanha terá de catalisar algum tipo de resposta naval da UE.

O peso relativo do poder alemão em relação ao resto da Europa continua crescendo, mas não diga isso em voz alta por aqui. Uma autoridade em política externa alemã explicou o dilema da Alemanha da seguinte forma: “Nós temos que nos acostumar a assumir a posição de liderança e, ao mesmo tempo, ficar cientes de que os outros relutam com a ideia de liderança alemã -por isso temos de exercitá-la através da UE”. 

Aqui vai minha previsão: a Alemanha será a primeira superpotência verde movida a energia solar da Europa. Você talvez se pergunte se esses atributos podem coexistir em um país. Pois terão. 

Tradutor: Deborah Weinberg