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Maior propagador do radicalismo islâmico é nossa amiga Arábia Saudita, não o Irã

O rei saudita Salman bin Abdul Aziz - Divulgação/Saudi Press Agency/AFP
O rei saudita Salman bin Abdul Aziz Imagem: Divulgação/Saudi Press Agency/AFP

Thomas L. Friedman

03/09/2015 00h02

O “Washington Post” publicou uma reportagem na semana passada sobre cerca de 200 generais e almirantes da reserva que enviaram uma carta ao Congresso “exortando os congressistas a rejeitarem o acordo nuclear do Irã, pois este seria uma ameaça à segurança nacional”.

Há argumentos legítimos a favor e contra este acordo, mas um dos que foram citados na matéria está tão perigosamente equivocado sobre as reais ameaças do Oriente Médio para os Estados Unidos que precisa ser esclarecido.

O argumento era do tenente-general Thomas McInerney, ex-vice-comandante da Força Aérea dos EUA na Europa, que disse sobre o acordo nuclear: “O que eu não gosto é que o principal grupo radical islâmico no mundo são os iranianos. Eles disseminam o islamismo radical para toda a região e todo o mundo. E nós vamos permitir que tenham armas nucleares.”

Desculpe general, mas esse título de maiores “distribuidores do islamismo radical” não pertence aos iranianos. Nem de longe. Ele pertence ao nosso aliado de sempre, a Arábia Saudita.

Quando se trata do envolvimento do Irã com o terrorismo, não tenho ilusões: eu cobri em primeira mão os atentados suicidas de 1983 contra a embaixada dos EUA e o quartel dos Marines em Beirute, os dois atribuídos ao capanga do Irã, a Hezbollah. No entanto, o terrorismo do Irã em relação aos EUA tem sido do tipo geopolítico: uma guerra por outros meios para empurrar os EUA para fora da região de forma que o Irã possa dominá-la, não nós.

Eu apoio o acordo nuclear do Irã porque reduz as chances deste país construir uma bomba por 15 anos e abre uma possibilidade de moderação do regime religioso radical do Irã por meio de uma integração maior com o mundo.

Mas se você acha que o Irã é a única fonte de problemas no Oriente Médio, você deve ter dormido durante o 11 de Setembro, quando 15 dos 19 sequestradores vieram da Arábia Saudita. Nada tem sido mais corrosivo para a estabilidade e modernização do mundo árabe e no mundo muçulmano em geral do que os bilhões e bilhões de dólares que os sauditas investiram desde a década de 70 para aniquilar o pluralismo do islã -as versões sufistas, sunitas moderadas e xiitas- e impor em seu lugar o islamismo salafista wahabista puritano que é contra o Ocidente, contra as mulheres, contra o que é moderno e plural, promovido pela instituição religiosa saudita.

Não é por acaso que milhares de sauditas uniram-se ao Estado Islâmico ou que instituições de caridade do Golfo Árabe enviaram doações ao Estado Islâmico. Isso acontece porque todos estes grupos jihadistas sunitas -o Estado Islâmico, a Al Qaeda, a Frente Nusra- são descendentes ideológicos do wahabismo injetado pela Arábia Saudita em mesquitas e madrassas do Marrocos ao Paquistão até a Indonésia.

E nós, norte-americanos, nunca cobramos deles uma atitude a respeito disso -porque somos viciados em seu petróleo, e os viciados nunca dizem a verdade para seus traficantes.

“Vamos evitar as hipérboles ao descrever um inimigo ou um inimigo em potencial como a maior fonte de instabilidade”, disse Husain Haqqani, ex-embaixador paquistanês em Washington, que é especialista em islã do Instituto Hudson.

“É uma simplificação exagerada”, disse ele. “Apesar do Irã ser uma fonte de terrorismo quando apoia grupos como a Hezbollah, muitos aliados americanos têm sido uma fonte de terrorismo apoiando a ideologia wahabista, que basicamente destruiu o pluralismo que surgiu no islã depois do século 14, desde o islã bektashi na Albânia, que acredita na convivência com outras religiões, até o sufismo e o xiismo.”

“As últimas décadas foram testemunhas dessa tentativa de homogeneizar o islã”, alegando que “só há um caminho legítimo para Deus”, disse Haqqani. E quando há apenas um caminho legítimo, “todos os outros podem ser mortos. Esta foi a ideia mais perigosa a surgir no mundo muçulmano, que veio da Arábia Saudita e foi abraçada por outros, inclusive o governo do Paquistão.”

Considere esta matéria do dia 16 de julho de 2014 do “The Times” de Beirute: “Há décadas que a Arábia Saudita vem investindo bilhões de dólares do petróleo em suas organizações islâmicas ao redor do mundo, praticando em silêncio a diplomacia do talão de cheques para promover sua agenda. Mas um tesouro com milhares de documentos sauditas recentemente divulgados pelo WikiLeaks revela com detalhes surpreendentes como a meta do governo nos últimos anos não foi apenas espalhar sua versão rigorosa do islamismo sunita -embora isso fosse uma prioridade- mas também minar seu principal adversário: o Irã xiita”

Ou considere esta reportagem de 5 de dezembro de 2010 da BBC.com: “A Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, advertiu no ano passado em um memorando secreto que a ‘fonte mais significativa de financiamento de grupos terroristas sunitas em todo o mundo’ eram doadores da Arábia Saudita. Ela disse que era ‘um desafio permanente’ convencer as autoridades sauditas a tratar essa atividade como uma prioridade estratégica. Os grupos financiados incluem Al Qaeda, Taleban e Lashkar-e-Taiba, acrescentou.”

A Arábia Saudita é aliada dos Estados Unidos em muitas questões e há moderados no país que detestam as suas autoridades religiosas. Mas o fato é que a exportação do wahabismo puritano da Arábia Saudita tem sido uma das piores coisas que aconteceram ao pluralismo muçulmano e árabe –o pluralismo de pensamento religioso, de gênero e de educação- no último século.

A ambição nuclear do Irã é uma verdadeira ameaça; ela precisa ser contida. Mas não acredite no absurdo quando dizem que esta é a única fonte de instabilidade na região.

Tradução: Deborah Weinberg

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