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Como a Ciência explica hábito de gritar ao celular

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Imagem: Istockphoto

Adam Rutherford e Hannah Fry*

Especial para a BBC Future

15/03/2016 09h27

A cena é cada vez mais comum: no ônibus, na praia, na academia, no restaurante, alguém insiste em nos envolver em suas conversas ao celular, simplesmente por falar muito alto.

Muitas vezes, a pessoa nem percebe que está elevando seu tom de voz e tende a reclamar quando outros fazem o mesmo.

Será, então, que há uma explicação científica para esse comportamento?

A resposta surge ao se analisar o design original dos primeiros telefones - aqueles bem anteriores ao celular de hoje. Uma de suas características principais é ser dotado de um sidetone - mecanismo que permite ao usuário escutar sua própria voz no fone enquanto fala.

O artifício serve para assegurar ao usuário de que ele está sendo ouvido, sem a necessidade de elevar o tom de voz. Aparelhos de telefonia fixo têmsidetones justamente para evitar a gritaria desnecessária em espaços fechados.

Reação ao entorno

Segundo o tecnólogo em acústica Nick Zakarov, da empresa de tecnologia dinamarquesa Delta, celulares também são dotados desidetone - e há até diretrizes internacionais que sugerem um certo nível de decibéis para o mecanismo nesses aparelhos.

O problema está na mobilidade dos celulares, o que faz com que o volume dosidetone nem sempre seja suficiente em locais com muito ruído de fundo.

Além disso, é preciso considerar o chamado "efeito Lombard", descoberto em 1909 pelo otorrinolaringologista francês Etienne Lombard: a nossa tendência natural de alterar a voz de acordo com os barulhos à nossa volta. Sem perceber, fazemos um esforço para nos nivelarmos ao som mais alto que escutamos - mesmo que seja uma britadeira em um canteiro de obras ou a voz de quem está do outro lado da linha.

Junte tudo isso e eis o fenômeno das conversas telefônicas que involuntariamente envolvem quem estiver por perto.

É interessante notar, no entanto, que esta não é a primeira vez que o jeito como falamos ao telefone desafia nosso conceito de boas maneiras. Quando os primeiros aparelhos foram comercializados, a elite da era vitoriana não sabia como se comportar. As dúvidas iam de "será que posso falar ao telefone estando nu?" a "quando falar com uma mulher, devo ficar de pé?".

Ao que parece, a telefonia é uma tecnologia que sempre vai desafiar nossa noção de etiqueta.

*Adam Rutherford é geneticista e ex-editor da revista Nature . Hannah Fry é professora de matemática na University College London. Os dois apresentam a série The Curious Cases of Rutherford and Fry , sobre Ciência, na Rádio 4 da BBC.