Topo

Taxista do Rio conquista passageiros com seu carisma de cantor

André Naddeo

Do UOL Notícias<br>No Rio de Janeiro

26/07/2010 08h02

O Rio de Janeiro tem uma frota de 33 mil táxis legalizados rodando 24 horas por toda a cidade. Os que não têm carro próprio, como é o caso do nosso personagem, pagam em média uma diária de R$ 120 ao dono do veículo. Para um salário mensal líquido de R$ 2 mil, o paraibano Cosme Gonzaga, há 30 anos na capital fluminense, casado e com uma filha, fica até 15 horas por dia fora de casa. Isso quando não encosta em algum local, rebaixa o banco e dorme duas, três horas para ligar o carro de novo e ir atrás de passageiros. “Você já começa o dia no prejuízo”, afirma.

A rotina é desgastante, a concorrência é enorme e alguns pontos ainda são loteados. Para vencer todos estes obstáculos “de bem com a vida, porque não adianta esquentar, nem ficar de mau humor”, como costuma dizer, Gonzaga usa a música de Luiz Gonzaga, de quem carrega o mesmo sobrenome, não só para manter a milhares de quilômetros sua essência nordestina, mas para conquistar passageiros com carisma e muita cantoria.

“Eu sempre gostei de cantar desde pequeno. Quando eu era motorista particular e pegava o ônibus para voltar para casa em São Cristovão, eu cantava, a galera foi gostando, e comecei a cantar só de onda”, conta Cosme, que hoje canta Luiz Gonzaga, Caetano Veloso, Alceu Valença, entre outros, por onde passa. E não estranhe se um daí você entrar num táxi no Rio e, após passar o destino da corrida, ouvir do taxista: “Posso cantar uma música pra você?” A entrevista é feita, obviamente, dentro do táxi, numa corrida normal, e não foram raras as vezes que outros motoristas reconheceram a voz de Cosme e encostaram para cumprimentar. “Esse é o melhor da Barra da Tijuca, gente boa”, gritou um deles.

“Às vezes tem cliente que liga lá para o ponto [de táxi] pedindo. Outro dia a senhora disse: ‘eu quero o Bigode, quero que ele vá cantando pra mim até o [aeroporto internacional do} Galeão’. Quem canta seus males espanta. Eu canto para espantar o mal”, explica. Os passageiros pedem na ligação o tal do Bigode porque a foto é mais do que clara: ele é daqueles que levam pente para o bigode no bolso.

“Eu só aparo ele.”, diz. “Bigode é o cara”, gritam dois meninos em frente ao supermercado. Ele não canta só para passageiros. Por onde passa, vai cantarolando. “Ele voltou, o Bigode voltou”, berrava no microfone para os pedestres, que olhavam sem entender, no posto de gasolina onde para sempre para tomar café ou abastecer, no Leblon, zona sul.

Quando chega no supermercado onde geralmente faz compras, ou apenas encosta para esticar um pouco as pernas, encontra funcionários da rede, já seus amigos, e canta a versão nordestina de “Você não me ensinou a te esquecer”, de Caetano Veloso: “Não vejo mais você faz tanto tempo...”

Às vezes para quem estiver ao lado no trânsito e berra: “Pare!” Após a pessoa olhar assustada continua: “Até quando você vai mandar e mudar minha vida...”, de Zezé di Camargo e Luciano. Cosme conta que foi “ganhando fama” aos poucos. Passou a cantar para os passageiros há quatro anos, quando virou taxista. Antes era motorista particular da família do cirurgião plástico Ivo Pitanguy. A pergunta básica: ele cantava quando dirigia o carro do renomado cirurgião? “Não”, ri. “Eu cantava lá na clínica e ele [Ivo] mandava dizer: ‘Fala para ele que aqui não é a feira de São Cristovão’”. A feira é um centro tradicional de cultura nordestina no centro da cidade.

“É um grande dom que Deus deu para ele cantar e alegrar nossos corações”, diz a cabeleireira Fabiana, acostumada com suas performances no meio do expediente de seu salão de beleza. “Quem sabe depois desta matéria eu não gravo um CD e ganho dinheiro para visitar minha família na Paraíba”, conclui, cantando pela praia da Barra da Tijuca, a música de seu ídolo Luiz Gonzaga, “Vida de Viajante”: “Minha vida é andar por este país, para ver se um dia descanso feliz...”
 


publicidade