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Comida de albergue é tão ruim quanto de presídio, diz morador de rua de São Paulo

Rafael Camargo, 25, é morador de rua na capital paulista há seis meses - Fernando Donasci/UOL
Rafael Camargo, 25, é morador de rua na capital paulista há seis meses Imagem: Fernando Donasci/UOL

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

30/06/2012 13h00

"Comida de albergue é tão ruim quanto de presídio", compara Rafael Camargo, 25, que é morador de rua na capital paulista há seis meses. Ainda que não goste das refeições oferecidas nos centros vinculados à Prefeitura de São Paulo, reconhece a importância de ter esses lugares para comer, mas admite gostar muito mais das sopas oferecidas por ONGs (organizações não-governamentais) pelas ruas da cidade.

"Essas pessoas dedicam o tempo e o dinheiro delas para nos ajudarem e estão sempre nos tratando com carinho e respeito. São mais compreensíveis, inclusive com aqueles que são pagos para nos atender", conta Camargo, que é uma das 150 pessoas que frequentam o Espaço de Convivência para Adultos - Tenda Bela Vista, em busca de acolhida e de novas oportunidades de reintegração à sociedade.

Um lugar repleto de pessoas com olhares tristes e cansados de uma vida que para alguns já está no fim, mas para outros, apenas começando. Essas pessoas estão ali para tomar banho, usar o banheiro, assistir TV, fugir dos perigos da rua e, principalmente, conseguir um encaminhamento para um albergue e um vale para um almoço.

"Estou à espera do retorno sobre uma possível vaga em um albergue e com a esperança de não ter que dormir mais no relento", afirma Camargo. Ele decidiu enfrentar os riscos da rua para fugir da criminalidade, com a qual esteve envolvido desde criança. "Nasci neste meio e já fiz muita coisa errada, mas tudo que tinha que pagar, paguei nos meus setes anos de detenção. O que quero agora é um emprego para conseguir ser feliz como nunca fui", contou.

Camargo diz ser constantemente testado a voltar para vida do crime. "Oportunidades não me faltam", garante ele, que está decidido a usar seu "dom" que até então usou para o mal para o bem. "Não tenho muito estudo, mas sempre fui um bom vendedor de drogas, por que não posso vender qualquer outro produto legal?", questiona. Para ele, o pior da vida na rua não é o frio, a chuva, tampouco as "constantes abordagens agressiva dos policiais", mas sim, "a humilhação e o desprezo".

O desespero por uma solução não é exclusivo de Camargo. Bastou ver nossa equipe com um bloco, uma caneta na mão e uma câmera fotográfica no pescoço para muitos moradores se aproximarem. "Como você pode me ajudar?", "O que faria no meu lugar?", "Como posso sair dessa?". Perguntas frequentes entre aqueles que contaram suas histórias de vida, que envolviam alcoolismo, abandono familiar e falta de oportunidades.

Ana Rosana da Silva, 50, mora na rua há mais de 20 anos, desde que saiu de Santos, no litoral de São Paulo, para tentar melhores oportunidades na capital. E com apenas a ajuda de custo do renda mínima --programa de distribuição de renda da prefeitura paulistana--, que é de R$ 80 mensais, tenta sobreviver passando de albergue em albergue. "Até comida de lixo já tive que enfrentar", conta. Mas, agora, ela diz ter um lugar permanente em um albergue, passa os dias nos centros de convivência e faz as refeições nos espaços conveniados da prefeitura. "Até curso de artesanato faço. Também aprendi a fazer cachecol, onde consigo ganhar uma graninha." Renda extra que a permitiu parar de pedir dinheiro na rua, sua próxima missão: conseguir aposentar-se.

Objetivo também desejado por Laura Marques dos Santos, 56, que mora na rua há três anos. "Vim parar aqui por acaso do destino. Sofri um acidente e acabei perdendo o emprego de camelô. Sem dinheiro para pagar o aluguel, tive que recorrer aos albergues da vida", conta ela, que confessa ter "vergonha" de pedir a ajuda dos filhos, com os quais perdeu contato desde que foi para a rua. "Sempre trabalhei muito, mas também tive muito dinheiro. O problema é que esbanjei em viagens e até mesmo no bingo."

Desde que teve que entregar a casa alugada, Laura disse que dormiu na rua uma única vez. "Nesse dia o medo nem me deixou dormir direito", relata ela, que diz ser bem aparada pelos serviços dos espaços de convivência e também pela Prefeitura de São Paulo.

Espaços de convivência

Estes espaços de convivência são um projeto de parceria entre ONGs (organizações não-governamentais) e a prefeitura paulistana que, segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, atendem a população em situação de rua diariamente, das 8h às 22h. O objetivo é orientar essas pessoas sobre "os serviços da rede socioassistencial, como encaminhamentos para centros de acolhida, inclusão em programas de transferência de renda, capacitação para o mercado de trabalho, obtenção de documentos, retorno à cidade de origem, entre outros benefícios".

Os moradores também têm à disposição banheiros (adaptados para deficientes), além de chuveiros para banho com kit de higiene, e podem ainda participar gratuitamente de atividades socioeducativas, culturais e de lazer.

Os locais possuem capacidade para atender, em média, de 250 a 300 pessoas por dia, acima de 18 anos, acompanhadas ou não de filhos. Há atualmente nove espaços destes na capital:

Espaço de Convivência Jardim da Vida - Dom Luciano Mendes de Almeida 1 e 2
Parque Dom Pedro

Espaço de Convivência Rua da Mooca
Rua da Mooca, 26

Espaço de Convivência Bela Vista
Rua Santo Antonio, 800/820

Espaço de Convivência Santa Cecília
Rua General Marcondes Salgado, 106

Espaço de Convivência Barra Funda
Rua Norma Pieruccini Gianotti, 77

Espaço de Convivência Bresser
Rua Bresser, 2109

Espaço de Convivência Alcântara Machado
Avenida Alcântara Machado, 888

Complexo Prates - Espaço de Convivência
Rua Prates, 1101