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Morador que ganha salário para evitar fogo em favela de SP fica sem função por falta de equipamento

Um dos dois hidrantes instalados na favela de Vila Prudente não possui mangueiras - Fabiana Nanô/UOL
Um dos dois hidrantes instalados na favela de Vila Prudente não possui mangueiras Imagem: Fabiana Nanô/UOL

Fabiana Nanô

Do UOL, em São Paulo

29/11/2012 12h36

No terreno que costumava abrigar rodas animadas de famílias e amigos, crescem um muro de concreto e o barulho de obra. No pequeno quarteirão onde antes havia casas, hoje resistem apenas estacas queimadas. No meio do barranco, surgem os moradores, que agora batalham para reconstruir o que um dia foi uma comunidade, já com medo do início da temporada de chuvas. O cenário se reparte por diversas favelas de São Paulo: são resquícios de incêndios devastadores, que mesmo os bombeiros demoraram horas para apagar. Em 2012, foram 37 ocorrências registradas na capital paulista, que atingiram 28 favelas do município, algumas mais de uma vez.

Das favelas afetadas, quatro tinham o Previn (Programa de Prevenção contra Incêndios), instituído em 2010 pela Prefeitura de São Paulo em 50 assentamentos precários. Mas em nenhuma delas a iniciativa, que prevê a instalação de hidrantes, extintores e equipamentos especializados e a capacitação de alguns moradores para o combate ao fogo, foi eficiente.

A reportagem do UOL percorreu algumas comunidades contempladas pela iniciativa: Moinho, no centro; Sônia Ribeiro, conhecida como Piolho, e Comando, na zona sul; e Vila Prudente, na zona leste. Em todas, foi possível constatar a falta de agilidade do poder público em dar andamento ao Previn.

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  • Arte/UOL

Em uma delas, a do Moinho, que passou por dois grandes incêndios em menos de um ano (em dezembro de 2011 e em setembro de 2012), o fato de a favela ser contemplada pelo programa não ajudou. Apenas um hidrante foi instalado, e ele estava indisponível no dia do fogo, trancado e sem mangueiras. Os moradores contam que foi preciso esperar os bombeiros chegarem para combater as chamas, o que aumentou em muito o rastro de destruição. No primeiro incêndio, não havia sequer o hidrante na comunidade, embora o Previn já existisse e contemplasse a favela.

A prefeitura chegou a construir uma casa na comunidade para receber os equipamentos, mas eles nunca vieram. Até hoje os moradores aguardam capacetes, roupas especiais, extintores de incêndio e mangueiras.

Além disso, diante de centenas de barracos destruídos e milhares de desabrigados, em vez de equipamentos, os moradores ganharam muros de concreto, em um claro recado do poder público de que devem buscar moradia em outro lugar.

“Existe uma tentativa de esmagamento”, desabafa Milton Sales, 56, morador que perdeu o barraco no último incêndio. “Não há interesse em criar formas de defesa, de estruturar e urbanizar. A gente percebe todo um alinhamento da prefeitura no sentido de pôr em prática esse plano de remoção e higienização da cidade.”

Parte da área da comunidade é alvo de disputa judicial há alguns anos, e pode abrigar a futura estação Bom Retiro da CPTM, que está prevista para 2015 e deve atrair 30 mil usuários por dia. Por isso, Sales diz que acha muito “suspeito” que um novo incêndio tenha ocorrido ali.

A prefeitura reconhece que construiu o muro e alega que a barreira foi levantada por questões de segurança, já que obras estão sendo feitas no viaduto Engenheiro Orlando Murgel, cuja estrutura ficou abalada após o incêndio de setembro. Indagada se iria retirar o muro após o fim das obras, a prefeitura não soube responder. Na área atingida pelo primeiro incêndio também foi feita uma barreira de concreto, que permanece no local até hoje.

Por outro lado, os moradores elogiam o curso de capacitação de brigada de incêndio, do qual participaram três pessoas da comunidade. Após o treinamento, os moradores são levados à categoria de zeladores e recebem um salário de R$ 653 por mês, mas nem isso evita a baixa aderência, já que o curso ocorre durante a semana, quando a maioria está trabalhando.

Francisco Charles Pereira da Silva, 25, foi um dos participantes. Ele contou que o treinamento, que durou um ano, foi “muito bom”, embora os brigadistas formados não tenham autorização para usar extintores ou mangueiras. “Quem vai usar mesmo são os bombeiros. A gente vai só orientar o pessoal na hora do incêndio e ajudar.”

Apesar da capacitação, Silva alerta que, quando o fogo é muito grande, não há o que fazer. “Os incêndios daqui, não é incêndio de acidente, é tudo criminoso. Então, quando alguém vai ver, não dá mais para apagar, não. A intenção do cara é pôr fogo.”

CPI dos Incêndios cancelou sessões e setor imobiliário financiou integrantes

A recorrência de incêndios em favelas em São Paulo levou a Câmara Municipal a instalar, em abril, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar as ocorrências. A comissão, no entanto, cancelou a maioria das sessões e não colheu nenhum depoimento. O UOL constatou que os seis integrantes da CPI receberam mais de R$ 700 mil em doações de empresas ligadas ao ramo da construção durante as eleições municipais de 2008 e 2012.

Ele reclama da demora da prefeitura em finalizar a implementação do Previn no Moinho, sobretudo com o envio de roupas e equipamentos. “Esse projeto já tem muito tempo, mas eles começaram a fazer alguma coisa agora, depois de um ano. Está faltando mangueira, roupa, extintor. Foi prometido, a gente está esperando”, diz.

A respeito da falta de equipamentos na comunidade, a prefeitura informou que a licitação para aquisição destes já foi realizada, mas é preciso aguardar os tramites finais da compra.

Falha na favela-piloto

A ausência de estrutura do Previn também é sentida na comunidade do Piolho, no Campo Belo, primeira a receber o programa, em 2011. Na favela, dominada por barracos de madeira facilmente inflamáveis, um hidrante foi instalado, um pouco afastado das moradias. Os equipamentos demoraram a chegar. Um escadão para facilitar o acesso começou a ser construído, mas as obras foram interrompidas.

Então, veio o incêndio de setembro deste ano, que destruiu centenas de barracos e deixou 1.140 desabrigados. “Se a Prefeitura tivesse agido em 2006 [quando houve outro grande incêndio no Piolho], não tinha acontecido o mesmo em 2012. Dava tempo de fazer um predinho, e até gastava menos”, diz Leonice de Souza, 29, moradora do local.

Segundo ela, o hidrante demorou cerca de meia hora para entrar em ação no dia do fogo, pois estava “meio cheio de sujeira”. “Ninguém faz a manutenção do hidrante. Além disso, fiquei sabendo que existiam esses zeladores só depois do incêndio. E o escadão, por que não deram andamento?”, questiona.

Um dos motivos para a falta de informação dos próprios moradores com relação aos zeladores do Previn está na ausência de roupas ou distintivos que sinalizem que aquela pessoa fez um curso de brigada de incêndio. Gregório da Paz, 59, participou do treinamento e recebe o salário da prefeitura para trabalhar por 6 horas diárias, mas se pergunta a utilidade do que faz.

Paz é morador da favela do Comando, vizinha ao Piolho e também contemplada pelo Previn. As duas comunidades receberam equipamentos para o combate ao incêndio apenas no dia 26 de outubro, depois que a reportagem do UOL esteve no local. À época, Paz havia declarado ao UOL que a prefeitura havia prometido "tudinho, e nada. Não tem colete, nem uniforme, nem bota, nada. De que adianta? Ficamos só andando para lá e para cá”. Ou seja, a ajuda demorou a chegar.

Crachazinho e diploma

Oito hidrantes foi o acertado entre a Prefeitura e a favela de Vila Prudente, na zona leste. Até agora, só dois foram instalados, também em locais afastados. “Eu andei com eles aqui dentro, nós marcamos os lugares, e não foram colocados”, afirma a moradora Maria das Dores Rodrigues, uma das participantes do curso de brigadista. Assim como as outras comunidades, Vila Prudente não recebeu equipamentos, mangueiras ou extintores.

“E esses dois hidrantes vão apagar o fogo?”, indaga, temerosa.

A moradora ainda reclama que o treinamento só dá autorização para que ela “oriente” os outros moradores em caso de fogo, e também ressalta a ausência de identificação dos brigadistas. “Deram só um crachá pequeno. Nada de uniforme. Aí fica difícil conversar com o pessoal daqui.”

Outra brigadista, Eunice Moreno da Silva, 51, está incerta quanto ao futuro do programa. “O contrato acaba depois de cinco anos. E em que vai dar? Eu acho que não vai dar em nada. Para nós foi bom? Foi, porque, com o curso, aprendemos muitas coisas. Mas tirando isso...”

Ela ainda defende que sejam realizados cursos dentro da comunidade, para a capacitação de mais pessoas, já que poucos sabem da existência dos zeladores. “Estou vendo esse mandato acabar, e o que temos? Um crachazinho e um diploma.” 

Em nota, a prefeitura informou que os equipamentos e uniformes foram entregues à Vila Prudente. Indagada a respeito do assunto, Rodrigues reiterou que não recebeu nada. "Quem recebeu foram duas moradoras da Ilha das Cobras [comunidade próxima à Vila Prudente]. Eles falaram que a gente recebeu, só que não."