Tombados como patrimônio nacional, imóveis históricos do Rio sofrem com degradação e abandono
Há cerca de duas semanas, a Defesa Civil Municipal interditou, pela quarta vez em dois anos, o Asilo São Cornélio, na Glória, zona sul do Rio de Janeiro. No casarão número 6 da rua do Catete, construído em 1862 e tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a fachada da parte lateral caiu, e a frontal está começando a soltar. Por dentro, rachaduras, mofo e vazamentos não comprometem a estrutura. Ainda.
Em um passeio pelo centro e pela zona sul da cidade, é possível encontrar, além do asilo, diversos prédios históricos em degradação. Na maioria, há placas indicando obras (algumas ainda não iniciadas, outras paralisadas).
O casarão da Glória é um exemplo das centenas de imóveis abandonados na cidade. Na entrada do asilo, já não é mais possível ver as esculturas neoclássicas, trazidas pela Missão Francesa.
As peças, avaliadas em R$ 1 milhão, estão sob a guarda da empresa de saúde que aluga o imóvel, depois de terem sido roubadas e, posteriormente, recuperadas pela Polícia Federal, em novembro do ano passado.
“A Santa Casa de Misericórdia, dona do casarão, alugou o asilo para uma empresa de saúde, que queria transformá-lo em um hospital. Eles pagaram o primeiro aluguel e nunca mais fizeram nada. Enquanto a Santa Casa e a empresa brigam na Justiça, o asilo está abandonado. A fachada que segura as placas de mármore, na parte frontal, está começando a soltar. Se essas placas da frente caírem, vão matar um pedestre”, afirmou José Marconi, presidente do Conselho Comunitário da Glória. “Fizemos um levantamento com arquitetos e para recuperar toda a casa: nós precisamos de R$ 14 milhões. Acho que a empresa que “aluga” prefere que o casarão caia, para poderem construir o que quiserem depois.”
O Iphan é o órgão do governo federal responsável por proteger e preservar os patrimônios arquitetônicos do país. Ao tombar um imóvel, o instituto impede que ele desapareça, mantendo-o para as gerações futuras conhecerem o passado histórico do local. Apartir do momento em que é tombado, o bem não pode ser demolido e qualquer obra de manutenção, restauração e reforma tem que ser submetida a análise e aprovação do Iphan.
De acordo com o instituto, no entanto, a responsabilidade dos bens tombados é dos proprietários. Por isso, o asilo, que já foi abrigo de meninas órfãs descendentes de soldados mortos na Guerra do Paraguai, não receberá nenhuma restauração, além de possíveis obras emergenciais para evitar um futuro desabamento.
O Iphan só investe nos bens se for comprovado que o proprietário não tem condições financeiras. “O que não é o caso do asilo”, explicou a assessoria do instituto. A reportagem do UOL foi duas vezes até a Santa Casa procurar a direção, mas ninguém foi encontrado para comentar o caso.
Pelo telefone, o contato também não foi possível, pois o hospital estava com as linhas mudas. “Nós queremos transformar o asilo em umcentro cívico, com atividades culturais e órgãos da prefeitura disponíveis para os moradores do bairro resolverem pequenos problemas”, disse Marconi.
Imóveis históricos degradados
Asilo São Cornélio | Glória | Alugado para uma empresa que pretendia fazer um hospital; obra não foi autorizada. Abandonado há seis anos |
Hospital São Francisco de Assis | Centro | Funciona com 40% de sua capacidade |
Solar dos Abacaxis | Cosme Velho | À venda há dez anos, já foi invadido diversas vezes |
Largo do Boticário | Cosme Velho | Abandonado, tem casas invadidas |
Hotel Bragança | Lapa | As famílias que moravam lá foram expulsas. Está fechado e abandonado |
Antigo Instituto de Eletrotécnica e Escola de Comunicação da UFRJ | Centro | Abandonado há sete anos, já esteve envolvido em projetos para ser o Museu do Carnaval. O Iphan pretende agora que seja o Centro Nacional de Arqueologia |
Antiga Fábrica de Gás | Centro | A prefeitura cedeu para a Microsoft usar as instalações, mas nada foi feito ainda |
Antigo solar do Visconde do Rio Seco | Centro | Tem uma placa do Sebrae informando que as obras serão feitas, mas nada acontece desde 2008 |
Casa de Portinari | Cosme Velho | Está fechada há anos, esperando um acordo entre os donos e a prefeitura para o pagamento de dívidas de IPTU |
Conservação
No Brasil, casas, monumentos e outros bens podem ser tombados por entidades nacionais, estaduais e municipais. Um relatório da Comissão Especial de Patrimônio Cultural da Câmara de Vereadores do Rio, finalizado em dezembro do ano passado, revelou o risco de desabamento em 31 imóveis do município, tombados pelas três esferas governamentais.
“Os prédios ficam anos abandonados, alguém começa uma obra, para, e depois enrola tudo. Existe uma completa falta de interesse dos órgãos competentes em cuidar do patrimônio histórico. O maior exemplo disso é o Hospital São Francisco de Assis, da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Ele é o símbolo da falta de consideração com as políticas de preservação pública”, disse a vereadora Sonia Rabello (PV), presidente da comissão. “Ele é um prédio super hiper público, é escandaloso o abandono.”
Criado pela Princesa Isabel e fundado por D. Pedro II, em 1879, como um asilo para a população pobre da Corte, o prédio foi transformado em hospital, em 1920, e hoje funciona com 40% de sua capacidade.
O São Francisco foi um dos primeiros imóveis tombados pelo Iphan no Rio. Quem passa pela avenida Presidente Vargas, no centro, não acredita que o local é referência no tratamento do HIV no Brasil, responsável pelo atendimento de 20 mil pacientes por mês.
“Ele pode parecer morto por fora, mas está vivo por dentro. Quando o paciente entra no hospital, ele vê outro mundo. Não temos problema estruturais e nem dívidas. Algumas áreas estão desativadas, por conta foi deterioração dos telhados, mas nós vamos começar uma grande restauração do conjunto arquitetônico, em 2013”, afirmou Maria Catarina da Mota, diretora-geral do hospital, que não passa por obras há 40 anos. A próxima está avaliada em R$ 25 milhões. “Muita gente não conhece nosso trabalho, mas nós atendemos desde 1988. As crianças que nasceram com HIV naquela época são adultos hoje e continuam o tratamento conosco”, contou.
Os cuidados
De acordo com o IRPH (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade), órgão criado pela prefeitura, em julho deste ano para substituir a Secretaria de Patrimônio Histórico, há na cidade cerca de 2.000 bens tombados e mais de 9.000 preservados pelo município.
“O centro do Rio é um dos centros urbanos mais antigos das Américas, por isso estamos concentrando nosso esforço nessa região. É muito comum o imóvel ter um inventário de 30 familiares, o que chamamos de cadeia sucessória, ou ser propriedade de entidades religiosas. Eles não têm pressa em equacionar as dívidas, têm um ritmo próprio. É complicado”, disse Washington Fajardo, presidente do IRPH. “Nós estamos com um projeto de Lei na Câmara para flexibilizar o uso de imóveis tombados e preservados. Se aprovado, vai ajudar bastante.”
Para a vereadora Sônia Rabello, além da falta de vontade política e de recursos destinados à conservação do patrimônio da cidade, existe uma nova mentalidade de valorizar a renovação e esquecer o passado histórico.
“A prefeitura destinou uma verba para o MAR (Museu de Arte do Rio), no porto, mas para um prédio e um grupo específicos. Os terrenos da cidade estão se valorizando e existe uma ideologia de que a cidade deve se renovar, com as obras que estão por vir. O Rio é o que é por conta dos símbolos da evolução histórica da cidade”, afirmou. “Desse jeito, nós vamos continuar indo pra Europa ver o antigo, enquanto aqui, viraremos a selva do novo.”
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