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Tombados como patrimônio nacional, imóveis históricos do Rio sofrem com degradação e abandono

Hospital São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em foto de outubro de 2010 - Rafael Andrade/Folhapress
Hospital São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em foto de outubro de 2010 Imagem: Rafael Andrade/Folhapress

Julia Affonso

Do UOL, no Rio de Janeiro

17/12/2012 07h50

Há cerca de duas semanas, a Defesa Civil Municipal interditou, pela quarta vez em dois anos, o Asilo São Cornélio, na Glória, zona sul do Rio de Janeiro. No casarão número 6 da rua do Catete, construído em 1862 e tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a fachada da parte lateral caiu, e a frontal está começando a soltar. Por dentro, rachaduras, mofo e vazamentos não comprometem a estrutura. Ainda. 

Em um passeio pelo centro e pela zona sul da cidade, é possível encontrar, além do asilo, diversos prédios históricos em degradação. Na maioria, há placas indicando obras (algumas ainda não iniciadas, outras paralisadas).

O casarão da Glória é um exemplo das centenas de imóveis abandonados na cidade. Na entrada do asilo, já não é mais possível ver as esculturas neoclássicas, trazidas pela Missão Francesa.

As peças, avaliadas em R$ 1 milhão, estão sob a guarda da empresa de saúde que aluga o imóvel, depois de terem sido roubadas e, posteriormente, recuperadas pela Polícia Federal, em novembro do ano passado.

“A Santa Casa de Misericórdia, dona do casarão, alugou o asilo para uma empresa de saúde, que queria transformá-lo em um hospital. Eles pagaram o primeiro aluguel e nunca mais fizeram nada. Enquanto a Santa Casa e a empresa brigam na Justiça, o asilo está abandonado. A fachada que segura as placas de mármore, na parte frontal, está começando a soltar. Se essas placas da frente caírem, vão matar um pedestre”, afirmou José Marconi, presidente do Conselho Comunitário da Glória. “Fizemos um levantamento com arquitetos e para recuperar toda a casa: nós precisamos de R$ 14 milhões. Acho que a empresa que “aluga” prefere que o casarão caia, para poderem construir o que quiserem depois.”

O Iphan é o órgão do governo federal responsável por proteger e preservar os patrimônios arquitetônicos do país. Ao tombar um imóvel, o instituto impede que ele desapareça, mantendo-o para as gerações futuras conhecerem o passado histórico do local. Apartir do momento em que é tombado, o bem não pode ser demolido e qualquer obra de manutenção, restauração e reforma tem que ser submetida a análise e aprovação do Iphan.

De acordo com o instituto, no entanto, a responsabilidade dos bens tombados é dos proprietários. Por isso, o asilo, que já foi abrigo de meninas órfãs descendentes de soldados mortos na Guerra do Paraguai, não receberá nenhuma restauração, além de possíveis obras emergenciais para evitar um futuro desabamento.

O Iphan só investe nos bens se for comprovado que o proprietário não tem condições financeiras. “O que não é o caso do asilo”, explicou a assessoria do instituto. A reportagem do UOL foi duas vezes até a Santa Casa procurar a direção, mas ninguém foi encontrado para comentar o caso.

Pelo telefone, o contato também não foi possível, pois o hospital estava com as linhas mudas. “Nós queremos transformar o asilo em umcentro cívico, com atividades culturais e órgãos da prefeitura disponíveis para os moradores do bairro resolverem pequenos problemas”, disse Marconi.

Imóveis históricos degradados

Asilo São CornélioGlóriaAlugado para uma empresa que pretendia fazer um hospital; obra não foi autorizada. Abandonado há seis anos
Hospital São Francisco de AssisCentroFunciona com 40% de sua capacidade
Solar dos AbacaxisCosme VelhoÀ venda há dez anos, já foi invadido diversas vezes
Largo do BoticárioCosme VelhoAbandonado, tem casas invadidas
Hotel BragançaLapaAs famílias que moravam lá foram expulsas. Está fechado e abandonado
Antigo Instituto de Eletrotécnica e Escola de Comunicação da UFRJCentroAbandonado há sete anos, já esteve envolvido em projetos para ser o Museu do Carnaval. O Iphan pretende agora que seja o Centro Nacional de Arqueologia
Antiga Fábrica de GásCentroA prefeitura cedeu para a Microsoft usar as instalações, mas nada foi feito ainda
Antigo solar do Visconde do Rio SecoCentroTem uma placa do Sebrae informando que as obras serão feitas, mas nada acontece desde 2008
Casa de PortinariCosme VelhoEstá fechada há anos, esperando um acordo entre os donos e a prefeitura para o pagamento de dívidas de IPTU

Conservação

No Brasil, casas, monumentos e outros bens podem ser tombados por entidades nacionais, estaduais e municipais. Um relatório da Comissão Especial de Patrimônio Cultural da Câmara de Vereadores do Rio, finalizado em dezembro do ano passado, revelou o risco de desabamento em 31 imóveis do município, tombados pelas três esferas governamentais.

“Os prédios ficam anos abandonados, alguém começa uma obra, para, e depois enrola tudo. Existe uma completa falta de interesse dos órgãos competentes em cuidar do patrimônio histórico. O maior exemplo disso é o Hospital São Francisco de Assis, da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Ele é o símbolo da falta de consideração com as políticas de preservação pública”, disse a vereadora Sonia Rabello (PV), presidente da comissão. “Ele é um prédio super hiper público, é escandaloso o abandono.”

Criado pela Princesa Isabel e fundado por D. Pedro II, em 1879, como um asilo para a população pobre da Corte, o prédio foi transformado em hospital, em 1920, e hoje funciona com 40% de sua capacidade.

O São Francisco foi um dos primeiros imóveis tombados pelo Iphan no Rio. Quem passa pela avenida Presidente Vargas, no centro, não acredita que o local é referência no tratamento do HIV no Brasil, responsável pelo atendimento de 20 mil pacientes por mês.

“Ele pode parecer morto por fora, mas está vivo por dentro. Quando o paciente entra no hospital, ele vê outro mundo. Não temos problema estruturais e nem dívidas. Algumas áreas estão desativadas, por conta foi deterioração dos telhados, mas nós vamos começar uma grande restauração do conjunto arquitetônico, em 2013”, afirmou Maria Catarina da Mota, diretora-geral do hospital, que não passa por obras há 40 anos. A próxima está avaliada em R$ 25 milhões. “Muita gente não conhece nosso trabalho, mas nós atendemos desde 1988. As crianças que nasceram com HIV naquela época são adultos hoje e continuam o tratamento conosco”, contou.

Os cuidados

De acordo com o IRPH (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade), órgão criado pela prefeitura, em julho deste ano para substituir a Secretaria de Patrimônio Histórico, há na cidade cerca de 2.000 bens tombados e mais de 9.000 preservados pelo município.

“O centro do Rio é um dos centros urbanos mais antigos das Américas, por isso estamos concentrando nosso esforço nessa região. É muito comum o imóvel ter um inventário de 30 familiares, o que chamamos de cadeia sucessória, ou ser propriedade de entidades religiosas. Eles não têm pressa em equacionar as dívidas, têm um ritmo próprio. É complicado”, disse Washington Fajardo, presidente do IRPH. “Nós estamos com um projeto de Lei na Câmara para flexibilizar o uso de imóveis tombados e preservados. Se aprovado, vai ajudar bastante.”

Para a vereadora Sônia Rabello, além da falta de vontade política e de recursos destinados à conservação do patrimônio da cidade, existe uma nova mentalidade de valorizar a renovação e esquecer o passado histórico.

“A prefeitura destinou uma verba para o MAR (Museu de Arte do Rio), no porto, mas para um prédio e um grupo específicos. Os terrenos da cidade estão se valorizando e existe uma ideologia de que a cidade deve se renovar, com as obras que estão por vir. O Rio é o que é por conta dos símbolos da evolução histórica da cidade”, afirmou. “Desse jeito, nós vamos continuar indo pra Europa ver o antigo, enquanto aqui, viraremos a selva do novo.”