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Sem ar condicionado, escola de teatro mais antiga da América Latina cancela apresentações no Rio

A estrutura da escola é precária, com poças d"água causadas pela chuva em um dos teatros, falta de iluminação e fios soltos - Fabíola Ortiz/UOL
A estrutura da escola é precária, com poças d'água causadas pela chuva em um dos teatros, falta de iluminação e fios soltos Imagem: Fabíola Ortiz/UOL

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio de Janeiro

17/12/2012 10h15

“Eu digo logo, vocês estão sendo alertados: sabem que não tem ar condicionado, o teatro é quente, a cadeira é dura, as fiações elétricas não estão em bom estado, são quase duas horas de espetáculo e a iluminação não é a que desejaríamos. Vocês estão cientes. Já que ficaram, não terão do que rir a partir de agora.” É com este discurso que o ator anuncia o início do espetáculo e avisa ao público que resolveu assistir a uma peça teatral na Escola de Teatro Martins Pena, localizada no centro do Rio de Janeiro, sobre os riscos que corre.

Localizada em pleno centro nervoso do Rio de Janeiro, próximo ao Campo de Santana, a primeira escola de teatro da América Latina, criada em 1908, sofre com os maus tratos e abandono.

Alunos se desdobram para montar espetáculos em meio à precariedade como falta d’água, infiltração nas salas de aula e nos teatros, falta de ventiladores e risco de curto circuito.

Procópio Ferreira, Tereza Rachel, Denise Fraga e Claudia Jimenez, grandes estrelas das artes cênicas, já passaram pela escola, que funciona na casa onde nasceu o Barão de Rio Branco, em 1845, tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional). A construção data do final do século 18, com uma fachada do século 19.

Referência ainda hoje na formação de novos atores, a escola enfrenta problemas estruturais que afetam a qualidade de ensino e ainda põem em risco a vida de alunos, professores e funcionários.

“Sentimos uma sensação de revolta, é uma escola centenária que tem uma importância histórica e que formou grandes atores. É uma escola pública e que pertence à sociedade. A gente fez uma opção por estar nesta escola pública que hoje está abandonada”, afirmou Louise de Lemos, 24, aluna da Martins Pena que está para graduar-se no curso de formação de atores. “Um descaso, como se não fosse importante.”

O UOL esteve  na escola, no início da noite da última sexta-feira (14), e constatou a precariedade da estrutura, com poças d’água causadas pela chuva em um dos teatros, falta de iluminação, fios soltos e cômodos que deveriam servir de coxia abandonados.

Em conversa com alunos que estavam prestes a se apresentar em um espetáculo, havia um clima de insegurança e tristeza.

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Apresentações canceladas

Todos os anos, as turmas que se formam organizam uma montagem teatral e se apresentam gratuitamente no teatro Armando Costa, no edifício anexo ao lado da casa tombada.

Louise integra o elenco da peça que está em cartaz até 23 de dezembro, “A Vida é Sonho”, escrita por Pedro Calderón de la Barca, dramaturgo espanhol do século 17. 

As adversidades derivadas da alta temperatura dentro do teatro Armando Costa, o único em funcionamento na escola, aliadas ao recorrente problema de infraestrutura que a escola já enfrenta, obrigaram ao grupo de alunos a cancelar dois dias de apresentação nos dias 8 e 9 de dezembro.

Quatro integrantes do elenco sofreram com desidratação e tonturas. Um deles chegou a ter um choque térmico ao ser levado para o único banheiro que ainda tinha água para refrescar-se.

“Quando a gente suspendeu a temporada, não foi só uma questão de protesto, mas foi também de saúde. Mais de uma pessoa saiu passando mal com sintoma de desidratação. Um dos atores entrou no chuveiro e teve uma tremedeira”, relatou Louise ainda assustada com o acontecido. “Nesse dia, não tinha água nos banheiros, o único banheiro que tinha um restinho de água era o da direção, que é o menos usado.”

O elenco, formado por 17 atores, está em cartaz neste mês sem perspectiva de melhoras. Os atores resolveram manter as apresentações neste fim de semana pela temperatura que deu uma amenizada no Rio de Janeiro e pelo compromisso que têm com a formatura. Apesar de a falta de condições, o público na noite de sexta (14) somou cerca de 30 espectadores.

“O público sofreu”

Em meio a falas do texto originais, alunos inseriam como forma de protesto diálogos em tom de crítica ao estado da escola. “Uma verba de R$ 1.400 por mês para uma escola de teatro, como o senhor explica isso? Uma pessoa não consegue viver com este valor”, questiona um dos atores em cena em meio a passagens da tragédia de La Barca.

A difícil tarefa de montar um espetáculo e formar atores em um cenário precário é admitido pelo próprio diretor, Marcos Henrique Rego, professor há 12 anos na escola.

“A gente tem sofrido horrores no verão. Nenhuma sala tem ar condicionado e poucas têm ventilador. São os alunos e professores que estão levando ventiladores”, disse o diretor da peça. “O calor é insuportável. Na última semana, eu fiquei na coxia dando água para os atores.”

O espetáculo do dia 7 de dezembro foi o pior da temporada, reconheceu Rego, lembrando que o público de 60 pessoas lotou o pequeno teatro. “A sala era sufocante e estava absurdamente quente. Quando acabou o espetáculo, os atores estavam exaustos e o público sofreu muito.”

Segundo Rego, para aguentar tantas dificuldades, só a paixão pela arte. “Os alunos e professores brigam pela escola. É um desrespeito à memória desse país que a escola passe por um descaso desse. Ela é um patrimônio da população”, lamentou Rego.

A escola conta com dois teatros, o Luiz Peixoto, construído em 1957, que não tem forro, e quando chove tem goteiras sérias, segundo Rego. “Se chove muito, o teatro fica inundado e não dá para usar. O palco italiano de madeira está perigoso, foi inutilizado, pois cedeu na última sexta-feira [7]”.

Já o teatro Armando Costa foi construído em 1985, na gestão de José Wilker, e é utilizado pelos alunos. “Nunca foi, de fato, equipado. Faltam refletores, a parte elétrica é velha e pode ocasionar um curto”, afirmou o diretor da peça.

Alunos e professores cobram melhorias

A escola técnica de Teatro Martins Pena está ligada à Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), vinculada à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia.

Em uma mobilização coletiva, um grupo de alunos e o diretor da escola, Roberto Lima, se encontraram, nesta segunda-feira (10), com representantes da Faetec para cobrar melhorias.

“A gente tomou a decisão coletiva de não fazer o espetáculo pelas duas noites seguintes e ir à Faetec para pedir uma solução. Há meses a gente vem reclamando da instalação do ar condicionado. Na visita que fizemos, o engenheiro e a coordenadora da Faetec disseram que a instalação elétrica já foi feita no prédio anexo, que não é tombado, e deram a previsão de um mês para colocar os aparelhos”, relatou Alessandra Barbagallo, 26, uma das alunas da escola. “Então foi pedida uma solução provisória, com ventiladores portáteis, e a resposta foi que não havia verba. É algo simples, que até os alunos conseguem instalar por conta própria.”

O diretor da escola, Roberto Lima, confirmou a promessa de que haveria a instalação dos equipamentos em um prazo de 30 dias. “Todo semestre, uma turma de alunos se forma e precisamos resolver isso. Não tem ar condicionado para atender o trabalho deles, e o público também é afetado. Que pena que esse calor ainda precisa ser vivido”, admitiu Lima.

  • Fabíola Ortiz/UOL

    A escola sofre com os maus tratos e abandono

Segundo relato de alunos e ainda não confirmado pela assessoria da Faetec, a escola, que conta com cerca de 200 alunos e 30 professores, é a unidade que recebe a menor verba da rede.

Projeto de restauração

Sem divulgar prazos ou valores, a assessoria de imprensa da Faetec informou, por meio de nota, que já existe um projeto de restauração solicitado pela própria engenharia da escola, e que está “em processo de análise”.

“Toda e qualquer obra na unidade deve respeitar as regras estabelecidas pelo Iphan, levando em consideração os anos de construção e viabilidades técnicas. Algumas providências já foram tomadas com relação ao ar condicionado, como a adequação da carga elétrica, a compra do forro para suporte de climatização e o estudo técnico da construção”, informou a nota.

A assessoria destacou ainda que, neste momento, o pedido aguarda a licitação para a realização das obras.

Contactado pelo UOL, o Iphan informou que o casarão onde nasceu o Barão de Rio Branco é tombado pelo instituto, mas que a  “responsabilidade pela preservação dos bens tombados é de seus proprietários”.

Cabe ao Iphan “efetuar, com recursos públicos, obras somente de natureza emergencial, mesmo assim quando da comprovada impossibilidade de vir o proprietário a arcar com os custos”.

As obras emergenciais não incluem acabamento e consistem apenas em escoramento, saneamento de infiltrações e parte elétrica, informou a assessoria do Iphan.