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MP oferece denúncia contra oito pessoas em caso da boate Kiss

Lucas Azevedo

Do UOL, em Porto Alegre*

02/04/2013 15h01Atualizada em 02/04/2013 22h55

O Ministério Publico de Santa Maria denunciou, nesta terça-feira (2), oito pessoas pelo incêndio na boate Kiss. Na tragédia, ocorrida em 27 de janeiro, morreram 241 pessoas e outras dezenas ficaram feridas. Os promotores aceitaram parte dos indiciamentos feitos pela Policia Civil, que responsabilizou 28 pessoas no caso.

O juiz da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, Ulysses Fonseca Louzada, irá se manifestar nesta quarta-feira (3). O magistrado anunciará se aceita ou não a denúncia dos promotores.

Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, sócios da boate, e Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, integrantes da banda Gurizada Fandangueira, foram denunciados por homicídio doloso qualificado.

Os qualificadores, segundo o MP, são a asfixia e o motivo torpe. "Não havia qualquer outra intenção dos proprietários do que o fim arrecadatório, o que para nos significa torpe", afirmou o promotor Joel Dutra, ressaltando também a indicação nessa qualificação aos membros da banda. "Utilizaram aquele fogo de artificio inadequado por ser o mais barato."

O promotor David Medina descreveu o porquê do homicídio doloso qualificado. "Estamos trabalhando claramente com a figura do dolo eventual, que não exige premeditação. Basta a pessoa ser indiferente à vida das outras."

Duas pessoas foram denunciadas por fraude processual: os bombeiros Gerson da Rosa Pereira e Renan Severo Berleze.

"Havia fogo em um local em que o uso era completamente inapropriado para qualquer tipo de fogo. Além disso, era um fogo de artifício inadequado para ambientes internos, como dizia na embalagem. E tanto é que os responsáveis sabiam do risco de queima, que usaram luvas para acender. A Kiss era um labirinto. Além de superlotado, era impossível sair caso acontecesse qualquer problema. Havia barras, pessoas despreparadas para qualquer emergência e uma ordem genérica para que os seguranças não deixassem sair qualquer pessoa sem pagar a conta", declarou Medina.

"Eles começaram a dar entrevistas de que a capacidade da boate era de mil pessoas. Posteriormente, suas declarações começaram a ser de 691 pessoas. Essa mudança se deu porque uma engenheira havia afirmado em documento entregue à prefeitura. Um dos bombeiros foi à casa da engenheira, buscou esse documento e autenticou como se estivesse dentro do plano de prevenção de incêndio da Kiss, como se ele sempre tivesse dentro da pasta."

Os promotores fizeram uma mudança de qualificação de homicídio doloso (quando há intenção de matar) para culposo (sem intenção) nos casos dos bombeiros Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães Coelho, que vistoriaram a boate. O caso, agora, será remetido à Justiça Militar.

Números da tragédia

  • 241 mortes

     

  • 623 feridos

     

  • 864 pessoas na boate

     

  • 3h17

    (hora do incêndio)

     

    Outras duas pessoas foram denunciadas por falso testemunho: o contador Volmir Astor Panzer e o ex-sócio da Kiss Elton Cristiano Uroda, que não constava no inquérito policial. Para os promotores, eles tentaram afastar a responsabilidade de um dos sócios, que desde 2009 aparece como sócio oculto.

    "O sócio era o pai do Elissandro, que aportava recursos [no negócio]. O Elton era um laranja.

    Os promotores solicitarão à polícia novas investigações sobre o envolvimento de quatro pessoas: Ângela Aurelia Callegaro (irmã de Kiko, proprietária da boate no papel), Marlene Teresinha Callegaro (mãe de Kiko, proprietária da boate no papel), Miguel Caetano Passini (secretário de Mobilidade Urbana) e Beloyannes Orengo de Pietro Júnior (chefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade Urbana).

    O MP também solicitou três arquivamentos: o de Ricardo de Castro Pasche (gerente da Kiss), Luiz Alberto Carvalho Junior (secretário do Meio Ambiente de Santa Maria) e Marcus Vinicius Bittencourt Biermann (funcionário da Secretaria de Finanças que emitiu o alvará de localização da Kiss).

    Delegado diz que divergência entre polícia e MP é "normal"

    O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, recebeu a denúncia do MP com “naturalidade”. Segundo ele, a instrução processual é muito mais complexa que o inquérito policial – por isso houve, segundo ele, tantas divergências entre indiciamentos e denúncia.

    “A denúncia requer materialidade, instrução e outros critérios técnicos. O indiciamento,ao contrário, se baseia apenas em evidências. É normal [a divergência]”, disse o delegado, que coordenou a investigação.

    Segundo Arigony, a polícia vai continuar investigando as causas e responsabilidades do incêndio para instruir novas denúncias que possam ser concretizadas pela promotoria.

    Advogado de Spohr diz que há "incongruência" entre MP e polícia

    O advogado do empresário Elissandro Spohr, Jader Marques, fez severas críticas à denúncia apresentada pelo Ministério Público e disse que há uma forte “incongruência institucional” entre polícia e promotoria. Segundo Marques, o Ministério Público está sendo corporativo ao excluir da denúncia servidores públicos apontados como responsáveis pela tragédia na investigação policial.

    “A denúncia demonstra incongruência institucional porque o raciocínio de um não vale para o outro. Quando a promotoria exclui [da denúncia] os agentes da prefeitura e dos bombeiros, está de certa forma fazendo a defesa do seu ponto de vista institucional e iniciando a defesa de colegas, já que todos são servidores públicos”, criticou o advogado. Segundo ele, a denúncia criou uma "situação praticamente insustentável" entre polícia e promotoria.

    Marques também questionou a denúncia sem uma definição sobre a responsabilidade da própria promotoria na tragédia. “Como é possível acusar o Elissandro Spohr fora do Termo de Ajustamento de Conduta [exigido pelo Ministério Público]? Por que a janelas da boate foram fechadas? Porque ordem, não por recomendação, do MP. Por que foi colocada a espuma? Também por ordem do MP”, disse Marques.

    "Posso resumir [a denúncia do MP] em uma palavra: inaceitável. O MP fez uma denúncia de ocasião, despropositada. Ainda não consegui ver tecnicamente a participação do Mauro. E tenho certeza de que o poder judiciário vai entender isso e recolocar as coisas nos seus devidos lugares, de onde elas nunca deveriam ter saído", criticou o advogado de Mauro Hoffmann, sócio da Kiss, Mário Cipriani.

    (colaborou Flavio Ilha, em Porto Alegre)