Topo

Sapateiro aposentado mantém a única coleção de máquinas de costura do país

Sapateiro aposentado Ângelo Spricigo, 98 (em primeiro plano), fundou e dirige desde 1998 o único museu brasileiro de máquinas de costura - Reprodução/Facebook
Sapateiro aposentado Ângelo Spricigo, 98 (em primeiro plano), fundou e dirige desde 1998 o único museu brasileiro de máquinas de costura Imagem: Reprodução/Facebook

Renan Antunes de Oliveira

Do UOL, em Florianópolis

01/06/2013 06h00

O sapateiro aposentado Ângelo Spricigo, 98, fundou e dirige desde 1998 o único museu brasileiro de máquinas de costura, em Concórdia (500 km de Florianópolis). Lá, ele exibe aos visitantes 900 delas, de dezenas de marcas --todas azeitadas, limpas, funcionando e catalogadas. Sua meta é chegar a mil exemplares.

A família quer que a obra dele seja reconhecida pelo livro Guinness de recordes como a maior coleção particular do mundo. A filial brasileira da multinacional Singer já atestou que ninguém tem tantas máquinas de costura quanto ele no planeta.

Vô Ângelo, como é conhecido, é filho de imigrantes italianos muito pobres. Nasceu em Urussanga (200 km de Florianópolis). Trabalhou 20 anos como sapateiro, criando oito filhos.

Nos anos 50, ele se mudou com a família para Concórdia e tentou uma nova profissão. Trabalhou um ano de graça até aprender todos os segredos da construção civil. Passou então a comprar terrenos baratos e construir prédios. Tornou-se milionário.

  • Reprodução/Facebook

    Ângelo Spricigo, 98, ao lado de suas máquinas de costura

Perto de fazer 60 anos foi atropelado por um caminhão. Perdeu um olho. Sempre ativo, mudou de ramo. Passou a ser pianista, regente de banda e cantor de cantinas italianas.

Aos 82 anos perdeu a mulher, dona Maria, companheira por 60 anos. Ela deixou em casa duas máquinas de costuras. Incansável, passou a consertá-las. Depois da megaenchente de 1998, um funcionário da prefeitura encontrou entre os detritos uma máquina enferrujada --ela foi parar na casa do vô Ângelo. E foi consertada.

A fama de consertador dele se espalhou e começaram a chegar máquinas de tudo quanto é canto, a maioria doadas. Também apareceu gente vendendo. "Eu pagava no máximo R$ 10", afirmou.

A coleção cresceu tanto em 15 anos que precisou de um prédio próprio. Ele então construiu um porão para acomodar o acervo. Nos fundos, fez uma pequena oficina para consertos, onde trabalha nas máquinas dez horas por dia.

Hoje, o ex-sapateiro tem 900 máquinas no porão, sede oficial do Museu Ângelo Spricigo, construído e mantido com o dinheiro dele mesmo.

"Quero chegar a mil", afirma. A obra é reconhecida como patrimônio cultural de Santa Catarina pela prefeitura local e pelo Estado, com entrada franca --qualquer um em Concórdia sabe o endereço.

De onde veio a paixão por máquinas de costura? "Não tinha nenhuma razão para isso, só que aconteceu assim", é a singela explicação que ele dá para sua coleção.

Visitação

Aos poucos, ela começou a atrair visitantes. Ali estão marcas famosas e desconhecidas, novas e antigas: Singer, Elgin, Crosley, Universal, Japoneza, Muller, Feather, Brother, Hexagon, Phillips, Vigorelli, Olympia, Gritzmeyer, Buck etc. "Tenho 60 que não têm jeito, tô esperando que apareçam peças pra ver se conserto."

O neto Valdecir Giotto ajuda fazendo o site do museu - uma coisa nova demais para o avô. A participação dele no Facebook é apenas de posar para fotos com os visitantes do museu. Ele gosta mesmo é de passar o tempo manuseando as máquinas.

Os Spricigo se tornaram advogados, médicos, engenheiros, administradores, netos e bisnetos estão bem de vida: "Tudo o que a gente faz deve ser para a família", afirma.

A rotina do vô Ângelo, que mora sozinho, é acordar cedo, tomar seu café e ir para a oficina das máquinas. Lúcido e com boa saúde, quando sai às ruas é tratado com carinho pelos vizinhos.

Se vai num restaurante, o pessoal pede para tirar fotos com ele. Muitas vezes ele dá canja, cantando velhas canções italianas que aprendeu com a mãe. Sua festa de aniversário de 98 anos, em abril, teve colaboração da padaria e do supermercado da cidade, todos se associando à simpática figura.

Vô Ângelo é um empreendedor incansável. Tudo o que faz dá certo. Um exemplo: há mais ou menos 20 anos ele bolou um clube para os velhinhos de Concórdia. Comprou o terreno e levantou o prédio, com mais 20 sócios. Hoje o Clube dos Veteranos é uma instituição superconhecida na cidade. Ele só lamenta que "todos os companheiros antigos já morreram, sobrou eu e mais um".

O repórter pergunta quais são os planos dele para o futuro, depois da máquina número mil? "Ah, não penso muito nisso, apenas vou tocando."