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Idealizador de acampamento na rua de Cabral e se diz ameaçado e abandona local

Grupo de manifestantes continua acampado próximo à residência de Sérgio Cabral - Marcelo Sayão/EFE
Grupo de manifestantes continua acampado próximo à residência de Sérgio Cabral Imagem: Marcelo Sayão/EFE

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

24/06/2013 22h28

Um dos idealizadores do “Ocupe Delfim Moreira”, como está sendo chamado o acampamento de manifestantes de parte da rua onde mora o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), no Leblon, zona sul da capital fluminense, anunciou nesta segunda-feira (24) que resolveu deixar o movimento por "motivos de segurança", depois de ter sido ameaçado. A ocupação começou na noite da última sexta-feira (21).

Pedro Casarin publicou um relato dos dias em que passou acampado na frente da casa do governador em uma rede social e intitulou o texto de "Ditadura velada". Ele pediu que a mensagem fosse compartilhada.

"Galera, nesses últimos três dias, eu vivenciei umas das coisas mais bonitas da minha vida, mas também senti uma sensação de insegurança como nunca senti antes, nem mesmo quando fui assaltado", escreveu. "Quando tive a idéia de criar o Ocupe Delfim Moreira, de uma forma muito espontânea e passional, não imaginava que fosse tomar uma proporção tão grande e foi ótimo isso. Mas infelizmente ou felizmente, as coisas nem sempre saem como planejado."

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A ameaça, de acordo com Pedro, ocorreu no domingo (23). "Eu recebi uma ameaça de morte à tarde, quando um cara (infiltrado) me falou, como se tivesse me dando um conselho, sem ser num tom ameaçador, gritando, que eu estava me envolvendo com pessoas muito poderosas e que tinha muita grana envolvida, e que era pra eu tomar muito cuidado, porque eu poderia perder minha vida", contou o ativista.

"Fiquei meio atordoado, foi rápido, não deu nem tempo de argumentar, o cara foi saindo. Não contei para ninguém, mas fiquei com aquilo na cabeça. À noite, dois caras muito esquisitos que eu sei que trabalhavam pro Cabral ficaram me encarando direto, depois um fotógrafo tirou uma foto minha sozinho quando eu estava meio distante do grupo, percebi e perguntei qual era a mídia, ele me disse que era 'freelancer', mais esquisito ainda", continuou Pedro.

Segundo ele, a "gota d'água" foi quando a mãe, que também estava no protesto naquele momento, foi abordada por um homem que a alertou sobre os cuidados que o filho teria que ter a partir daquele momento, porque "estava se expondo muito" e "corria sérios riscos".

Casarin disse que refletiu muito antes de anunciar a decisão, mas não sentia segurança para permanecer no movimento que ajudou a criar. "Me senti extremamente inseguro ontem, com medo, uma sensação de que a qualquer hora dali pra frente poderia acontecer algo comigo", contou.

Ele ainda chamou o governador Sérgio Cabral de "corrupto" e "bandido". "É lógico que eu sabia que estava me envolvendo com pessoas perigosas, que tinha muita grana na jogada e tal, mas ser ameaçado pessoalmente, tirarem foto minha sozinho, caras estranhos me olhando o tempo todo, até minha mãe foi envolvida já. Sérgio Cabral não é só corrupto, ele tem ligações com a milícia, é bandido e eu não tenho partido, não sou um militante oficial, nem conhecido politicamente na mídia pra ter uma proteção", afirmou. "A gente está vivendo uma ditadura velada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, sabia que o buraco era fundo, bem fundo, mas ele é mais embaixo ainda do que eu pensava."

Ao contrário do que aconteceu em outras manifestações na cidade na semana passada, Pedro afirma que o relacionamento dos manifestantes do Ocupe Delfim Moreira com os policiais militares que estavam no local foi completamente pacífico.

"Foi criado um clima super amistoso com a PM (diferentemente do tratamento covarde que a Tropa de Choque nos deu na quinta, no Centro e na Lapa). Entendemos o lado deles, eles super entenderam o nosso e não teve uma confusão, até piada um PM me contou. Sei que estava no Leblon também, o que é bem diferente do Centro ou de qualquer outro lugar do Rio”, disse. “Mas acho que no fundo grande parte dos policiais militares apoiam a gente, dava pra ver nos olhos deles quando tentávamos convencê-los a mudar de lado, no entanto, são reprimidos, não podem nem fazer greve, porque no militarismo ela é tida como motim, é ilegal, e eles são prejudicados na hora."

Procurada pelo UOL, a assessoria do governo do Estado informouque não tinha como contactar o governador e pediu que a reportagem voltasse a procurá-la na terca-feira (25).

Pautas do movimento

No texto, o ativista também destacou as pautas do movimento, segundo ele, bem claras, "apesar de boa parte da mídia não divulgar direito". "A reabertura da investigação do caso da Delta Construções (do empresário Fernando Cavendish); uma audiência para investigar os gastos excessivos na obra do Maracanã (orçado em R$ 500 milhões, mas que custou mais de R$ 1 bilhão e 500 milhões) e uma explicação da relação que a mulher do Cabral tem com os grandes empresários do setor de transporte público (já que ela é advogada de empresas como Metrô Rio e SuperVia, ambas por concessão, o que seria ilegal)", listou.

Pedro ainda avaliou a reação da população ao movimento. "(Estávamos) acampando, protestando pacificamente, cantando, recebendo apoio da imensa maioria do povo que passava. Toda hora chegava alguém dando incentivo, nos parabenizando pela iniciativa e perguntando se estava tudo bem, se queríamos alguma coisa. Recebemos doações espontâneas de água, mate, sucos, refrigerantes, pães, frios, frutas, sanduíches, café, cadeiras de praia, cartazes, cobertores, enfim, dividíamos tudo, parecia uma comunidade, uma grande família, muitíssimo obrigado a todos que doaram, foi muito útil."

Acampamento

Cerca de 30 pessoas, no entanto, continuavam acampadas perto da casa do governador Sérgio Cabral (PMDB), no Leblon, zona sul do Rio, na noite desta segunda.

O grupo se reveza no local desde sexta-feira (21), e nesta segunda ocupava cinco barracas montadas na rua Aristides Espínola. Cerca de 20 policiais observavam o ato, e a rua permanecia interditada. Um emissário do governo, que negocia a saída do grupo, afirmou que a polícia não vai retirá-los, embora moradores do bairro peçam que a via seja liberada.

Manifestantes dizem que só vão sair se forem recebidos pelo governador em audiência para discutir política de transportes e gastos com a Copa do Mundo. O governador não dormiu em casa no fim de semana.