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Homem faz "banheiros do papa" em Guaratiba e perde R$ 10 mil sem Francisco

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

28/07/2013 06h00

Aos moldes do filme uruguaio “O Banheiro do Papa” (2007), que conta a história de um contrabandista que gastou todas as suas economias na construção de um banheiro para receber os peregrinos que passariam pelo pequeno vilarejo de Melo, na fronteira do país com o Brasil, por conta da visita do papa João Paulo 2º, o marmoreiro Rodrigo Silva empenhou R$ 10 mil para erguer 12 toaletes ao lado da sua casa, localizada em frente ao Campus Fidei.

  • Divulgação

    Cena do filme "O Banheiro do Papa", no qual rapaz pobre da fronteira entre Brasil e Uruguai vê uma grande oportunidade de negócios quando o papa vai visitar sua cidade: construir banheiros provisórios para serem usados pela massa que acorrerá ao local

O local, antes um manguezal coberto de mato, havia sido escolhido pela organização da Jornada Mundial da Juventude para receber a vigília e a missa de encerramento do evento, que aconteceriam neste sábado (27) e domingo (28), mas foi abandonado por causa da forte chuva que caiu sobre o Rio durante toda a semana, transformando o que deveria ser um local aterrado em um grande lamaçal.

 “E ainda tenho que pagar os pedreiros segunda-feira”, lamenta Rodrigo, que como o personagem Beto, do filme dos diretores Enrique Fernandez e Cesar Charlone, viu os lucros da visita papal evaporarem sem deixar vestígios.

A Jornada prometia levar cerca de 2 milhões de pessoas a Guaratiba, bairro pobre e quase rural localizado a cerca de 60 quilômetros do centro, nas franjas da cidade, e chegou a ser comparada pela prefeitura à organização de duas festas de ano novo e um Natal, tamanha a sua grandiosidade.

Ao perceber as possibilidades trazidas pela multidão, o produtor de eventos Juracy Santana investiu ainda mais alto que Rodrigo. Com mais cinco sócios, comprou seis caminhões de refrigerante, água e afins, alugou 16 pontos de venda e contratou quase cem pessoas para trabalharem na força-tarefa que receber toda essa gente exigiria.

Na quinta-feira (25) de manhã, quando o rumor de que a vigília seria transferida para Copacabana tomou força –a possibilidade era ventilada desde o começo da semana devido à chuva, que deu trégua apenas no sábado (27)--, Juracy preferiu não acreditar e orientou que todos seguissem trabalhando. “Ninguém cancela um evento desse porte com menos de 24 horas de antecedência”, afirmou.

Pirata ou oficial, souvenir veste fiel dos pés à cabeça

O plano era abrir as portas na sexta (26), às 12h. Às 15h de quinta, quando o prefeito Eduardo Paes fez o anúncio oficial do cancelamento em uma coletiva no Centro do Operações, não havia mais o que fazer.

“Foram R$ 67 mil no lixo”, conta. Um dos sócios chegou a vender o carro, um Fiesta, para entrar na empreitada. “Era o tipo de negócio que não tinha como dar errado. Nos prometeram que o mundo estaria com os olhos em Guaratiba, que a visita do papa iria mudar tudo. E agora?”

Dona do restaurante Hi Deu Certo, quase ao lado da casa de Rodrigo, Leila Santos de Oliveira tinha 3.000 quentinhas encomendadas. “Quando o pessoal da obra começou a almoçar aqui e comentar que o palco estava cedendo, vi que não tinha mais jeito”, disse.

Sem papa nem peregrinos e com o serviço cancelado, a solução foi doar os 800 frangos congelados que havia comprado para os vizinhos e torcer para tirar parte do prejuízo na venda dos refrigerantes que estocou pensando na multidão com sede. “O chão de todo mundo caiu.”

“Não tinha como dar certo”

O terreno, que ainda guarda quase toda a estrutura montada para a vigília, virou atração no bairro. Várias pessoas param para bater fotos do que restou das construções. Entre a lama e a água que tomaram conta do espaço, destaca-se o palco, com uma enorme cruz no meio, e o sem fim de tendas que iriam abrigar praças de alimentação e igrejas.

Os vizinhos do Campus Fidei, no entanto, já desconfiavam há tempos que a Jornada teria problemas. Há 15 anos no local, o técnico de aquecimento João Medeiros, que tem um pequeno sítio coberto de árvores frutíferas ao lado do terreno, diz que foi acusado de pessimismo pela mulher ao comentar, ainda quando começaram as obras, que não daria certo.

 “Eu sabia, não tinha como. Mataram o manguezal e não escoaram a água. Eu e meus filhos tirávamos caranguejos de balde daí, para aterrar precisava muito mais trabalho”, afirma. Ele conta que passou dois anos ouvindo helicópteros e vendo caminhões entrarem e saírem da área na terraplanagem, mas não viu fazerem valas que levassem a água em direção ao córrego que corre perto do terreno.

Os próprios operários, que hoje guardam as instalações do campus e ajudam no deslocamento de parte do equipamento, dizem que não havia como fazer a vigília ali. “Se você caminhar um pouco para frente, a água bate no joelho. E o que não é água é lama. Isso precisava de pelo menos mais um mês de trabalho”, afirma uma operária que guardava uma das entradas do Campus e preferiu não se identificar.

Perto de zero

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, deu uma "nota perto de zero" para a organização da Jornada, que entre outras coisas, não previu a chuva. A Jornada diz que o terreno em Guaratiba "foi preparado com carinho, seguindo as normas legais", e que a chuva que inviabilizou o local não costuma acontecer "regularmente nesta época".

A quantia gasta no evento será "informada posteriormente", segundo o texto. A Jornada Mundial da Juventude é considerada um grande teste para o Rio de Janeiro, que irá sediar partidas da Copa do Mundo em menos de um ano, e os Jogos Olímpicos de 2016.