Muçulmanos contam como celebram o Ramadã; jejuar exige "treino"
Quando a quarta oração do dia termina, os fiéis presentes na mesquita fazem fila para receber uma tâmara e um copo de água. O sol já se pôs lá fora, e os muçulmanos podem então quebrar o jejum de mais de 12 horas, iniciado por volta das 5h30.
É assim que terminam todos os dias do Ramadã, o mês sagrado para o islamismo, na Mesquita Brasil, a primeira do país, inaugurada em 1952 em São Paulo. A oração do crepúsculo, chamada de "maghrib", é seguida por um jantar coletivo oferecido na própria mesquita.
O jejum durante o Ramadã é um dos cinco pilares do islã: os muçulmanos não podem comer, beber (inclusive água) ou ter relações sexuais entre o nascer e o pôr do sol. Mulheres grávidas ou em fase de amamentação, crianças de até 14 anos, idosos e doentes não são obrigados a jejuar.
O libanês naturalizado brasileiro Mohamad Ali El Malat, 62, tesoureiro da Mesquita Brasil, conta que “não é fácil” jejuar os 30 dias do Ramadã e que a prática exige treino. “É difícil, não é fácil. Mas, para quem quer realmente fazer, torna-se fácil. Tem que treinar. Um mês antes do Ramadã, por exemplo”, disse, sugerindo que o fiel jejue durante um período do dia ou faça menos refeições. “No começo tudo é difícil. Nos primeiros dois, três dias, o estômago começa a pedir comida”, conta, rindo.
Passar fome não é fácil, mas esse é um dos objetivos do jejum do Ramadã. Para os muçulmanos, é importante sentir a fome que sentem aqueles que não têm o que comer.
“O jejum faz o rico sentir a situação e a necessidade do pobre. E, quando sente realmente, é que é capaz de ajudar e fazer caridade”, afirma o xeque Abdelhamed Metwally, egípcio que vive há seis anos no Brasil. “O jejum nos ensina a ter paciência. Está com fome, tem comida na frente, mas não come. A força de vontade cresce no mês do Ramadã. Quem faz jejum não se sente fraco diante das adversidades. A pessoa se fortalece”, continua o xeque.
O Ramadã também é um mês de purificação, de caridade e de renovação da fé e dos valores da família. Para os muçulmanos, mais que trazer benefícios para o organismo, o jejum faz bem ao espírito. Além de não poder comer ou beber entre o alvorecer e o anoitecer, o seguidor do islã não deve pensar, falar ou fazer mal aos outros.
“É também o jejum do espírito, não podemos ser agressivos, fazer mal ao próximo”, afirma Adil Fares, 52, médico cardiologista, frequentador da mesquita. “Deve ser um jejum completo, em todos os sentidos. Temos que preservar a audição, a língua: não falar o que não se deve falar”, completa Mohamad Ali El Malat.
O jantar de quebra do jejum é oferecido gratuitamente durante todo o Ramadã, a partir de doações feitas pelas mulheres da SBM (Sociedade Beneficente Muçulmana), que mantém a mesquita. Na hora da refeição, as mesas dispostas no salão são ocupadas por brasileiros, libaneses, sírios, angolanos e egípcios. Todos juntos.
Para a voluntária e economista Ekram Abou Zid (conhecida na comunidade como Karima), 55, ajudar a organizar o jantar é um trabalho “gratificante”. “Não é só um mês de religião, é um mês de reunião. Mês da união, da fraternidade, de fazer caridade”, conta. A também voluntária Fatme Fares Abbas, 64, completa: “Não é só ajudar os necessitados, os pobres. Mas reunir as famílias, reunir aquele que não quer quebrar o jejum sozinho em casa”.
"Islã é paz"
Embora esses costumes possam soar estranhos para muitos brasileiros, os muçulmanos afirmam que são compreendidos e respeitados por gente de fora da comunidade. “Acham diferente. Não estão acostumados, mas respeitam. Porque a gente também respeita as demais religiões. Damos o respeito para receber o respeito”, afirma Malat.
Além das cinco orações que devem fazer por dia --outro pilar do islã--, os muçulmanos fazem uma sexta oração durante o Ramadã, diariamente por volta das 20h30, chamada de "salat tarawih". Sobre o fato de a rotina de orações ser, muitas vezes, confundida com fanatismo por aqui, a dona de casa Glória Safaid Fares, 40, é categórica: “O islã de fanatismo não tem nada. O islã é paz”.
As celebrações do Ramadã ocorrem no nono mês do calendário muçulmano (lunar), que começa em 622 d.C., com a ida do profeta Maomé de Meca para Medina. Em 2013, o mês sagrado --que representa o período em que o Alcorão foi revelado por Alá ao profeta Maomé-- começou no dia 10 de julho e terminará nesta quinta-feira (8). De acordo com a Mesquita Brasil, o local é frequentado diariamente por cerca de 500 muçulmanos, número que pode chegar a 2.000 em eventos especiais.
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