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No Rio, 60% dos pais em favelas admitem que batem nos filhos, diz estudo

Giuliander Carpes

Do UOL, no Rio

18/09/2013 13h55

Uma pesquisa do Centro de Análises Econômicas e Sociais da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul, realizada em seis comunidades do Estado do Rio de Janeiro, aponta que 60% dos pais admitem que batem nos próprios filhos “com alguma frequência”.

A média, considerada alta pelos pesquisadores, é ainda maior na maioria das comunidades estudadas. Na favela Minha Deusa, em Realengo, zona norte da capital fluminense, 76% dos pais admitem que batem nas crianças em casa.

Vila Cruzeiro (Penha, 67%), Mangueirinha (Duque de Caxias, 66%), Morro dos Macacos (Vila Isabel, 61%), Morro da Formiga (na Tijuca, 58%) e Parque Maré (47%) foram as outras comunidades analisadas.

“A pesquisa mostra que a violência contra as crianças é um sério problema social. É uma situação muito grave, porque vai ocasionar sérias consequências no desenvolvimento do adulto. É necessária a criação de políticas públicas e medidas que possam quebrar o paradigma de que bater nos filhos é educar”, afirma o professor Hermílio dos Santos, coordenador do projeto.

O Projeto Infância e Violência: Cotidiano de Crianças em Favelas entrevistou 1.050 moradores (843 adultos e 207 crianças entre seis e oito anos) nas seis comunidades. A percepção da violência é ainda mais séria do ponto de vista do agredido: 81% das crianças disseram que já sofreram violência ou viram outra ser agredida. 

Ruas escuras

Além das variáveis de renda, formação escolar e condições de habitação, o estudo chegou a conclusões sobre outros aspectos menos clássicos que também influenciariam significativamente neste tipo de violência. Um deles é a iluminação das ruas da favela. 

“A gente não tinha pensado nisso e também não havia encontrado na literatura que em ruas mal iluminadas a tendência é a criança sofrer mais. Essa é uma das grandes demandas, por exemplo, do Morro da Formiga. Se melhorar a iluminação, a tendência é proteger as crianças”, explicou o professor. “Isso mostra que há possibilidade de se propor soluções específicas para cada comunidade. No Brasil, se tende a tratar igualmente todo o território e a população, o que causa uma perda de eficiência das políticas. Este estudo vem sugerir que vale a pena fazer pesquisas localizadas antes de propor intervenções.”

Outro aspecto analisado foram as refeições, que nas comunidades aumentam bastante a chance das crianças sofrerem violência dos pais. Em geral, tomar café da manhã com a família, por exemplo, aumenta em três vezes a possibilidade dos filhos apanharem, segundo o estudo. Só que a probabilidade varia de uma favela para outra. "No Morro dos Macacos, o risco é 199 vezes maior", afirma o professor Hermílio.

O estudo também chegou à conclusão de que casas com mais crianças e com um número menor de cômodos tendem a favorecer a violência. Os filhos que mais sofrem são os que têm até dois anos de idade. No Morro da Formiga, por exemplo, 25% deles chegam a apanhar “muitas vezes”, enquanto esta média cai para 0,9% no caso de crianças com mais de oito anos. 

“Isso mostra a necessidade de um acompanhamento pré-natal. Porque se as crianças com dois anos são as que mais sofrem, muito provavelmente esta violência começou bem antes até do nascimento”, diz Hermílio.

Um dado que vai ao encontro desta situação é que mães mais jovens e com menor formação escolar são as que mais agridem seus filhos. No total, apenas 29% das mães afirmaram que “nunca” bateram em suas crianças. 

Se forem considerados apenas os números de mães que admitem bater nos filhos, eles são ainda mais expressivos. Na favela Minha Deusa, 87% costumam agredir as crianças em casa - 77% na Vila Cruzeiro, 75% na Mangueirinha, 73% no Morro dos Macacos, 65% no Morro da Formiga e 51% no Parque Maré.

O projeto foi realizado com apoio do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Cidade (Central) da PUC-Rio, para a coleta dos dados, e financiamento da Fundação Bernard van Leer.

Uma equipe multidisciplinar das áreas de sociologia, economia, psicologia, ciência política e urbanismo iniciou  as entrevistas e os levantamentos em julho de 2012. Os primeiros resultados estão sendo apresentados diretamente nas comunidades que participaram do estudo, que já foi realizado no Recife e será levado também para São Paulo.