Sobreviventes do incêndio no Joelma escaparam com ajuda de "anjos"
O contador Osório Gonçalves da Silva, 60, um dos sobreviventes do incêndio no edifício Joelma, em São Paulo, há 40 anos, lembra-se claramente de ter sido salvo da morte por uma criança que surgiu diante dele em uma visão.
“Eu fui salvo graças a uma ajuda espiritual”, diz Silva.
Outro sobrevivente da tragédia, o pastor evangélico William Conceição Ferraz, 56, que também estava no prédio na hora do incêndio, afirma que foi um ‘anjo’ que indicou a ele o caminho para a saída.
“Um anjo disse: levante e vem (sic)”, diz o pastor.
Os dois contaram à reportagem do UOL o que enfrentaram naquele 1º de fevereiro de 1974, quando o prédio na região central da capital paulista pegou fogo, levando à morte 188 pessoas e deixando mais de 300 feridas.
O contador Silva se recorda do grito que percorreu o 21º andar do edifício, onde ele trabalhava: "Está pegando fogo! Olha a fumaça!"
Eram 9h da manhã, e o alerta provocou um instante de silêncio e paralisação, seguido por correria em direção aos elevadores.
Funcionário do banco Crefisul, que ocupava a maioria dos 25 andares do Joelma, o jovem Silva, na época com 20 anos de idade, cedeu o último lugar no elevador a uma senhora e resolveu esperar pelo próximo elevador, que nunca veio.
O fogo teve início no 12º andar após um curto-circuito em um aparelho de ar condicionado e se alastrou para os andares superiores. Das 750 pessoas que estavam no prédio, 188 morreram e mais de 300 ficaram feridas.
Ainda sem saber da gravidade do incêndio, Silva foi até as escadas, quando as luzes se apagaram. Ele desceu três andares e encontrou um grupo que subia desesperadamente. Foi aí que aconteceu o que ele chama de ‘ajuda espiritual’.
"Uma criança apareceu na minha frente, me mandou entrar naquele andar e desapareceu", afirma o contador.
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Ali, o contador se deparou com pessoas sentadas no chão, chorando, desanimadas. Um grupo queria se livrar das pilhas de documentos e das luxuosas e longas cortinas da sala, que cobriam as janelas de vidro, já estourando por causa do calor, para evitar que os papéis e o tecido servissem de combustível para o fogo. O temor de machucar a multidão que se formara em frente ao edifício impediu a ação.
Uma mulher viu a chegada dos bombeiros, e a notícia encheu todos de esperança, até o momento em que perceberam que a escada Magirus não alcançaria o andar em que estavam.
Foi aí que o contador Silva teve a ideia de usar as cortinas para descer até a escada dos bombeiros, mas a solução não salvaria a todos, ele lamenta.
"Uma moça linda (...) não teve força suficiente para se segurar na cortina e caiu, assim como outros", relata o contador.
Quando o contador conseguiu descer pelo pano, percebeu que dois andares ainda o separavam da escada Magirus. Então, teve de se agarrar ao concreto e às janelas quentes para alcançar os bombeiros, o que o deixou com queimaduras nas mãos e no peito.
A intoxicação provocada pela fumaça fez com que Silva passasse dois dias no hospital. Foram mais alguns em casa até que o banco Crefisul providenciou um novo endereço de trabalho, na avenida Ipiranga.
"A ausência de tantos colegas que morreram deixou tudo muito triste", diz o contador.
Silva ainda trabalhou mais quatro anos na empresa, tendo constantes sonhos em que se via preso em um túnel, o que ele acredita ter sido uma consequência do que enfrentou no incêndio.
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“Um anjo surgiu entre a fumaça e estendeu a mão”
O pastor William Conceição Ferraz, 56, outro sobrevivente da tragédia do Joelma, era office-boy quando o incêndio aconteceu. Até hoje, ele carrega o trauma de ter chegado tão perto da morte.
"Não consigo mais subir em lugares altos", diz o pastor, que tinha 16 anos na época e ainda chora toda vez que vê uma reportagem sobre o caso.
Ferraz chegou ao 13º andar do Joelma às 8h30 para pegar um cheque. Assim que assinou o comprovante de retirada, percebeu a correria no andar, que foi rapidamente tomado pela fumaça.
Evangélico desde os sete anos de idade, ele conta que sentiu-se fraco e caiu no chão; viu uma mulher grávida morrer ao seu lado. Ao notar as chamas, apelou para a fé: "Senhor, se tu tens um plano para a minha vida, eis-me aqui. Se quiser me levar, estou pronto", pediu em oração.
De acordo com o pastor, uma voz respondeu, perguntando como ele estava.
“Um anjo surgiu entre a fumaça e estendeu a mão”, ele afirma. O “anjo” o levou até a porta do único elevador que ainda funcionava, de acordo com o pastor.
O então office-boy levou um choque quando chegou ao térreo e viu um padre dando a extrema-unção a uma mulher que havia se jogado do edifício queimando.
Momentos de horror
Muitas pessoas não puderam ser socorridas a tempo porque, além de as escadas Magirus e os jatos d'água dos bombeiros não alcançarem os andares mais altos do Joelma, o edifício não tinha escadas protegidas contra incêndio nem heliporto.
Ouça trechos da cobertura feita pelo rádio no dia do incêndio
"Assim que chegamos, uma pessoa saltou do prédio e caiu bem perto de nosso carro", conta o policial militar aposentado Marcílio Machado Filho, 60, que se apresentou à Companhia de Operações Especiais da PM assim que ouviu a notícia do incêndio no rádio.
Este foi apenas o primeiro momento de horror vivido por ele naquele dia.
"No interior do prédio, as cenas pareciam de um filme de ficção científica. Os corpos derretiam com a água que batia no concreto quente", diz o policial.
A temperatura no interior do Joelma ultrapassou 100ºC, e as telhas de amianto na cobertura tornaram o calor insuportável. Um helicóptero da FAB (Força Aérea Brasileira) tentou, mas não conseguiu pousar no topo do prédio.
Uma das soluções adotadas pelos bombeiros, então, foi colocar um cabo entre o edifício em chamas e um prédio vizinho, e assim resgatar quem estava no terraço.
A memória considerada a mais triste pelo PM Machado é a de um homem que, preso atrás de uma cortina de fogo, foi incentivado pelos bombeiros a correr na direção do grupo de resgate. "Ele morreu em nossos braços", lamenta o policial aposentado.
As equipes de socorro chegaram ao Joelma pouco tempo após o início do incêndio, e o fogo foi controlado cerca de uma hora e meia depois. O episódio marcou a história do edifício paulistano, que ficou em reformas durante quatro anos e foi rebatizado, em 1978, de edifício Praça da Bandeira.
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