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Plano de fuga revela fragilidade de presídio que abrigou cúpula do PCC

Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP), onde ficaram detidas lideranças do PCC - Lalo de Almeida/Folhapress - 22.jun.2006
Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP), onde ficaram detidas lideranças do PCC Imagem: Lalo de Almeida/Folhapress - 22.jun.2006

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

13/03/2014 10h00

O plano de fuga elaborado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) para tirar da prisão quatro lideranças da facção revelou falhas na segurança da penitenciária 2 de Presidente Venceslau (611 km de São Paulo), onde nos últimos anos esteve detida a cúpula da organização, batizada de “sintonia fina geral”. A unidade prisional é apontada como uma das mais seguras do Estado.

Bloqueador de celular falhou enquanto PCC planejava fuga

O sistema de bloqueadores de celular recém-instalado na penitenciária 2 de Presidente Venceslau (611 km de São Paulo) apresentou falhas enquanto o PCC (Primeiro Comando da Capital) combinava os últimos detalhes de um plano de fuga para resgatar do presídio quatro líderes da facção.

Ao longo de um ano, os detentos coordenaram a elaboração do plano de fuga e tiveram acesso a objetos que os ajudariam a fugir, como serras. Além disso, um scanner corporal que pertence à unidade e aumentaria a eficácia das revistas está sem funcionar há cinco anos.

Em Presidente Venceslau, o comando do PCC é formado por Marcos Herbas Camacho, o Marcola; Cláudio "Barbará" da Silva; Célio Marcelo da Silva, o Bin Laden; e Luiz Eduardo Barros, o "Du Bela Vista". Após o vazamento do plano, os quatro foram transferidos na última terça-feira (10) para o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) na penitenciária de Presidente Bernardes (540 km de São Paulo).

No RDD, os presos ficam isolados, em celas individuais, e têm direito a apenas duas horas diárias de banho do sol. As visitas são mais curtas e controladas, e o detento não tem acesso a jornais e televisão. Já em Presidente Venceslau, os líderes do PCC não ficavam isolados, tinham acesso a meios de comunicação e mantinham contato com outros detentos. Na penitenciária, o banho de sol diário é de seis horas e as visitas ocorrem duas vezes por semana.

Bloqueadores de celular

  • Arte/UOL

    Saiba como funcionam os bloqueadores de celular que serão instalados em prisões

Relatório secreto das inteligências das secretarias da Administração Penitenciária (SAP) e de Segurança Pública (SSP) e do Ministério Público de São Paulo, ao qual o UOL teve acesso, mostra que o plano de fuga foi organizado de dentro da penitenciária, com as lideranças da facção transmitindo orientações a familiares e subordinados do lado de fora.

O relatório mostra que, entre janeiro de 2013 e fevereiro deste ano, houve ao menos 20 conversas de Barbará ou Bin Laden com envolvidos no plano que estavam fora do presídio. No documento, não é especificado se as conversas gravadas eram fruto de interceptação telefônica, escuta ambiental ou outra forma de investigação.

  • Reprodução

    Trecho do relatório mostra conversa entre Barbará e a mulher

O principal elo de Barbará era a mulher Elaine, que recebeu as primeiras orientações do plano e as repassou a integrantes da facção que moram na capital paulista e no Paraguai. Já o contato de Bin Laden foi o irmão Márcio Rogério da Silva, incumbido de pilotar um dos helicópteros que faria o resgate. Entre janeiro e fevereiro deste ano, foi Márcio quem recebeu as orientações finais para a realização do plano de fuga.

A facção utilizaria dois helicópteros blindados e um avião para resgatar os quatro detentos. Enquanto uma das aeronaves iria retirá-los com um cesto blindado preso a um cabo de aço, a outra levaria os criminosos que teriam como função atirar nos vigias de muralha. Feito o resgate, os detentos seriam levados até o aeroporto de Loanda (PR) e depois seguiriam de avião ao Paraguai.

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    No trecho destacado, Bin Laden comenta que as grades das janelas das celas já haviam sido serradas

Serras dentro da prisão

Para fugir, os presos iriam serrar as grades das janelas da cela e saltar a uma área externa entre os pavilhões e a muralha, segundo o relatório. Em 4 de fevereiro deste ano, Bin Laden comentou que já estava serrando os “pirulitos” das grades das janelas, colocando-os no lugar e pintando-os para parecer que nada foi mexido.

  • A facção criminosa PCC foi criada em agosto de 1993, num presídio de Taubaté (a 140 km de SP). Ela surgiu após o massacre do Carandiru, ação policial que deixou 111 presos mortos na invasão do pavilhão 9 da antiga Casa de Detenção. O grupo fundador do PCC reivindicava o fim da linha dura e dos maus-tratos contra os presos. Marcola (f) assumiu a chefia da facção no final de 2002. Ele está preso por roubo a bancos.

Segundo a SAP, inspeção realizada por agentes penitenciários após o vazamento do plano detectou que nenhuma grade havia sido serrada “graças ao excelente trabalho de segurança efetuado pelos agentes, com revistas diuturnas nas dependências da unidade, inclusive com procedimentos de bate-chão e bate-grade.”

No entanto, de acordo com um membro do MP que acompanha as investigações do PCC em Presidente Venceslau e não quis se identificar, os detentos têm fácil acesso a serras. Segundo este integrante da Promotoria, Bin Laden não chegou a romper a grade completamente, mas fez um pequeno ponto de serra suficiente para constatar que poderia serrar a janela em poucos minutos. Em seguida, ele a pintou.

Scanner corporal não funciona

Os objetos que auxiliariam a fuga poderiam ter sido barrados caso um scanner corporal usado para fazer as revistas, doado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) --órgão subordinado ao Ministério da Justiça-- à SAP em 2009 tivesse em funcionamento.

O equipamento, similar aos que existem em aeroportos internacionais, é capaz de identificar até pequenos bilhetes escondidos pelas visitas. Recentemente, um scanner semelhante detectou um clips no bolso do paletó do ministro José Eduardo Cardozo, durante visita à penitenciária federal de Porto Velho (RO).

O scanner de Presidente Venceslau foi adquirido pelo governo federal a um custo de R$ 640 mil. Na época, outros Estados também receberam o equipamento. De acordo com a SAP, o scanner não está em funcionamento porque a pasta aguarda a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) --órgão subordinado ao governo federal-- realizar testes dos efeitos biológicos provocado pelas radiações.

A CNEN informou que a SAP pediu a licença para o funcionamento do equipamento em julho de 2011. Em outubro do mesmo ano, a CNEN afirma que concluiu a realização dos testes e em abril de 2012 enviou ofício à direção de Presidente Venceslau autorizando o uso do scanner (veja fac-simile abaixo).

O órgão federal estabeleceu o limite de 2.631 inspeções anuais por pessoa. Ainda segundo o CNEN, em fevereiro de 2012 uma equipe esteve na penitenciária e fez uma inspeção no equipamento.

A SAP, entretanto, nega que tenha recebido a autorização do CNEN para ligar o aparelho.

  • Reprodução

    Ofício encaminhado pelo CNEN à direção da penitenciária 2 de Presidente Venceslau em abril de 2012; o documento autoriza o uso do scanner corporal

Presos estão "à vontade"

Para o cientista político Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-subsecretário nacional Segurança Pública, o Estado não consegue mais controlar o que ocorre dentro dos presídios. “Isso tem piorado nos últimos anos com o PCC. Para evitar rebelião, o Estado passou a relaxar com os presos. Eles ficam mais à vontade e aproveitam isso pra fazer uma série de coisas”, afirmou.

Mingardi defende “uma política de médio e longo prazo para retomar o controle dos presídios”. “As cadeias precisam ser mais rigorosas, em especial quando se trata do PCC.”