Briga por poder ou revolta da base? O que move a greve dos motoristas em SP
Desde a manhã da última terça-feira (20), quando a cidade de São Paulo parou diante de uma inesperada paralisação de uma parcela significativa dos motoristas e cobradores de ônibus, especula-se quem estaria por trás do movimento grevista, já que o Sindmotoristas, que representa a categoria, rechaçou de imediato a mobilização.
O histórico de disputa pelo poder do sindicato deu força à hipótese de que o movimento grevista foi organizado por opositores da atual gestão, derrotados nas últimas eleições para o comando da entidade, em setembro passado.
A outra hipótese tem relação com a conjuntura efervescente que vive o país depois dos protestos de junho passado: a categoria, insatisfeita com o modo como a direção do Sindimotoristas conduziu a campanha salarial nos últimos dias, resolveu se organizar por fora do sindicato, a exemplo do que ocorreu com os garis e os rodoviários do Rio de Janeiro recentemente.
Uma terceira hipótese, de que as próprias empresas de ônibus estariam articulando as paralisações para pressionar a prefeitura a atender seus interesses, foi afastada pela atual gestão do sindicato e pelos grevistas, além do SP Urbanuss, sindicato que representa as viações e que repudia a paralisação.
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Depois de pararem a cidade por dois dias, os grevistas decidiram voltar ao trabalho hoje, com a condição de que o prefeito Fernando Haddad abra negociação entre a categoria e as empresas.
Entre terça e quarta-feira, a reportagem do UOL entrevistou motoristas e cobradores que participaram dos piquetes, dirigentes sindicais e os principais adversários da atual gestão do sindicato, comandada pelo presidente José Valdevan, o Noventa, também ouvido pela reportagem.
O que dizem os adversários?
Os principais adversários de Valdevan negaram que estejam por trás da paralisação. A reportagem ouviu Isao Hosogi, o Jorginho, antecessor de Valdevan na presidência do sindicato; Luiz Gonçalves, ex-diretor do sindicato e atual presidente estadual da NCST (Nova Central Sindical dos Trabalhadores); e o vereador Vavá dos Transportes (PT).
Os três integravam a direção anterior do sindicato, à qual Valdevan e outros membros da atual gestão também faziam parte e que estava no comando do Sindmotoristas desde 2004. Em abril de 2013, a três meses das eleições, Valdevan rompeu com o grupo de Jorginho, até então seu grande aliado, e lançou sua candidatura ao comando do sindicato.
"Vi uma entrevista do presidente [Valdevan] querendo culpar opositores, mas 90% do pessoal da nossa chapa foi demitido depois que as eleições acabaram", disse Jorginho. Para ele, a paralisação ocorre porque a campanha salarial foi mal conduzida pela atual gestão. "Acabaram fazendo uma assembleia no escuro. Convocaram os trabalhadores para fazer um ato na segunda-feira até a prefeitura e acabaram fazendo uma assembleia para aprovar a proposta do patrão."
Apesar de se opor a Valdevan, o ex-presidente critica a paralisação. "Não apoio esse tipo de coisa porque não dá para apoiar. A população não pode pagar."
Vavá dos Transportes afirmou que está afastado do sindicato desde o ano passado e que na sua região de influência, a zona leste, não foi afetada pela paralisação. "A zona leste foi a única região que não teve problemas. Ontem eu sai da Câmara às 23h30. Para mim eles estão com problema interno e querem jogar o foco em outras pessoas."
Luiz Gonçalves, presidente da Nova Central, também afirma que está distante do sindicato e acredita que a paralisação seja fruto da insatisfação dos motoristas e cobradores. "Os trabalhadores que se insurgiram não são dissidentes, não são ex-diretores. É uma insatisfação dos próprios trabalhadores que acham que teve uma tentativa de golpe [da atual gestão]."
O que diz a direção do sindicato?
Na terça-feira, Valdevan disse à reportagem que não acreditava no envolvimento de Jorginho na paralisação, mas, sem citar nomes, afirmou suspeitar de que integrantes de sua própria gestão poderiam estar por trás da greve. “Essa hipótese não pode ser descartada. Estamos investigando.”
Jorginho, por sua vez, disse que “não há dúvidas” de que pessoas de dentro da gestão estejam participando da condução da greve. O ex-presidente do sindicato referiu-se a Edvaldo Santana, atual tesoureiro da entidade. “Ele foi presidente por três mandatos e foi meu secretário-geral. Em todas as campanhas salariais ele foi contra mim. Ele sempre trabalha contra o presidente.”
Edvaldo ganhou notoriedade entre a categoria depois de liderar uma greve de nove dias que parou São Paulo, em 1992, durante a gestão de Luíza Erundina (à época no PT). Naquele ano, a paralisação também foi comandada por dissidentes da direção do sindicato. Segundo Jorginho, o tesoureiro é influente entre os trabalhadores da viação Santa Brígida, os primeiros a paralisar.
A reportagem telefonou para o celular de Edvaldo várias vezes ao longo dessa quarta-feira, mas ele não atendeu aos telefonemas. Valdevan não acredita em uma “traição” de seu tesoureiro. “O Edvaldo está se posicionando conosco. Na assembleia, ele defendeu nossas propostas.”
Motorista desde 1981, Paulo Martins Santos, funcionário da viação Gato Preto, lembra da atuação de Edvaldo na paralisação em 92 e nega que ele esteja envolvido no movimento atual. “Ele tá com a diretoria”. O motorista também afirma que não há entre os grevistas integrantes de gestões anteriores. “Eles perderam o contato com a base.”
Motoristas explicam motivo da paralisação de ônibus
O que dizem os grevistas?
Os motoristas ouvidos pelo UOL nas ruas de São Paulo foram unânimes em dizer que a paralisação é resultado da insatisfação da categoria com o sindicato, e não da ação de antigos adversários de Valdevan. Os trabalhadores dizem que, durante a campanha salarial dos últimos dias, a atual direção se comprometeu a conquistar um acordo melhor do que o obtido.
As empresas aceitaram conceder reajuste de 10%, vale-refeição diário de R$ 16,50 (atualmente é de R$ 14,30) e uma parcela anual de R$ 850 referente à PLR (Participação nos Lucros e Resultados), que em 2013 foi de R$ 600. Os trabalhadores esperavam 13% de reajuste, vale-refeição de R$ 22 e PLR de R$ 1.500, conforme definido em assembleia da categoria na quinta-feira (15).
O calendário de mobilização previa um ato do sindicato --que fica na Liberdade-- até a prefeitura, na segunda, e uma assembleia na terça-feira. Caso os empresários não aceitassem a proposta, na quarta teria início uma paralisação.
Na segunda, após receber a proposta patronal, a direção do sindicato decidiu antecipar a assembleia para o mesmo dia, logo após a realização do ato, o que revoltou parte da categoria.
“Não abrimos mão da proposta que definimos”, disse Paulo Martins Santos, que integra uma comissão formada por dissidentes que lideram a greve. “Quem está fazendo essa paralisação é o trabalhador que está indignado, injuriado, com a falta de respeito das empresas e a falta de respaldo do sindicato.”
De acordo com Santos, a paralisação teve início no centro da cidade e se espalhou para outras regiões. “A gente usa as redes sociais, o celular e o boca-boca, para um avisar o outro. Quando o povo quer, ninguém segura.”
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