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O que é ser carioca? O gari Renato Sorriso tem a resposta no nome

Na praça onde trabalha há 19 anos, o gari Renato Sorriso dança ao lado da vassoura - Júlio César Guimarães/UOL
Na praça onde trabalha há 19 anos, o gari Renato Sorriso dança ao lado da vassoura Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

27/02/2015 06h00

São 9h de uma manhã ensolarada no Rio de Janeiro. Renato Luiz Feliciano Lourenço, 50, varre uma calçada enquanto cumprimenta, um por um, quem passa pelo entorno da praça Xavier de Brito, na Tijuca, na zona norte da cidade, onde trabalha há quase duas décadas.

Extrovertido e espirituoso, o gari é imediatamente reconhecido por transeuntes e motoristas, que buzinam e acenam para ele. Em retorno, entre saudações bem-humoradas, ele exibe sua maior marca, a que lhe rendeu o apelido pelo qual ficou conhecido nacionalmente: Sorriso.

Famoso pelo samba no pé no Carnaval da Marquês de Sapucaí, Renato Sorriso reúne em si as características que, segundo ele próprio, definem o que é ser carioca. Não à toa, ele foi escolhido para representar a Cidade Maravilhosa na apresentação do Rio na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.

"Para representar o Rio, tem que amar, tem que respeitar, tem que cuidar, tem que valorizar a cidade. Eu bato no peito e digo que sou carioca. Se eu fui escolhido para representar a minha cidade, eu só tenho a agradecer essa honra", declara o gari, que ganhou notoriedade em 1997, quando começou, espontaneamente, a sambar enquanto limpava o palco do Carnaval carioca.

Aquele momento, em um sábado de Carnaval, marcou o início de uma nova vida para o gari. "Antes disso eu já adorava sambar e tinha desfilado em várias escolas, mas ali, com a vassoura na mão, eu deixei de ser invisível", lembra Sorriso. O que se seguiu era inimaginável para um homem de origem humilde, nascido no bairro de Guadalupe e criado em Madureira, ambos na zona norte.

O gari participou de programas de televisão, deu entrevista para Hebe Camargo, passou a ser reconhecido por celebridades e foi convidado a participar de eventos em diversos países, como Canadá, Espanha, Inglaterra, Bahrein, Alemanha, Suíça e França --da qual, brincando, diz já estar cansado por ter visitado três vezes.

“Mas o melhor país, de todos que eu conheci, é o Brasil. Nós somos ricos em tudo. O que falta aqui só é corrigir a desigualdade", declara Renato, que após a fama decidiu completar o ensino médio e se formou em turismo. “Eu, trabalhando com o lixo, hoje sou um luxo. Tudo o que eu tenho é graças à vassoura”, diz o gari, que garante não querer largar a profissão.

Renato explica, no entanto, que não confunde brincadeira com trabalho. “Brincadeira é brincadeira, samba é samba, mas trabalho é trabalho. Eu sambo, mas eu também trabalho muito", declara.

E de onde vem o sorriso que está sempre estampado no rosto? "Esse sorriso veio lá de Guadalupe, de um homem chamado Paulo Lourenço e de uma mulher chamada Edna Feliciano, pobres financeiramente, mas ricos em cultura e educação. Quando você aperta a mão, dá um sorriso, ele derruba barreiras, quebra fronteiras e discriminação", afirma o carioca.

A lábia afiada e uma certa malandragem acompanham Renato aonde quer que ele vá. Enquanto conversava com o UOL, ele foi abordado por uma conhecida que havia acabado de prestar concurso para a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana). O diálogo que se segue é uma amostra do jeito brincalhão do gari --e de muitos cariocas.

A mulher diz que achou a prova fácil. Renato, de pronto, responde: "para mulher bonita não tem como ter dificuldade". No fim da breve conversa, ela pergunta se ele poderia conseguir o gabarito. Ele, para não ficar sem resposta: "você consegue tudo". Quando a mulher se despede dizendo “quase tudo”, Sorriso não perde a deixa: "esse quase eu inteiro".

O poeta Vinicius de Moraes um dia escreveu que ser carioca "é antes de mais nada um estado de espírito". Disse ainda que, mais que ter nascido no Rio, ser carioca "é ter aderido à cidade e só se sentir completamente em casa em meio a sua adorável desorganização".

Com cada gesto e cada sorriso, Renato parece reescrever diariamente as palavras do ilustre conterrâneo. Sobre o que espera do futuro, ele resume: "eu quero morrer bem velhinho, sorrindo e sambando".

Gari Sorriso - Júlio César Guimarães/UOL - Júlio César Guimarães/UOL
O gari Renato Sorriso fala com orgulho do Rio: 'eu bato no peito e digo que sou carioca'
Imagem: Júlio César Guimarães/UOL