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O que pensam agentes socioeducativos no Rio sobre a redução da maioridade

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

23/05/2015 06h00

A apreensão de um adolescente de 16 anos suspeito de ter esfaqueado e matado o médico Jaime Gold, 56, esta semana, no Rio de Janeiro, reaqueceu o já acalorado debate sobre a proposta de redução da maioridade penal no país, em estudo na Câmara dos Deputados. A discussão envolve diversos atores da sociedade, entre eles os responsáveis por aplicar as medidas socioeducativas aos jovens que seriam afetados pela possível mudança.

Para entender o que pensam sobre o assunto os integrantes do sistema de ressocialização que lidam diariamente com os internos, a reportagem do UOL ouviu quatro agentes socioeducativos de diferentes unidades do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) do Rio. Todos pediram para falar sob anonimato.

Unânimes ao defender a redução da maioridade penal para 16 anos, eles citam dificuldades diante das “leis paralelas” dos jovens dentro dos centros e falam da violência dos menores infratores. "Eles já entram aqui formados", afirmou um dos agentes. Há, no entanto, ressalvas e sugestões à proposta, como o endurecimento da lei apenas para os casos de crimes hediondos. "Por conta da compleição física deles, talvez uma alternativa seria mantê-los no sistema socioeducativo, mas com uma divisão", disse outro.

Segundo dados divulgados pelo Degase, referentes ao ano de 2013, cerca de 80% dos jovens que estiveram internados no Degase naquele ano tinham entre 16 e 21 anos.

Caso a proposta seja aprovada e promulgada pelo Congresso, jovens de 16 e 17 anos de idade poderão responder e ser punidos criminalmente da mesma forma que adultos, seguindo o Código Penal, e não mais seguindo as normas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

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André*, agente socioeducativo há três anos

Eu posso afirmar com toda a certeza que a grande maioria dos agentes que lidam com esses internos é a favor da redução da maioridade penal. Isso porque a gente sabe que a violência cometida por eles na rua, entre eles, e até contra os funcionários é grande, sim. Eles já vêm de uma realidade onde aquilo já está muito solidificado na mente deles. A grande maioria [dos internos] já sabe, sim, o que está fazendo, já escolheu o que quer da vida. Eu não vejo como a punição de hoje, a medida socioeducativa, pode ser eficaz em se tratando de jovens menores de idade que já cometeram homicídios, latrocínios, têm diversas passagens por tráfico e até comandam morros no Rio.

O agente socioeducativo hoje reúne em si as funções de segurança e educação, mas não tem condições de educar. É uma coisa totalmente contraditória na cabeça dos internos porque a gente representa a barreira entre eles e a rua. É como se você pedisse para um policial que ensinasse qualquer coisa ao presidiário. O sistema, quando cria o aparato para os funcionários, esquece de incluir a realidade dos internos, ignora as leis paralelas deles. Eles, por exemplo, não podem falar com os funcionários sozinhos porque outros internos podem entender que ele está, como eles falam, caguetando [denunciando] alguma coisa de dentro do alojamento deles.

James*, agente socioeducativo há dois anos e meio

O nosso trabalho aqui é enxugar gelo. A lei está defasada. Dentro da minha unidade, que é uma das melhores, os internos têm vários tipos de curso, boa alimentação, psicólogos, e até aula de tênis. Mesmo assim, a gente vê que muitos não querem sair da vida do crime. Alguns até acham que, por terem passado pelo sistema, podem ganhar uma condição melhor na pista, como eles chamam. Não se trata de uma escola do crime, como se fala das prisões. Eles já entram aqui formados. Sou a favor [da redução] porque hoje o sistema socioeducativo não passa de um paliativo, e o ECA não tem nada de punitivo. A única coisa que pode resolver é criar neles o temor de pegar uma pena de adulto.

Outro dia, três adolescentes mataram outro dentro de um centro. Os dois menores assumiram o homicídio para o maior que estava com eles não “atravessar” [para o sistema penitenciário], como eles dizem. O juiz determina que todos façam atividades juntos, mas não podemos misturar facções. Só temos spray de pimenta para evitar motins, rebeliões e as muitas brigas que acontecem sempre.

Ângelo*, agente socioeducativo há três anos

O que realmente existe lá dentro, infelizmente, é um aglutinado de criminosos, bandidos e marginais --por qualquer motivo, o governo não fez o que deveria antes de eles se tornarem tudo isso. Após eles sofrerem todas as mazelas da sociedade, eles são jogados dentro de uma unidade de internação socioeducativa que só serve, na prática, para excluí-los e escondê-los da sociedade. Com esse sistema que existe hoje, é impossível recuperar qualquer tipo de pessoa, em qualquer faixa etária. Eles já vivem em uma prisão.

Eu sou a favor de que se responda por qualquer crime hediondo independente da idade de quem cometeu. Caso a redução seja aprovada, na verdade, só melhoraria o meu trabalho, porque teria menos adolescentes para a gente cuidar. Melhoria para o adolescente eu tenho certeza que não teria nenhuma. A mudança que teria que ser feita seria passar a realmente cumprir a legislação do sistema de socioeducação que está em vigor, colocando no máximo 90 internos em cada unidade, um agente para cuidar de no máximo cinco adolescentes, desenvolver realmente um trabalho pedagógico e social, e acompanhar o interno depois que ele saísse da unidade. É uma lei muito bonita no papel e até faria efeito, mas nada é cumprido.

Eduardo*, agente socioeducativo há dois anos

O trabalho feito hoje é um engodo, só para inglês ver. Na prática, a gente trabalha em uma prisão e eles são considerados como bandidos aqui dentro. As atividades que existem nos centros só acontecem para o Estado dizer que faz, porque é obrigado por lei. Não servem para nada. A superlotação atrapalha. A casa em que eu trabalho tem lotação de 110 internos e hoje tem 230, por exemplo. E são dez técnicas para atender todos esses adolescentes. Fica impossível desse jeito.

O Estado não é preparado para dar educação, moradia a essas pessoas quando eles saem. Assim fica complicado para eles se ressocializarem. Como não têm outra perspectiva, voltam para o crime. Um dos argumentos de quem é contra a redução da maioridade penal é que a reincidência é de 30%, mas isso não é verdade. Eles não contam os que saem daqui e são presos com mais de 18 anos. Sou a favor que reduza [a maioridade penal], mas acho que os internos deveriam cumprir as mesmas penas de um maior de idade, ficando nos centros até os 21 anos. Porque o sistema prisional é ainda pior que o sistema de ressocialização, que é falido.

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos agentes