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Casas doadas a vítimas de cheia em Alagoas são vendidas livremente

Carlos Madeiro

Do UOL, em Murici (AL)

18/06/2015 06h00

Casas que custam entre R$ 9.000 e R$ 17 mil. Assim, de forma livre, prospera o comércio ilegal de residências doadas às vítimas da enchente de 2010, em Murici, zona da mata Alagoas.

A enchente dos rios Una, Mundaú e Paraíba completa cinco anos nesta quinta-feira (18). O UOL revisitou sete das cidades mais atingidas de Alagoas e Pernambuco e encontrou uma série de problemas, como pessoas ainda vivendo em área de risco, barragens prometidas que não foram feitas, conjuntos incompletos e falta de estrutura nos novos bairros criados. Ainda há ruínas da tragédia por todos os lados.

Em junho de 2010, as enchentes em Alagoas afetaram 29 municípios. Segundo a Defesa Civil do Estado, 27 pessoas morreram, 27,7 mil ficaram desabrigadas, e 44,5, mil desalojadas. Além disso, 18,8 mil casas foram destruídas ou danificadas.

Em Murici, foram erguidos dois conjuntos para os desabrigados, com 2.328 unidades. Dessas, segundo a Caixa Econômica Federal, já foram entregues 2.274 moradias.

Nos dois conjuntos erguidos há casas à venda. Passando-se por interessada em comprar uma delas, a reportagem do UOL visitou o conjunto Olavo Calheiros, e encontrou placas que anunciam a venda das casas. No local, pelo menos cinco moradores demonstraram interesse em vender o imóvel. Também recebeu a confidência de outras duas pessoas que admitiram ter realizado o negócio.

Uma das interessadas na venda era uma moradora que recebeu uma casa de esquina no conjunto --que é maior, mais bem localizada e adaptada para deficientes. Por conta disso, era a mais cara de todas à venda: R$ 17 mil. “É uma casa boa, maior, por isso o preço”, disse a sobrinha da proprietária.

Segundo a Caixa Econômica Federal, que é responsável pelos conjuntos erguidos em Alagoas e Pernambuco, a venda ou o aluguel de casas é proibido por contrato. “Quem vende fica obrigado a restituir integralmente os subsídios recebidos e não participará de mais nenhum programa social com recursos federais. Já quem adquire irregularmente perderá o imóvel. Esta condição é informada ao beneficiário na data do sorteio das unidades habitacionais e também na data da assinatura do contrato”, informou o banco.

Ainda segundo a Caixa, quando há denúncia do descumprimento desta regra, os moradores são notificados para que comprovem a ocupação regular do imóvel. “Caso fique comprovada a venda do imóvel para terceiros, a Caixa protocola notícia-crime na Polícia Federal e adota medidas judiciais cabíveis, no sentido de buscar a rescisão do contrato e a reintegração de posse do imóvel”.

Casas são vendidas sem documentação

No conjunto há ofertas para todos os gostos. Com três filhos, uma mulher recebeu a reportagem e ofereceu a casa onde mora por R$ 15 mil. “Ela tá com cerâmica nos quartos, está toda reformada”, diz, para justificar o preço acima da média. Ela ainda alega não saber como fará para passar os documentos para o nome do futuro comprador. “Eu nem sei, porque nunca fiz, mas é fácil. Se vender, vou morar no sítio, onde tenho outra casa.”

Na rua ao lado, outra mulher admite que comprou a casa onde vive por R$ 11,5 mil. Ela diz que pagou mesmo sem ter a garantia legal do imóvel. “A gente fez só um papel de compra e venda”, contou, afirmando não temer a perda do imóvel pela compra ilegal. “Faz medo não."

Outro morador explica que conseguiu comprar uma casa para a filha por R$ 10 mil. “Ela ficou com o papel [documentos] que era do antigo dono e fez um contrato. Sei que ela resolveu com um rapaz lá no Fórum, mas não sei como, sei que hoje é dela”, disse.

Casas em área de risco são alugadas

Ainda em Murici, as casas que não caíram por conta da enchente acabaram sendo reocupadas. Os antigos moradores que foram para as residências novas locaram as antigas moradias em área de risco. Boa parte deles é remanescente de uma favela na periferia da cidade, conhecida como Portelinha. Eles aguardam a conclusão de outras casas que estão sendo erguidas para se mudar e optaram por morar no local pelo preço baixo do aluguel.

Uma das pessoas que aluga casa é Micheline Maria da Silva, 25, que paga R$ 200 pela locação de uma residência que ficou totalmente alagada na enchente de 2010. “Tenho muito medo [de uma nova enchente], mas a casa aqui é boa e o preço é menor, por isso preferi”, conta.