Eles perderam o rio e o mar por causa da lama e temem virar "vila fantasma"
Pesca, surfe, ecoturismo, trilhas, passeios de caiaque e banhos no rio. Atrativos que tornavam a vila de Regência, no litoral do município de Linhares (ES), uma espécie de santuário para amantes da natureza, estas atividades agora fazem parte apenas da memória de moradores e visitantes do povoado.
Situado na foz do rio Doce, dentro da reserva biológica de Comboios, o distrito foi atingido no último sábado (20) pela onda de lama de rejeitos da mineradora Samarco, liberada após a tragédia de Mariana (MG), e que continua a desaguar no oceano Atlântico.
Para evitar o contato da população com a água do mar, tomada pela mancha amarronzada, a Prefeitura de Linhares interditou nesta segunda-feira (23) as três praias do município, entre elas a de Regência, que era considerada uma das melhores do Brasil para surfistas, por suas ondas extensas, tubulares e de águas cristalinas.
“Mudou tudo”, começa a contar o pescador Wesley Nascimento, 33. “O que nós estamos vendo é que temos um rio dizimado. Mataram o rio e mataram Regência. Isso aqui pode virar uma vila fantasma. Quem vai comprar um peixe sabendo que tem risco de estar contaminado, sem nem saber o que é que tem na água? Quem vai vir surfar numa praia poluída?”, diz.
Regência está localizada a cerca de 45 km do centro de Linhares. “É um lugar muito privilegiado, de vida pacata e estrada de chão. A gente chama de fim de linha porque você só vem para cá quando quer mesmo estar aqui. Temos muita sorte de estar próximos ao rio, ao mar, com uma natureza exuberante”, descreve a paulista Luciana Cunha, 31.
Atraída pelo surfe, há sete anos ela saiu de São Paulo, se apaixonou pela “magia de Regência”, resolveu ficar e abriu uma empresa de ecoturismo com o marido, que conheceu na vila. “Nossa principal atividade era o caiaque no rio Doce, fazer passeios, levar os turistas nas trilhas, para ver roça de cacau, tomar banho de rio. E sempre foi um sucesso”, afirma Luciana.
Há três finais de semana, o número de clientes chegou a zero. “Mudou dos turistas para os pesquisadores, jornalistas, quatro helicópteros fazendo barulho o tempo todo”, conta a empresária.
Nascida e criada em Regência, a dona de casa Dalva Sampaio, 73, vive com a família em uma casa a poucos metros do rio Doce. Desastres como o que atingiu a vila, ela “até assistia pela televisão”, mas não imaginava que se veria afetada por um deles. “Nós estamos prejudicados. Muito mesmo. Só Deus sabe como nós vamos ficar aqui amanhã ou depois”, diz Dalva.
O empresário e surfista Eduardo Corrêa, 42, começou as obras de ampliação de sua pousada-camping há três semanas. As expectativas para o fim de ano estavam altas. Um pedreiro continua a trabalhar no terreno, comprado em 2010, quando o paulistano se estabeleceu na vila, mas ele afirma não saber o que vai fazer com as vagas extras. “Quem já estava com reserva feita cancelou”, conta.
“O lazer daqui é praticamente todo pela água. Muita gente vinha para o rio e para o mar, mas agora não vai ter esse atrativo”, explica. “Mas, na verdade, o que mais me machuca mesmo não é o impacto financeiro, porque o homem tem até culpa nisso, pelo lixo que produz todo dia. O que mais dói mesmo é a morte da natureza, dos peixes, dos bichos, que não sabem de nada e não tem nada a ver com isso.”
“Câncer”
Apesar de visivelmente abalada com a tragédia, Luciana exibe firmeza ao falar do futuro da vila. “Não podemos parar. Temos que aproveitar oportunidades, ter criatividade, inovar, renovar. Regência continua com sua magia, com sua história, cultura", afirma.
Eu prefiro pensar que é um câncer, sabe? E, como muitos seres humanos vencem essa doença, acredito que a nossa comunidade vai vencer também”, diz.
O pescador Wesley conta que nem imagina o que vai fazer da vida a partir de agora, mas diz esperar que os moradores afetados se unam para tentar reverter os danos causados pela enxurrada de lama.
“Eu não sou obrigado a mudar a minha vida porque teve um ganancioso lá em cima que veio e destruiu tudo. A gente fica indignado, mas é aí que temos que ter mais força, porque somos o elo mais fraco da corrente. Vamos brigar? Vamos. Sabemos que a briga é com tubarões, mas não seremos fracos se nos unirmos.”
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