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Semana violenta no Rio deixa quase 30 mil alunos sem aula

25.abr.2017 - Estudantes fazem protesto pedindo paz no Complexo do Alemão - Betinho Casas Novas/Futura Press/Estadão Conteúdo
25.abr.2017 - Estudantes fazem protesto pedindo paz no Complexo do Alemão Imagem: Betinho Casas Novas/Futura Press/Estadão Conteúdo

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

06/05/2017 04h00

De segunda a sexta, a vendedora Anita Maria da Silva, 36, acorda os três filhos, de 12, 11 e sete anos, às 6h, prepara o café e reforça a orientação de sempre antes que eles partam para a escola, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro:

"Se virem muitos homens armados na rua, voltem; se começar algum tiroteio, voltem; se não houver como voltar, batam na casa de alguém, se escondam e aguardem ou então deitem no chão e se protejam."

Com frequência, é a própria escola que avisa os pais que não é seguro abrir as portas: apenas entre a terça (2) e a sexta (5) desta semana, 26.964 alunos ficaram sem aulas nas escolas municipais da capital fluminense devido a tiroteios e operações da polícia --cerca de 4% dos 641.554 estudantes da rede municipal na cidade.

Na última terça (2), uma guerra entre facções criminosas deixou nove ônibus e dois caminhões queimados em vias importantes, paralisando parte da capital. A crise econômica, aliada à decadência da política de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), tem refletido no aumento da violência no Rio.

Anita moradora Alemão - Anita Maria da Silva/Arquivo Pessoal - Anita Maria da Silva/Arquivo Pessoal
Anita orienta os filhos a voltarem para casa ou se esconderem em caso de tiroteio
Imagem: Anita Maria da Silva/Arquivo Pessoal
“É revoltante isso. Você não sabe o que é a gente se esforçar para comprar material todos os anos, incentivar as crianças a irem para a escola e as crianças não poderem estudar”, desabafa Anita.

Assim como no Alemão, em que cinco pessoas foram mortas apenas nesta quinta-feira (4) durante operação do Bope (Batalhão de Operações Especiais), diversos outros bairros sofrem com confrontos praticamente diários tanto entre criminosos quanto entre criminosos e agentes públicos.

Nesta semana, 83 escolas em 18 bairros cariocas, todos localizados nas zonas norte e oeste da cidade, fecharam as portas em algum momento.

No fim de março, a adolescente Maria Eduarda Alves da Conceição, 13, morreu após ser atingida por bala perdida quando bebia água em um bebedouro no intervalo de um treino no pátio da sua escola, na favela de Acari, zona norte da cidade.

Professor da pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília e um dos fundadores da ONG Todos Pela Educação, Célio da Cunha acredita que o impacto da violência na escola vai além dos já esperados problemas de defasagem no currículo escolar.

“A criança falta à aula, entra na escola com medo, os professores tentam recuperar, mas já não é a mesma coisa. Mas, para além disso, há o impacto na formação. O processo de socialização num ambiente de medo tem influência na personalidade. A criança se desenvolve com medo do mundo, tem a autoimagem, a autoestima, o seu processo de cidadania prejudicado”, afirma.

A Secretária Municipal de Educação informou que vê com preocupação o excesso de dias em que os alunos ficam sem ter como ir à escola e estuda qual a melhor forma para recuperar os conteúdos perdidos. Para Camila Santos, 32, também moradora do Alemão e mãe de três filhos, não é o bastante.

5.mai.2017 - Camila Santos, moradora do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, e os filhos de um ano e meio, quatro e sete anos - Camila Santos/Arquivo Pessoal - Camila Santos/Arquivo Pessoal
"Calculo que meus filhos já perderam um mês de aula", diz Camila
Imagem: Camila Santos/Arquivo Pessoal
“Desde o começo do ano, calculo que meus filhos já perderam um mês de aula e, até agora, não vi isso ser recuperado. Como fica o futuro deles?”, questiona.

Junto com outras mães, ela criou um grupo de Whatsapp para trocar informações sobre a situação da escola e acostumou-se a telefonar para o colégio antes de sair com os filhos de casa. “Tem vezes que eu consigo chegar até a escola, mas outras mães não conseguem. A gente se avisa. Em outros momentos, mesmo com a escola aberta, não há como ir. A diretora me disse: ‘Cabe à senhora decidir sobre a segurança do seu filho’”, conta.

Camila havia combinado de levar o assunto neste sábado (6) à primeira reunião de pais e mestres do ano. O encontro foi cancelado devido à falta de segurança na região.

Crise na segurança

As últimas semanas no Rio de Janeiro foram marcadas por uma sucessão de episódios de violência que expôs a grave crise que atinge a segurança pública na cidade.

Houve tiroteios e mortes em favelas cariocas; incêndios de ônibus bloqueando vias e gerando saques, confrontos e mortes em torno da construção de uma torre blindada da Polícia Militar em uma das principais vias da comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão --onde cinco pessoas morreram em mais um confronto, apenas na quinta-feira (4).

Em reunião no Rio nesta semana o secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, general Carlos Alberto Santos Cruz, anunciou o envio de até 350 homens da Força Nacional de Segurança em apoio às ações de enfrentamento ao crime organizado e à violência urbana na cidade.

A ideia é que, no primeiro momento, cem policiais sejam deslocados para o Rio de Janeiro, mas o reforço seria ampliado à medida que Ministério da Justiça e governo do Estado negociem e resolvam todas as pendências burocráticas. Além da Força Nacional, o Executivo fluminense requereu aumento do efetivo da PRF (Polícia Rodoviária Federal) nas estradas fluminenses.

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