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Após 2017 com 134 assassinados, PM é baleado no Rio; por que essa é a 1ª de muitas mortes

Enterro do PM Fábio José Cavalcante e Sá, centésimo PM morto no RJ em 2017 - Fábio Guimarães/Extra/Agência O Globo
Enterro do PM Fábio José Cavalcante e Sá, centésimo PM morto no RJ em 2017 Imagem: Fábio Guimarães/Extra/Agência O Globo

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

03/01/2018 04h00Atualizada em 03/01/2018 11h39

O sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro Renato Fagundes de Oliveira caminhava até uma padaria próxima à sua casa em São Gonçalo, no último sábado (30), quando reagiu a um assalto. Já o PM aposentado Gilmar Alves bebia em um bar com amigos em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, quando foi morto a tiros na madrugada da sexta (29).

Juntos os dois somam-se à triste estatística que coloca 2017 entre um dos anos com o maior número de policiais militares assassinados no Estado desde 2007. Foram 134 PMs mortos entre janeiro e dezembro --um a menos que em 2016--, e 2018 não dá sinais de que a situação será diferente.

Nesta quarta-feira (3), Ivanderson da Silva Pinheiro foi a primeira vítima do ano. Aos 38, o soldado levou um tiro na cabeça em uma tentativa de assalto quando passeava de carro em São Gonçalo. No dia 1°, outro PM foi internado depois de ser baleado em uma operação no Jacarezinho, favela na zona norte da cidade.

A corporação teve a tropa reduzida em 2.000 policiais em pouco mais de um ano e está com mais da metade de seus veículos parados por falta de manutenção.

Assim como o restado dos servidores do Estado, os agentes ainda não receberam o 13º de 2017, além de terem o pagamento do RAS (Regime Adicional de Serviço), programa que coloca agentes de folga em escalas de serviço, atrasado há mais de um ano.

Não existe absolutamente nada que nos faça acreditar que teremos um 2018 melhor que 2017.

Ibis Silva Pereira, ex-comandante-geral da Polícia Militar no RJ

Segundo o coronel reformado, a vitimização policial segue alta há anos, sem que tenham sido tomadas providências para mudar esta situação. “Se esse governo possui algum programa, ou planejamento especificamente voltado para reduzir as mortes de policiais ainda não apresentou. Esse ano, receio, não será diferente.”

"Política de confronto"

O relatório final da CPI da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) que investigou mortes de policiais, apresentado em setembro, aponta que os agentes do Rio correm seis vezes mais risco de morrer do que policiais de São Paulo, situação agravada pela “política de confronto” adotada no Estado.

De acordo com a pesquisadora da Maria Cecília de Souza Minayo, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), citada no relatório, o Rio alcançou, em 2014, uma taxa de 265 mortes por 100 mil policiais. Já em São Paulo, no ano anterior, o índice foi de 41,8 por 100 mil policiais.

A CPI compara ainda a taxa de mortes de policiais no Estado e a registrada em outros países. Nos Estados Unidos, a taxa é de de 7,1 mortes por 100 mil policiais, 37 vezes menor do que a registrada no Rio. Na Alemanha, 1,2 por 100 mil e, na Inglaterra e País de Gales, a taxa não passa de uma morte por 100 mil agentes.

“Este tipo de política de confronto tem levado ao quadro de alta mortalidade de policiais. O uso indiscriminado de elevado número de policiais em operações em determinadas áreas acaba por expor aqueles que, posteriormente, ao fim da ação, permanecem na localidade para manutenção da ordem pública (UPPs).”

“O reflexo da política de confronto acaba por tornar tanto o policial civil quanto o policial militar, vítimas de verdadeiras caçadas que ocorrem a qualquer hora do dia ou da noite”, diz o relatório, que ainda será votado pela Casa.

Medo cotidiano

Mesmo atividades cotidianas, como usar o transporte público, são consideradas perigosas para policiais. Diversos PMs relataram à ONG Human Rights Watch que evitam pegar ônibus e metrô fardados --com o uniforme, poderiam andar de graça-- e carregar a identificação profissional por medo de serem reconhecidos.

Dos 134 policiais assassinados no Rio neste ano, apenas 28 estavam em serviço.

Levantamento feito pelo UOL em agosto, quando foi assassinado o centésimo PM em 2017, revelou que a cada dez policiais militares assassinados no Estado, quatro perderam a vida em circunstâncias envolvendo suposta ação de assaltantes, o que inclui ocorrências onde houve tentativa de reação por parte do militarO levantamento também mostrou que cerca de 60% das mortes aconteceram na Baixada Fluminense e na zona norte da capital fluminense.

"O medo de que criminosos os identifiquem como policiais durante um roubo, ainda que estejam sem farda, e de serem consequentemente executados faz com que reajam rapidamente, mesmo que enfrentem sozinhos vários criminosos", afirma a ONG no relatório "O Bom Policial Tem Medo".

"É extremamente perigoso ser policial", afirmou o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), em entrevista ao UOL ao lembrar que, no Rio, assim como no resto do país, a maior parte das mortes de policiais ocorre quando os agentes estão sem a farda --seja fazendo bicos, em conflitos privados ou quando reagem a assaltos.

"A polícia mata muita gente, há um excesso do uso da força. E os criminosos se vingam depois, quando os PMs estão fora de serviço e são reconhecidos como policiais"

Ignácio Cano, sociólogo

Considerando os números registrados entre janeiro e novembro deste ano, dado mais recente divulgado pela Secretaria de Segurança, 38 pessoas morreram para cada policial morto no Estado.

Necessidade de ações planejadas

Para o presidente da CPI, deputado estadual Paulo Ramos (PSOL), operações policiais que têm “criminosos como inimigos” e se pautam "pela lógica da guerra", geram sentimento de vingança e mais violência.

"Na política de guerra, quando se define o inimigo, esse inimigo também te percebe como inimigo", afirmou o parlamentar ao defender mais ações planejadas e menos operações de reação a episódios de violência. "É preciso restabelecer o papel institucional das polícias. A Polícia Militar, com o patrulhamento ostensivo, e a Civil, com a investigação pelo inquérito policial."

Além do fim da política de confronto, o relatório da CPI recomenda como formas de reverter a situação o aperfeiçoamento na formação, intensificando o treinamento de defesa e situações de crise dos policiais; a busca por melhores tecnologias de defesa pessoal; a maior difusão de informações sobre direitos trabalhistas e previdenciários; o reforço nas estruturas de atendimento psicológico às famílias e a melhoria dos bancos de dados sobre doenças causadas pelo estresse da profissão.

A comissão pede também a realização de campanhas publicitárias sobre boas práticas policiais e a importância do serviço prestado à sociedade.

PM diz investir em treinamento

Procurada, a Secretaria de Segurança informou que a resposta caberia à Polícia Militar. Segundo a PM, a corporação tem tomado medidas para reduzir os assassinatos dos agentes, como o Programa de Qualificação e Aperfeiçoamento Profissional e o Programa Deslocamento Seguro, que intensifica o policiamento em trajetos onde foi registrada a maior incidência de vitimização policial.

“Com vistas a aprimorar os serviços prestados pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro à população, uma nova edição do Programa de Qualificação e Aperfeiçoamento Profissional está sendo realizada desde janeiro de 2017. Trata-se de um conjunto de instruções que têm por objetivo aumentar a responsabilidade em relação ao uso da força e de armas de fogo, bem como a atenção à saúde física e psicológica dos policiais militares.”

“O treinamento se baseia na metodologia do uso progressivo da força, se iniciando com instruções de abordagem segura usando de verbalização adequada, tomada de decisão (que envolvem procedimentos para evitar ações por impulso), técnicas de tiro de defesa, dentre outras disciplinas que compõem o programa. O QAP existe desde 2015 e tem caráter preventivo. Futuramente, será exigido a todos os policiais da Polícia Militar e será realizado uma vez por ano.”

(Com informações da Agência Brasil)