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Celebrar morte banaliza o ser humano, diz chefe da comissão da OAB-GO

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

30/06/2021 04h00

A comemoração pela morte de Lázaro Barbosa e os comentários sobre as imagens do criminoso atingido por balas chamaram a atenção do presidente da Comissão de Direitos Humanos da seção goiana da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Serra da Silva Maia.

"Isso meu causou uma perplexidade, porque elas foram compartilhadas como uma celebração da morte de uma pessoa." Entre as pessoas que celebraram a morte, está o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Independentemente da pessoa [que morreu]. Poderia ser a pessoa encarnada na forma de demônio. Mas a gente não pode celebrar uma morte. Porque, quando você celebra uma morte, você banaliza o ser humano completamente.
Roberto Serra da Silva Maia, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO

Maia soube que Lázaro havia sido encontrado após 20 dias de buscas e morto pela polícia na segunda-feira (28) através de sua filha, de 14 anos de idade, que recebeu imagens do criminoso pelas redes sociais. O fugitivo estava se escondendo no interior de Goiás após ter assassinado quatro pessoas em Ceilândia (DF) em 9 de junho.

O presidente da comissão da OAB-GO, agora, aguarda os resultados das investigações sobre o desfecho do caso. Ele reforça que esse é um procedimento padrão após ocorrências que envolvam morte.

Maia cita como comparação um cenário em que o ladrão é morto durante o assalto a uma residência pelo proprietário do imóvel. "Isso [legítima defesa] não vai impedir a instauração de inquérito para apurar o fato", diz.

"Todo aquele que causa a morte de alguém deve responder por esse ato. Se a pessoa agiu em legítima defesa, se estava no estrito cumprimento do dever legal, não importa", complementa, lembrando que o inquérito ajudará a entender o que aconteceu na ocorrência.

Investigação necessária

"É necessária a investigação para apurar o limite da legalidade na atuação policial", diz. Defender o inquérito, explica o presidente da comissão, não significa, de maneira nenhuma, apoio a Lázaro. Ele, porém, fica incomodado com a maneira como a sociedade vê esse posicionamento.

Como exemplo, ele comenta a respeito da nota emitida ontem pela OAB-GO, na qual a entidade disse que se "solidariza com aquelas pessoas vitimadas pelo fugitivo, com a população da região que se sentia atemorizada, assim como com os agentes de segurança que participaram das buscas".

Mesmo assim, a OAB foi criticada por dizer que "aguarda a investigação da Polícia Civil, que irá apurar, dentre outros pontos, se as circunstâncias da morte do foragido ocorreram nos limites da legalidade". Na ação, Lázaro foi atingido por mais de 30 disparos e nenhum policial ficou ferido.

"A luta da comissão, principalmente quando se trata de Estado, é para evitar os abusos", comenta Maia. "Se são festejados com uma pessoa tida como criminosa, qualquer um de nós amanhã pode vir a ser apontado como criminoso. E aí nós estaremos admitindo implicitamente que esses eventuais abusos respinguem em nós mesmos."

Limites da legalidade

O presidente da comissão reforça que, no desfecho do caso Lázaro, ainda não é possível se falar em abuso porque as circunstâncias ainda estão em apuração. "O que esperamos é que de fato haja uma investigação e que se apure se o caso transcorreu dentro dos limites da legalidade. Se o caso extrapolou, que aqueles que extrapolaram sejam devidamente punidos para que aquilo não se repita."

Maia, inclusive, ressalta que as pessoas que foram atacadas por Lázaro durante sua fuga têm o direito de pedir uma reparação ao Estado. "Porque Lázaro estava aos cuidados do Estado, fugiu e causou mais mortes", explica.

"Também elas são possuidoras de direitos humanos. Um dos principais direitos humanos é o direito à vida, é o direito à segurança. E quando esse direito é rompido, compete ao Estado. Se você não controlar esse direito, vai ocorrer abuso."

Os direitos existem pelo simples fato de a pessoa ser humana. Essa isenção, essa equidade de tratamento, é que faz com que todos nós sejamos tratados igualmente.
Roberto Serra da Silva Maia, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO

Maia pontua que há dificuldades em relação ao caso, pois poucas informações são de conhecimento público. Ele também indica dúvidas que precisam ser respondidas pela Polícia Civil, como se houve preservação do local em que Lázaro foi encontrado.

O presidente da comissão também pede que o MP (Ministério Público) de Goiás se manifeste a respeito do caso, já que compete ao órgão fazer o controle externo da polícia. Procurada, a assessoria do MP disse que não iria fazer comentários no momento.

Maia diz que um posicionamento do MP seria importante "para que também a sociedade tenha essa percepção de que os agentes de segurança devem exercer o seu papel de resguardar, preservar a segurança da sociedade, mas que eles não têm carta-branca para sair por aí fazendo justiça com as próprias mãos".

"Sem com isso criticar, especificamente, no caso concreto, a atuação dos policiais, que foram importantes para o desfecho", diz o presidente da comissão. "Agora, esse desfecho precisa ser devidamente finalizado para que essa sensação não fique 'sobrevoando' na consciência de cada um, achando que se pode tudo, de qualquer forma, dependendo do criminoso."