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Renascer, Bola de Neve... Por que há tantas igrejas evangélicas diferentes?

Ainda que a Bíblia seja o livro sagrado de todas as igrejas evangélicas, elas possuem propostas diferentes entre si - Freepik
Ainda que a Bíblia seja o livro sagrado de todas as igrejas evangélicas, elas possuem propostas diferentes entre si Imagem: Freepik

Do UOL, em São Paulo

15/07/2023 04h00Atualizada em 18/07/2023 13h45

As igrejas evangélicas tiveram rápida expansão no Brasil. Só em 2019, foram abertos 17 novos templos em média por dia no país. A informação é de um dos estudos mais recentes sobre o tema, realizada pelo pesquisador Victor Araújo, cientista político da Universidade de Zurique, na Suíça.

As tantas denominações evangélicas existentes no Brasil apresentam nomes e propostas muito diferentes entre si, ainda que tenham um mesmo livro sagrado em comum: a Bíblia.

Há igrejas mais conservadoras, outras inclusivas, acolhendo pessoas LGBQIA+, e até mesmo aquelas que unem fiéis por meio dos passatempos ou estilos musicais em comum.

De um modo geral, segundo a pesquisa de Araújo, as igrejas evangélicas podem ser classificadas como:

Missionárias: Ligadas às ideias que vieram da reforma protestante do século 16. São as primeiras igrejas evangélicas que chegaram ao Brasil (Por exemplo, a Batista e a Metodista).

Pentecostais: aceitam a manifestação do Espírito Santo e acreditam que ela pode levar a curas e a eventos sobrenaturais, segundo explicou Araújo à BBC. Um exemplo é a Assembleia de Deus.

Neopentecostais: fazem parte da terceira onda do movimento evangélico e se diferem dos pentecostais por alguns costumes, como uma maior presença nos meios de comunicação. Entre os exemplos, está a Universal do Reino de Deus.

Mas, como tantas igrejas podem coexistir em uma mesma vertente?

O próprio nascimento do protestantismo explica. Ocorrida na Europa do século 16, a Reforma Protestante deu origem ao protestantismo que, dentre outras características, rejeitava a supremacia papal e discordava dos sacramentos da Igreja Católica Romana.

O propulsor do movimento foi Martinho Lutero, que publicou em 1517 as "Noventa e cinco teses", em que argumentava que apenas a fé na Bíblia e escrituras sagradas seria o caminho para a salvação de uma alma.

Assim, desde aquela época, a pluralidade de ideias já era presente no movimento cirstão. Como não havia uma instituição centralizadora, como é o caso do Vaticano e do papa, há uma maior liberdade para se organizar e criar grupos com diferentes propostas.

O protestantismo vai traduzir a Bíblia para o vernáculo (isento de estrangeirismo), como forma de os fiéis terem acesso às escrituras sagradas e assim conhecer a palavra divina para obter a salvação por meio da fé na Bíblia. Assim, é possível ter diferentes grupos cristãos, diferentes instituições, porque Deus estará presente desde que as pessoas comunguem a fé naquela palavra. Há uma pluralização institucional do cristianismo.
Ricardo Mariano, doutor em sociologia pela USP

No Brasil, o protestantismo se multiplica e é 'abrasileirado'. Apesar do movimento ser presente no país ainda no século 16, com influência dos ingleses, um grande marco é a chegada de missionários dos Estados Unidos, no século 19. Por meio deles, nascem grupos tipicamente brasileiros, agregando a realidade do país às vertentes.

Experimentamos uma pregação desses missionários e ao longo do século 20 isso se multiplica e vão surgindo grupos brasileiros, mais contemporâneos, que nascem aqui no país. Na década de 1950 vemos nascer esses grupos, que não estão ligados aos missionários, e vemos como fenômenos do próprio país vão interferindo na igreja.
Magali Nascimento da Cunha, pesquisadora do ISER (Instituto de Estudos da Religião)

Assim, novos formatos são criados. A ideia de ocupar e evangelizar faz com que igrejas também se apropriem daquilo que antes era considerado mundano. A partir dos anos 1940, por exemplo, o rádio, a TV e a música tornam-se aliados para a pregação do Evangelho, conquistando então novos públicos.

Já nos anos 1980, a Renascer em Cristo, por exemplo, teve um papel decisivo na difusão do gospel, pois evangelizava jovens na Galeria do Rock, em São Paulo. A igreja teve bandas muito conhecidas. Há uma ocupação de teatro, cinemas, estádios de futebol, praça pública, algo que já tem mais de meio século no Brasil, transformando até espaços antes sucateados em novas igrejas. O pentecostalismo, por exemplo, tende-se a adaptar em prol da evangelização. Reagem às mudanças culturais e à pluralização da sociedade, inclusive comportamental, mas também vão se adaptando.
Ricardo Mariano, doutor em sociologia pela USP

A própria urbanização do Brasil potencializa essa pluralidade. Com o crescimento das cidades, há o surgimento de "tribos" dentro do universo evangélico. No mundo urbano, as pessoas passam por um processo de individualização, o que permite mais escolhas baseadas nessa individualidade.

Há um agrupamento de pessoas por afinidades como aqueles que se unem em uma igreja porque gostam de esportes: é o caso da Bola de Neve. Essa multiplicação de grupos tem relação com a origem do protestantismo, com essa liberdade diferente da Igreja Católica, mas também com essa característica da contemporaneidade, em que as pessoas se sentem deslocadas em ambientes tradicionais e buscam espaços onde têm maior identificação.
Magali Nascimento da Cunha, pesquisadora do ISER

Portanto, desde o nascimento, igrejas evangélicas são plurais. Entre elas há divergências sobre a interpretação da Bíblia e forma de evangelizar — isso explica por que é possível tantas igrejas diferentes coexistirem em uma mesmo movimento.

Nem sempre esses processos de produção de novas formas de evangelizar e de ser cristão são aceitas como legítimas. Há muitas disputas internas nesse campo religioso sobre o que é ou não verdadeiramente cristão. É possível ver, por exemplo, uma disputa entre direita e esquerda evangélica. Há que tomar cuidado para não homogeneizar algo que é plural.
Ricardo Mariano, doutor em sociologia pela USP