'Sou gay, fui expulso de casa e fundei uma igreja'; conheça a Arena Church
Chlisman Toniazzo tinha 19 anos quando foi expulso de casa por ser gay. Na época, havia sido incentivado pelo pastor de uma igreja da cidade em que nasceu, Chapecó (SC), a passar por um tratamento que prometia conversão sexual. Ao perceber o equívoco, iniciou um processo de assumir a própria identidade — que, mais tarde, resultou na criação da Arena Church, uma igreja apostólica afirmativa e inclusiva.
A igreja, com sede em Brasília e células em outras capitais, busca acolher pessoas LGBTQIA+, tanto por meio de ações comunitárias, como sendo um refúgio para os cristãos que se identificam com a proposta. Ao UOL, Chlisman contou a sua história.
Um lar cristão
"Nasci num lar evangélico, basicamente na Assembleia de Deus. Cursei teologia, me formei no seminário vinculado à Igreja e desde muito novo, tinha oportunidade para congregar. Quando tinha uns 15 anos, ainda no seminário, sabia que era gay, sempre soube, mas até então nunca tive um envolvimento afetivo.
Na época, procurei um pastor, que era de outra igreja. Tinha medo que se fosse na que frequentava, o pastor de lá contasse para a minha família. Fui em busca de uma cura. Não sabia até então de ninguém que tinha se assumido. Só ouvia sobre pessoas que tinham se convertido, que tinham sido curados, sempre com esse sentido negativo.
Expliquei o que estava vivendo, que tinha ficado com um menino da escola. Ele me sugeriu um ano de acompanhamento de cura e libertação, que envolvia jejum e orar no topo do monte. Fiz isso, passei por uma espécie de retiro, por sessões de libertação para 'tirar demônio', desbloquear a mente para não ter mais traumas — porque pensava-se que homossexualidade poderia ser trauma.
Depois, me recomendou namorar uma moça e começar a ter uma vida mais ativa sexualmente com o sexo oposto. Tentei, mas percebi que não conseguia. Disse isso e chorei muito. Ele disse que não sabia mais o que fazer para ajudar. Então falei: 'Já pensou que pode não ser pecado? Se orei tanto, jejuei tanto, e não mudei...' E ele me disse: 'Pode até ser que não seja, mas a Igreja não vai aceitar você aqui com outro homem.'
Ele orou por mim, disse para ter cuidado com IST's. Eu sabia que o meu pastor era mais tradicional e que seria igual ou pior, então fiquei na minha.
Expulsão de casa
Quando entendi que não ia mudar, começou uma luta interna para me aceitar e conheci outro menino. Tentei equilibrar isso. Ia para uma igreja que condenava a homossexualidade e, ao mesmo tempo, vivia um relacionamento homossexual. Chegou um ponto que alguém percebeu que eu tava em uma relação com um menino e aquilo chegou ao pastor e ele me chamou, dizendo para arrumar uma namorada.
Com o passar do tempo, o pastor continuava me chamando, perguntando sobre meus relacionamentos com mulheres. Eles chegaram até a me indicar uma pessoa para namorar. E, enfim, ele perguntou se eu era homossexual. Eu não estava preparado para uma pergunta à queima-roupa e não tive coragem de dizer. Perguntei: 'E se eu for?'. Ele disse que era pecado e começou com todos os textos condenatórios.
Falei de outras pessoas envolvidas em polêmicas, coisas que todo mundo sabia, mas fingia que não sabia, como adultério, filho fora do casamento, situações em que a Igreja em tese deveria condenar. Ele disse que eu estava acusando irmãos, pediu para eu sair da sala e me expôs. Depois, contou para a minha família e a minha mãe me colocou para fora de casa.
Tinha 19 anos. Foi muito difícil, até porque além de fiel, ainda trabalhava na igreja.
Novas portas que se abriram
Naquela época, também enfrentava o luto do meu avô. Achava que tudo isso poderia ser um castigo de Deus e tentei contra a minha vida três vezes. Em uma delas, quase consegui. Quando o médico foi me dar alta, ele disse: 'Você é um cara tão jovem. O que você tá passando deve ter solução', e me orientou a procurar um psiquiatra.
Nesse processo, aprendi que existia nos EUA um movimento desde 1960 que se chama teologia inclusiva. Então, fui atrás de pessoas no Brasil que tinham essa vivência maior. Encontrei um grupo em São Paulo, em um momento que cheguei na cidade extremamente fragilizado. Foi na Comunidade Cristã Nova Esperança que me abraçaram. A partir daí, fui sendo restaurado.
Fui para Natal, no Rio Grande do Norte, e tive a minha primeira experiência como pastor, assumindo uma igreja durante um ano e meio. E de lá a minha vida começou a fazer sentido. Quando minha família soube que eu pastoreava, eles disseram: 'Além de você ir para o inferno, você quer levar os outros com você?'. Eu fui me retirando desse ambiente familiar porque eu não seria respeitado, mas estava recebendo o apoio de outras pessoas.
Uma nova igreja
Comecei com um grupo de estudo de pessoas que vinham até mim para falar sobre religião e homossexualidade. Desde que comecei a estudar, fui percebendo que tinham questões que não estavam sendo abordadas. Para o gay ser aceito, ele tem que se entender de forma bíblica. Então, fui construindo argumentos que eram irrefutáveis, provando por questões teológicas que ser gay não é pecado.
Começamos a nos reunir num espaço maior e chegaram outras pessoas, gente que tocava, cantava, e aí a composição foi ficando diversa.
Começou a ter demanda de gente que queria casar, construir família e fomos cuidando das pessoas em todos os sentidos. A igreja foi acontecendo, a princípio sem cadeiras ou microfones. Hoje, temos uma construção comunitária bem considerável
Nós funcionamos muito próximo a qualquer igreja cristã, protestante, pentecostal. Temos cultos duas vezes por semana, período de louvor, outro para as pessoas que contribuem com a necessidade da comunidade, e tem a pregação da palavra.
Temos uma rede de mulheres em que as mulheres lésbicas começaram a fazer estudos próprios, mas começou a chegar mulheres héteros e hoje, falam sobre a condição da mulher no geral.
Ainda ministramos grupos que reúnem transexuais, para entender essa identidade biblicamente e apoiando essas pessoas por meio de ações sociais e também atuamos na comunidade ao redor das nossas igrejas.
Como é um lugar onde tem muitos gays, há uma tendência da sociedade de olhar para nós com uma má impressão. Então, resolvemos abrir as portas da igreja para servir a comunidade. Às vezes com corte de cabelo de graça, ou um dia de exames, já que temos fiéis de todas as áreas.
Apesar disso tudo, já vieram na nossa porta e começaram a orar para a igreja fechar; atiraram pedras. Tivemos situações que eu tive que sair escoltado porque tinha gente perseguindo no final do culto.
Mas, por outro lado, isso também trouxe uma onda de solidariedade. Outros pastores, inclusive de tradicionais e não homossexuais, nos procuraram para prestar apoio e aprender a lidar quando um cristão LGBT chega na sua igreja. Acho que as igrejas inclusivas vem crescendo porque as pessoas hoje não aceitam mais qualquer coisa sem pensar.
Posso dizer que 90% do público que vem pra nossa igreja são pessoas que nasceram em lar evangélico, ou foram pastores casados em relações héteros, e não conseguiram sustentar o que a igreja pregava como a sua verdade.
Retorno à família
Depois de um tempo, a minha família entendeu que se eles não me respeitassem, não me teriam mais na família. Foi um processo de alguns anos, sem passar o Natal junto, sem ligar no aniversário. Quando a minha avó faleceu, alguns anos depois, nós retomamos o contato e comecei a impor limites. Minha mãe começu a perceber que eu não voltaria atrás, que eu ia viver a vida como eu era e começou a ter mais respeito, mas não falamos sobre o assunto.
Pra a igreja, familia é uma instituição divina de Deus. Mas Ele não a institui em um único formato. O texto bíblico deixa claro a pluralidade de famílias em mais de um modelo.
A Bíblia é recheada de historias de famílias não convencionais.
E a minha relação familiar passou por esse entendimento também. Antes, sofria emocionalmente porque eu me sentia deslocado da família desse modelo. Os amigos se tornaram uma família afetiva, a igreja ganhou esse espaço, e nessas relações você vai ressignificado muita coisa da própria vida.
Para mim, a Arena é uma semente na nossa geração.
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