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Ai Weiwei: "O Estado chinês está com medo"

Ai Weiwei, dissidente e artista chinês - Ed Jones/AFP
Ai Weiwei, dissidente e artista chinês Imagem: Ed Jones/AFP

Bernhard Zand

25/05/2015 06h00

Em entrevista à Spiegel, o artista chinês Ai Weiwei, 57, discutiu a repressão contínua que os ativistas de direitos civis enfrentam na China, por que ele acredita que a mudança gradual no país é inevitável e as violações vergonhosas aos direitos humanos nos Estados Unidos.

Spiegel: Ai Weiwei, a Anistia Internacional vai condecorá-lo com o Prêmio Embaixador da Consciência esta semana em Berlim -– mais uma homenagem que você não poderá aceitar pessoalmente porque seu governo ainda não permite que você viaje para o exterior. O que você faria se lhe devolvessem o passaporte?

Ai: Eu verificaria se todos os dados estão corretos e se o passaporte ainda é válido (risos). Não, eu telefonaria para meu filho, é claro, que mora com a mãe em Berlim e sente minha falta. É doloroso para um pai estar tão limitado e longe do filho. Ele uma vez disse à mãe: "tenho certeza, eles nunca vão devolver o passaporte. Eu tive um sonho sobre isso.”

Spiegel: O seu filho Ai Lao tem seis anos de idade.

Ai: Sim, e ele é uma criança sensível e imaginativa. Quando ele tentou me animar, disse: "Na verdade, seus perseguidores não estão numa situação muito melhor do que a sua. Você pode ter de fugir deles –- mas eles precisam correr atrás de você o tempo todo também." Isso realmente me animou e me deu uma nova perspectiva: meus guardas podem estar tão frustrados quanto eu. E minha angústia e minha insegurança são um reflexo da angústia e insegurança do Estado. O Estado também está com medo.

Spiegel: Nos últimos dois anos e meio, a situação dos direitos humanos na China se deteriorou. Por que o novo governo prende tantos críticos? Por que ele não permite nem mesmo um pouco de liberdade de expressão?

Ai: Não estou surpreso com isso, já passei por momentos muito piores antes. Claro, você se pergunta: o governo é tão duro por motivos táticos ou existe um motivo ideológico mais profundo para isso? No final, acho, a rigidez do Estado é uma função de sua própria insegurança, de sua indecisão.

Spiegel: Uma teoria diz o seguinte: o novo governo ainda está no processo de consolidar seu poder. Uma vez que isso for feito, as coisas podem melhorar.

Ai: Acho que essas teorias estão erradas –- não importa se elas preveem uma melhora ou mais deterioração. O que conta no final é o que o governo faz. Não é uma tarefa fácil governar a China, estou ciente disso. Há crises e emergências o tempo todo, talvez nem saibamos de algumas. Mas temo que tenhamos de esperar e observar exatamente qual é a intenção do governo.

Spiegel: Se você tivesse que destacar um dos muitos casos de direitos humanos na China hoje, qual seria?

Ai: Eu dirigiria a atenção do mundo para o caso de Pu Zhiqiang –- um homem que representa a nova China de uma forma que poucos representam. Ele é um advogado, com uma ótima educação, um homem atencioso que ajudou em muitos casos de direitos humanos. Ele é um homem profundamente enraizado na era Deng Xiaoping –- e não na era de Mao -– e tem contribuído muito para a construção desta nova sociedade. Mas ele se recusa a esquecer o que aconteceu em 1989. E por ultrapassar essa linha, ele está na prisão há um ano e agora é acusado de crimes impensáveis. Não há um fragmento de prova, é claro. Ninguém sabe o que acontecerá com ele. Mas seu caso mostrará para a onde a China vai caminhar nos próximos anos. Ele terá um julgamento justo? A China respeitará o Estado de direito? Será que um dia respeitaremos a liberdade de expressão e opinião uns dos outros?

Spiegel: Como os governos estrangeiros devem lidar com casos como o de Pu Zhiqiang? Diplomatas costumam dizer que os dissidentes só podem ser ajudados discutindo seus casos atrás de portas fechadas.

Ai: Isso está errado. Se os direitos humanos tem algum significado, então eles devem ser discutidos abertamente. Qualquer político que respeite o governo da China deveria dizer abertamente o que sente. É desrespeitoso ficar em silêncio quanto a esses assuntos –- tanto diante do governo quanto das pessoas envolvidas.

Spiegel: Há apenas dois ou três anos, a China se mostrava na defensiva quando questionada sobre o tema dos direitos humanos. Agora, as autoridades costumam reverter as acusações: e quanto aos casos de racismo nos Estados Unidos? E quanto à violação da privacidade por parte dos serviços secretos ocidentais?

Ai: Nenhum Estado ou sociedade pode alegar ter estabelecido os direitos humanos de uma vez por todas. O que estamos vendo nos EUA ultimamente é vergonhoso. Eu uso essa palavra deliberadamente. Se as pessoas estão sofrendo abusos ou mesmo sendo mortas durante uma prisão, isso é altamente preocupante. Há muitos casos e muitas camadas de comportamento racista nos EUA –- desde o tratamento dado pela polícia até questões de educação e oportunidades de emprego. Nos Estados Unidos, no entanto, esses casos estão sendo discutidos publicamente.

Spiegel: E na China?

Ai: A China está em um estágio diferente de desenvolvimento, os direitos humanos são violados com muito mais frequência aqui. E ainda assim, vemos melhorias até mesmo aqui. Há o caso atual de um policial que atirou num homem em uma estação ferroviária, bem na frente da família. Pelo menos, houve uma investigação pública contra esse policial (que foi inocentado em em primeira instância). Algo desse tipo jamais teria acontecido há apenas poucos anos atrás, jamais. Um caso como este teria sido tratado como uma "questão interna da polícia", ninguém jamais teria ouvido falar dele novamente. Isso não pode mais ser feito. A internet estabeleceu uma esfera pública e desenvolveu uma pressão que o governo não pode mais ignorar. Devemos usar esta esfera pública e redefinir -– além das fronteiras da China – o que um governo pode fazer, onde terminam seus poderes e onde começa o domínio privado do cidadão.

Spiegel: O governo da China vem prendendo mais ativistas de direitos civis nos últimos tempos do que em muitos anos, mas ao mesmo tempo muitos cidadãos estão ficando mais confiantes. A blogosfera da China está cheia de ironia e sarcasmo, e os censores muitas vezes não conseguem excluir os textos com a mesma velocidade com que eles aparecem.

Ai: Tivemos só alguns dias frios em Pequim. Ainda assim, o verão chegará. E isso é verdade para a China como um todo. No momento, cerca de 350 mil estudantes voltam do exterior para a China a cada ano -– 350 mil pessoas jovens e com boa educação. Eu sei disso porque elas me conhecem e costumam pedir para tirar selfies comigo na rua. Essas pessoas são criativas e irônicas, e no fim das contas, o governo não pode controlar o que está acontecendo em suas cabeças. Mesmo que tenha havido retrocessos nestes últimos anos, a China está mudando. A sociedade chinesa está se abrindo.

Spiegel: Esta abertura é sustentável -– ou aqueles que querem isolar a China e fazer o relógio voltar atrás podem prevalecer?

Ai: Não acho que muitas pessoas de fato queiram fazer isso. O governo não quer fazê-lo e a pessoa mais importante tampouco o quer.

Spiegel: Você quer dizer o presidente Xi Jinping?

Ai: A liderança sabe que não é possível resolver os problemas do futuro da China com os meios do passado. As consequências demográficas da política do filho único, o aumento do estado de bem-estar social, empregos para 7 milhões de estudantes universitários formados por ano, a corrupção imensa: até alguns governos ocidentais teriam dificuldade para encontrar soluções para esses problemas.