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Caos de refugiados na Macedônia é um risco à vida de mulheres e crianças

Imigrantes tentam entrar em um trem que tem como destino a Sérvia, na estação de Gevgelija, na Macedônia. Desde o início do ano, cerca de 160 mil imigrantes desembarcaram em países do sul da Europa - Georgi Licovski/EFE
Imigrantes tentam entrar em um trem que tem como destino a Sérvia, na estação de Gevgelija, na Macedônia. Desde o início do ano, cerca de 160 mil imigrantes desembarcaram em países do sul da Europa Imagem: Georgi Licovski/EFE

Raniah Salloum

Em Gevgelija (Macedônia)

20/08/2015 06h01

É segunda-feira, no início desta semana, e o que é visto ocorrendo ao longo da rota para a Macedônia representa uma imigração em massa, com cerca de 200 pessoas percorrendo a rota pelos Bálcãs rumo à Europa Ocidental apenas neste dia. Elas chegaram aqui provenientes de Aleppo, Homs, Kobani, Tartus, Hama e Damasco. De fato, grande parte da população da Síria parece estar em fuga no momento, enquanto busca por um local seguro. O grupo caminha ao longo dos trilhos ferroviários que levam da aldeia grega de Idomeni para a cidade de Gevhelija, na Macedônia.

"Boa sorte, Kobani!" uma família de Damasco diz ao passar por um grupo de curdos sírios. "Boa sorte, Damasco", eles respondem. Mas não chegam muito longe.

Eles logo encontram cinco policiais macedônios aguardando ao longo dos trilhos na terra poeirenta e pisoteada. Eles ordenam que as pessoas esperem sem lhes dizer o motivo e nem por quanto tempo. Os sírios retiram suas mochilas e as colocam no chão. Mulheres e crianças procuram por um lugar à sombra. Passadas cinco horas, o grupo em espera incha para cerca de 400.

Nem todos são sírios. Alguns poucos iraquianos chegaram até aqui. Alguns agora alegam ser sírios, o que lhes daria maior chance de sucesso em seus pedidos de asilo e procedimentos mais rápidos. Um homem sírio aponta para oito homens e mulheres jovens da África. "Todos aqui agora são da Síria, mesmo aquelas pessoas ali", ele diz, sorrindo.

Todas as pessoas aqui têm pelo menos uma coisa em comum: elas chegaram à Europa nos últimos dias via uma das ilhas gregas que ficam próximas da costa turca –-Kos, Lesbos ou Chios. Todo dia, cerca de 1.000 a 1.500 pessoas chegam às ilhas, um número nunca visto antes. A maioria deseja prosseguir para a Europa Ocidental o mais rápido possível. O aumento imenso de refugiados criou um gargalo perigoso na principal rota pelos Bálcãs.

À beira da praça, duas bancas gregas foram montadas vendendo fast food, sorvete e água para os refugiados. Apesar da sensação de que a maioria na região de fronteira gostaria de se livrar dos hóspedes indesejados, eles também parecem dispostos a ganhar algum dinheiro antes de despachá-los.

Após quatro horas de espera, um policial macedônio finalmente explica a situação em inglês. "Há um congestionamento de pessoas mais adiante. Está lotado e é um risco à vida para mulheres e crianças." Um  gargalo perigoso se formou na cidade macedônia de fronteira de Gevgelija. Apenas três trens partem da cidade por dia para a fronteira sérvia no norte, com milhares de refugiados disputando assentos a cada partida.

Segundo as atuais regras de asilo da União Europeia, os requerentes são tecnicamente obrigados a permanecer na Grécia, na condição de primeiro país europeu onde botaram os pés. Mas um tribunal ordenou recentemente que os outros países-membros da UE não podem ordenar o retorno dos refugiados à Grécia. A posição do tribunal era de que as condições para os refugiados são ruins demais no país abalado pela crise financeira.

A Macedônia e a Sérvia fornecem documentos que permitem que os refugiados permaneçam nos países por 72 horas, período no qual devem se registrar e requerer asilo. Mas três dias também é tempo suficiente para poderem seguir caminho para a Europa Ocidental. A maioria prossegue na jornada.

Cinco horas passam sob forte calor. Um agricultora grega passa vendendo maçãs por 1,50 euro (R$ 5,23) o quilo. "Vitaminas, vitaminas", ela diz em grego.

"Dinheiro, essa é a vitamina", diz Firas, um homem de Damasco, que então deixa escapar um riso. O homem está barbeado, tendo passado a noite anterior com sua família em um hotel. A família vem de um bairro em Damasco onde moram diplomatas e ricos. Ela não se mistura.

Firas, que está vestindo uma camisa azul claro limpa, se recosta em uma árvore e olha para as pessoas aguardando. "Nunca imaginei que um dia viajaria junto com pessoas desse tipo", ele diz. A maioria dos sírios aqui é de origem mais humilde que Firas e teve muito mais dificuldade para reunir o dinheiro necessário para suas famílias viajarem para a Europa.

'Eles falam francês na Holanda?'

Costuma ser surpreendente quão pouco os refugiados que aguardam aqui sabem sobre seus países de destino. A maioria deseja ir para a Alemanha ou Suécia –-locais onde ouviram dizer que as condições são particularmente boas para os refugiados. De fato, é verdade que todo sírio que entra na Suécia recebe uma licença de residência ilimitada –-ao menos essa é a política por ora. Mas já existem rumores dentro do governo de uma mudança na política, diante do aumento recorde de requerentes de asilo. Para a maioria dos refugiados, os pensamentos sobre a Alemanha evocam as empresas mundialmente famosas do país. Muitos acreditam que conseguirão encontrar rapidamente um emprego ali. Poucos param para pensar que um emprego como mecânico de carros em Stuttgart pode ser significativamente diferente do mesmo trabalho em Aleppo.

Os refugiados também têm perguntas para os jornalistas europeus que chegam para entrevistá-los. "Qual é o melhor país?" "Posso obter cidadania rapidamente na Alemanha? Minha família conseguirá se juntar a mim ali?" "A Alemanha é um lugar difícil?" "A Áustria não faz parte da Alemanha?" "Eu soube que é frio na Suécia. Isso é verdade?" "Eu gostaria de ir para a Holanda. Eles falam francês ali, não é?"

Duas mulheres grávidas começam a procurar por uma área com sombra para seus filhos. Elas seguem na direção de uma fileira de árvores, mas um policial não quer que elas fiquem ali. Ele bate na mulher com seu cassetete. A ação enfurece os refugiados, mas não há uma escalada na situação. Ninguém intervém e os refugiados voltam a se sentar. "Que idiota", eles dizem. "É o que chamam de direitos humanos?" dispara outro.

'Prefiro morrer em Bagdá'

É um dia longo, melancólico e estressante. A maioria das pessoas aqui já está viajando há dias, sem pausa, sem dormir e com pouco o que comer. Haider Mohammed, 42, volta da fronteira macedônia. O iraquiano desistiu. "Estive na Macedônia por um dia. Vi a estação de trem", ele diz. "Prefiro morrer em Bagdá do que permanecer mais um dia na Macedônia."

A situação em Gevgelija é de fato dramática. Os refugiados dormem em caixas de papelão na rua. Milhares podem ser vistos aguardando nas áreas com sombra em torno da estação de trem. Além dos sírios, há muitos paquistaneses e afegãos aqui. Uma vendedora de passagens diz que os preços para os trens aumentaram nesta semana por ordem do diretor da estação. A viagem de trem da Macedônia para a fronteira sérvia agora custa 10 euros e a estação não restringe o número de passagens vendidas, apesar da capacidade limitada dos trens.

Aqueles que compram as passagens precisam se virar por conta própria para encontrar um meio de arrumar um assento a bordo.

O trem das 17h chega à estação e as pessoas imediatamente seguem em sua direção. Nada é feito aqui para controlar a multidão. Não há filas organizadas para aqueles à espera, não há diferença na categoria de passagens e nenhuma área especial de espera para mulheres e crianças. Tudo o que se vê é empurra-empurra, com os homens jovens aparentemente com as melhores chances de embarcar nos trens.

Os vagões enchem rapidamente. A polícia macedônia então começa a bater nas pessoas à espera do trem para retirá-las da plataforma. Uma mulher síria chora em desespero após perder sua filha na multidão. Pouco tempo depois ela encontra sua filha de cinco anos e se agarra a ela. Lágrimas escorrem pelas bochechas da mãe, mas a experiência não a impede de voltar para tentar de novo no dia seguinte.

Tradução: George El Khouri Andolfato