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Descoberto aos 64 anos, artista dos EUA fatura até US$ 28 mil por tela

Tela de Rafael Leonardo Black, artista de 64 anos do Brooklyn (EUA) - Divulgação/Facebook
Tela de Rafael Leonardo Black, artista de 64 anos do Brooklyn (EUA) Imagem: Divulgação/Facebook

Jim Dwyer, de Nova York

06/06/2013 00h01

Rafael Leonardo Black, eremita e artista do Brooklyn, em Nova York, mantém todas as suas ferramentas ao alcance da mão no estúdio onde mora. Uma caneca de café com nove lápis nº 2, todos tão bem apontados que parecem lanças. Papel vegetal de uma única marca. Prateleiras com livros de arte, principalmente os surrealistas.

Em uma caixa de sapato cheia de recortes está a fotografia de três belas mulheres que ele recortou de uma revista Vogue em 1968 e usou para fazer um desenho em 2005. O desenho foi vendido no mês passado.

Durante mais de três décadas, Black, de 64 anos, criou um portal para o mundo por meio de representações densas e em miniatura de antigos mitos e figuras modernas: Frank Wills, o segurança que descobriu a invasão ao complexo de escritórios de Watergate, que batizou o escândalo político, Shirley Temple, retratada como uma esfinge, a cabeça do surrealista André Breton, desenhada como a cabeça de João Batista e Marianne Faithfull em várias encarnações.

Até recentemente, poucas pessoas haviam visto seu trabalho, pois ele quase não recebia visitas. Black teve empregos remunerados como datilógrafo em um escritório de advocacia, vendedor da Gimbels e depois da Macy’s e como secretário em uma escola. Mais recentemente, ele estava trabalhando meio-período, apenas na parte da manhã, como recepcionista em um hospital.

No entanto, dia após dia, ano após ano, ele trabalhou como um monge em sua arte. As pontas afiadíssimas de seus lápis pareciam se mover de modo a colocar átomo por átomo no lugar correto em suas telas de gesso. Após ele terminar, era possível ver pequenas formas humanas moldadas no formato da Casa Batlló, edifício de autoria de Antoni Gaudí, em Barcelona. Ou a história de Salomé, a princesa da Judéia, contada com imagens e ícones do cinema.

“Eu nunca fiz o esforço necessário para vendê-las”, disse Black. “Eu nunca esperava ser capaz de ganhar a vida com isso, mas eu sempre fiz isso desde que – bem, eu acho, desde que eu me conheço por gente”.

Hoje

No mês passado, o dono de uma galeria de Manhattan, Francis M. Naumann, montou a exposição “Art Insider”, com 16 obras de Black. Dez delas foram vendidas em poucos dias, a preços que variam de US$ 16 mil a US$ 28 mil.


“As pessoas gostaram dos trabalhos, as pessoas que entendem de arte”, disse Black. “Isso me deixou muito feliz”.

Ele disse que vive exatamente como gostaria, ganhando cerca de US$ 300 por semana com seu emprego no hospital.

“Por que você está perguntando isso?”, perguntou ele.

Ele nunca viajou para muito longe de Nova York desde que emigrou de Aruba, em 1965, quando era adolescente. Uma cama, uma mesa de trabalho e uma única cadeira lotam o estúdio de Black. Em teoria, o dinheiro obtido com sua arte lhe proporcionará mais opções em termos materiais.

“Eu realmente não pensei sobre isso”, disse Black. “Ou seja, sobre as coisas mundanas, como um aspirador de pó. Acredito que, talvez, eu devesse ir para Aruba fazer uma visita. Talvez eu deva viajar um pouco, fazer uma breve viagem para algum lugar como Paris”.

O dinheiro não vai catapultá-lo de volta para a vida que ele levava nas décadas de 1960 e 1970, quando ele era frequentador assíduo de casas noturnas como o Max’s Kansas City e o CBGB. Nesses clubes, Black assistiu novos e desconhecidos artistas, como Jimi Hendrix, além de ver a estreia de pessoas como David Bowie nos Estados Unidos. Em sua trajetória até o SoHo, em 1975, ele dividiu um loft na esquina das ruas Lafayette e Spring.

Em 1980, ele se envolveu em uma desgastante disputa com seu senhorio. Uma tia que morava perto do Pratt Institute, no Brooklyn, deixou um estúdio para ele.

“E eu me tornei o eremita que sou hoje”, disse Black. “Uma vez, ao receber a visita de uma moça, eu disse a ela que aquela era a minha nova ‘cena’. E ela disse: 'Oh, você é um kluizenaar’. É eremita em holandês”.

“Tudo que eu faço é ler e fazer as minhas imagens. Copiando Max Ernst, você deve manter um olho no que está acontecendo lá fora e um olho focado dentro de você. Então, é só produzir coisas que têm a ver com esses dois lados”.

Sem surpresa

Black, que já passou há muito tempo da idade com a qual os artistas emergentes normalmente são descobertos, observa que ele não é novidade para si mesmo.

“As pessoas que se tornam o que chamamos de artistas não param nunca”, diz ele. “Há um ditado que diz: ‘Todo mundo escreve poemas aos 15 anos. Mas os verdadeiros poetas escrevem poemas aos 50 anos”.

Ele já pintava na época em que sua família se mudou para Nova York. No Columbia College, ele conheceu John Taylor, com quem compartilhou as alegrias da música durante a década de 1960.

No final do ano passado, Taylor passou o número do telefone de Black para outro amigo de Columbia, Tej Hazarika, que trabalha com publicações relacionadas a arte. Hazarika pediu que Tom Shannon, artista e inventor, desse uma olhada no trabalho. Shannon, por sua vez, mostrou o trabalho para Naumann.

“Nós temos o que Cézanne chamava de ‘petite sensation’ (pequena sensação), os pequenos sentimentos que experimentamos quando estamos vivos no mundo”, disse Black. “Nós temos que encontrar uma maneira de expressar esses sentimentos, de um modo ou de outro, quem quer que você seja. Acho que é isso que chamamos de ‘estilo’”.

“Se você for pintar um quadro, você tem que pintá-lo de modo que ele fique em sintonia com a maneira como o mundo funciona”, disse ele. “Há um verso da banda Lovin’ Spoonful: ‘Você chegou num dia calmo, e simplesmente pareceu assumir o seu lugar’. É dessa forma que uma verdadeira obra de arte deve se posicionar no sistema de coisas do mundo”