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Museu de Auschwitz terá missão de explicar às novas gerações o que aconteceu lá

Valery Hache/AFP
Imagem: Valery Hache/AFP

Rick Lyman

Em Oswiecim (Polônia)

26/01/2015 06h00

Um grande número de sobreviventes dos campos de concentração nazistas em Auschwitz se reunirá na terça-feira (27) sob uma ampla tenda, cercados pela realeza e chefes de Estado, para celebrar o 70º aniversário da libertação daqueles que estavam presos ali no final da Segunda Guerra Mundial.

"Este será o último aniversário de década com uma presença bastante visível de sobreviventes", disse Andrzej Kacorzyk, vice-diretor do Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, que abrange as áreas do campo de concentração original, perto do centro de Oswiecim, e o maior Auschwitz 2-Birkenau, nos arredores da cidade.

No 60º aniversário, 1.500 sobreviventes estiveram presentes. Neste ano, são esperados cerca de 300. A maioria deles está na faixa dos 90 anos, alguns com mais de 100.

"Nós consideramos este um momento de passagem", disse Kacorzyk. "Uma passagem de bastão. É a aceitação pública por gerações mais jovens da responsabilidade de contarem essa história em nome dos sobreviventes, e de assegurar a sobrevivência física do local onde sofreram."

Uma lista preliminar dos que estarão presentes inclui o presidente da França, François Hollande, o presidente da Alemanha, Joachim Gauck, e o presidente da Áustria, Heinz Fischer, assim como o rei Philippe da Bélgica, o rei Willem-Alexander da Holanda, e o príncipe-herdeiro Frederik da Dinamarca. A delegação americana será liderada pelo secretário do Tesouro, Jacob J. Lew.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse que não iria por sua agenda estar muito lotada e por não ter recebido um convite. As autoridades do museu disseram que nenhum chefe de Estado recebeu um. Putin compareceu à cerimônia do 60º aniversário em 2005 –afinal, foram tropas soviéticas que libertaram o campo em 1945– mas as relações entre a Rússia e a Polônia azedaram devido ao conflito na Ucrânia.

"Celebrações anteriores foram realizadas ao ar livre", disse Kacorzyk, mas pode ser muito frio na Polônia no final de janeiro. Os sobreviventes remanescentes estarão entre os 3.000 dignitários que serão mantidos aquecidos sob uma tenda grande o bastante para cobrir todo o prédio de entrada de Auschwitz 2 e sua torre, familiar devido aos muitos filmes em que foi usada como símbolo das atrocidades nazistas.

"Auschwitz é importante porque foi o ponto zero do que os nazistas fizeram", disse Ronald S. Lauder, presidente do Congresso Mundial Judaico e um grande contribuinte para a preservação do complexo do museu. "E é importante porque o antissemitismo é como um vírus. Você pensa que ele desapareceu, mas então ele volta. No momento, ele está voltando com força."

O presidente da Polônia, Bronislaw Komorowski, abrirá a cerimônia, e Lauder fará um breve discurso. Mas a maioria dos oradores no evento memorial será de sobreviventes, contando suas próprias histórias.

"Eu estive lá de setembro de 1944 até o fim", disse Ryszard Horowitz, um fotógrafo que atualmente vive em Nova York e que tinha 5 anos quando Auschwitz foi libertada. "Eu me recordo de várias cenas do fim. Eu sei que estávamos, a certa altura, enfileirados para sermos mortos, poucos antes da libertação, quando um dos membros da SS chegou gritando que os russos estavam chegando, de modo que largaram tudo e correram, nos deixando."

Horowitz disse que não participará da cerimônia deste ano.

"Eu estive lá duas vezes depois da guerra", ele disse. "A primeira vez, quando ainda era bem jovem, e depois durante um dos meus retornos à Polônia nos anos 70. Isso basta para mim. Eu não quero voltar."

Sua irmã, Niusia Karakulski, também sobrevivente dos campos, representará a família no evento.

O aniversário deste ano também coincide com uma mudança na forma como os administradores do local concebem sua missão. De agora em diante, eles disseram, o local será organizado para explicar às gerações que não estavam vivas durante a guerra o que aconteceu, em vez de funcionar como um memorial para aqueles que sofreram ali.

Uma fundação está levantando dinheiro para uma nova onda de preservação. Haverá novas salas de exposição, e um centro do visitante será construído no local de processamento de carne e laticínios do campo. Um teatro usado para entreter as tropas polonesas durante a guerra será transformado em um centro educativo.

Os diretores do museu determinaram que um fundo de 120 milhões de euros será necessário para pagar por essas novas obras e futuros esforços. Até o final do ano passado, 102 milhões de euros já tinham sido arrecadados. Os diretores do museu esperam poder anunciar, durante a cerimônia da semana que vem, os nomes dos 18 "pilares da memória", os indivíduos que concordaram em doar 1 milhão de euros cada para completar o esforço.

"É muito difícil passar o bastão para uma nova geração, pessoas que estão vivendo em circunstâncias diferentes em um novo século", disse Lauder. "Seus pais podem querer passar a tocha para você, mas é difícil assumir a causa da vida deles. E em muitos casos agora, nós estamos falando sobre os netos dos sobreviventes."

Mas talvez, ele disse, os surtos de antissemitismo por toda a Europa ajudem a mobilizar essas novas gerações.

"Quando a guerra acabou, todo mundo estava convencido de que seria o fim do antissemitismo", disse Milan Salomonovic, 81 anos, que passou várias semanas em Auschwitz quando era jovem.

Salomonovic voltou muitas vezes aos campos de sua casa em Praga, frequentemente como guia de grupos de estudantes universitários. Ele disse que estará sob a tenda para testemunhar a cerimônia da semana que vem.

"As pessoas simplesmente não aprenderam a lição de Auschwitz", ele disse.