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Muçulmanos de Boston lutam para dissociar a imagem do Islã do terrorismo

Scott Shane

Em Boston (EUA)

16/06/2015 06h00

Yusufi Vali estava debruçado sobre seu computador na maior mesquita desta cidade, onde é diretor executivo, quando chegou o primeiro telefonema. A polícia tinha matado um homem a poucos quilômetros de distância. Logo, surgiram relatos de que o homem era um muçulmano que estava sob investigação por terrorismo.

E assim começaram as perguntas pela imprensa. Mais de 100 chamadas foram feitas à mesquita nos poucos dias que se seguiram. Vali explicava, repetidas vezes, que o homem morto a tiros após puxar uma faca contra a polícia, em 2 de junho, tinha apenas uma pequena conexão com a mesquita: ele tinha sido contratado por uma empresa de segurança para servir como guarda na mesquita durante o mês sagrado do Ramadã, em 2013.

Não, ele não orava ali regularmente. Não, Vali não se lembrava de ter se encontrado com ele. Não, ele não podia esclarecer qualquer suposto plano para decapitar um policial, exceto dizer que algo assim seria abominável.

"Isso pesa sobre você", disse Vali, um homem magro de 31 anos formado em Princeton, sobre as consequências das mais recentes alegações de tramas terroristas em nome do Islã. "Eu não tenho controle sobre o que essas pessoas fazem. É frustrante ter isso imputado a nós."

Ser muçulmano nos Estados Unidos significa atualmente ser responsabilizado, ou temer ser, pelos atos brutais de outros cuja noção do que Alá exige contrasta totalmente da sua. Para o público diverso que ora no Centro Cultural da Sociedade Islâmica de Boston, onde professores das universidades próximas se misturam a imigrantes recém-chegados da Somália e Egito, significa ouvir a palavra "islâmico" no todo dia pela manhã no noticiário sobre o infame grupo extremista. Isso significa um tipo de responsabilidade coletiva implícita, apesar de ilógica, pelas decapitações na Síria, execuções no Iraque e bombas em Boston.

Para os cerca de 70 mil muçulmanos na cidade e arredores, há pressões particulares. Por mais de dois anos, desde o atentado a bomba perto da linha de chegada da Maratona de Boston, a cidade ficou paralisada pela tragédia. Por mais de seis anos, uma minúscula organização com um nome inofensivo, Americanos pela Paz e Tolerância, tem alegado publicamente em propagandas de jornal e postagens na internet que as instituições muçulmanas em Boston são lideradas por extremistas e simpatizantes de terroristas.

E em algumas mesquitas, as tensões têm ocorrido entre conservadores, alguns com raízes profundas no Oriente Médio, e fiéis mais liberais. O ex-imã do centro em Boston, William Suhaib Webb, que se mudou para Washington no ano passado, lembrou que após um sermão expressando uma visão tolerante do que o Islã permite, um membro da congregação lhe disse sem rodeios: "Você não é um muçulmano".

No centro de Boston, uma mesquita com minarete e construção em tijolos vermelhos honrando a tradição da Nova Inglaterra, obras estão em andamento para transformar uma piscina abandonada em um jardim ao estilo islâmico. Ele seria chamado de "Jardim do Terraço", até que algumas reações de cair o queixo mostraram que algumas pessoas achavam ter ouvido "jardim terrorista". O projeto foi discretamente rebatizado de "Jardim do Paraíso".

Notícias chegaram recentemente de que um homem de 57 anos de Iowa tinha sido preso após postar notas obscenas e ameaçadoras, uma incluindo uma foto de um fuzil, na página da mesquita no Facebook. Então pessoas começaram a parar no escritório para mostrar a Vali os folhetos que alguém inseriu sob as portas das casas do bairro, Roxbury, citando as alegações da Americanos pela Paz e Tolerância e condenando a mesquita por "liderança extremista".

Vali, que tem relação estreita com vários rabinos e pastores locais e cujo único fanatismo evidente é pelo time do Kansas City Royals, fez uso do sistema de som público antes da Oração de Sexta-Feira para pedir aos membros da congregação que ignorem a isca. "Vamos acabar com eles com gentileza", ele disse sobre os críticos da mesquita.

Diferente de Minneapolis, Boston não experimentou a partida de dezenas de jovens para ingresso em grupos militantes como o Al-Shabab, na Somália, e o Estado Islâmico. Mas ao longo dos anos, uma lista crescente de extremistas e terroristas muçulmanos tem surgido na cidade.

Vídeo mostra muçulmano negro sendo morto pela polícia de Boston

Os mais notórios são os irmãos Tsarnaev, responsáveis pelo atentado na Maratona de Boston. Mas há outros:

–Ahmad Abousamra, 33 anos se ainda estiver vivo, cresceu nos subúrbios de Boston. Seu pai era um endocrinologista do Hospital Geral de Massachusetts e presidente do Centro Islâmico da Nova Inglaterra. Ele fugiu para a Síria em 2007, após chamar a atenção do FBI, e no ano passado se juntou a prolífica operação em língua inglesa do Estado Islâmico nas redes sociais na Síria, acreditam as autoridades. No final de maio, militares iraquianos anunciaram que ele tinha sido morto em um ataque aéreo, mas as autoridades americanas não confirmaram sua morte.

–Tarek Mehanna, outro suburbano na faixa dos 30 anos, foi acusado em 2009 com Abousamra, mas não fugiu. Ele foi condenado de apoiar a Al Qaeda, entre outras acusações, e está cumprindo uma pena de 17 anos em uma prisão federal.

–Rezwan Ferdaus, 29, cresceu no subúrbio de Ashland e obteve um diploma de física pela Universidade do Nordeste. Ele foi sentenciado em 2012 a 17 anos de prisão por tramar pilotar aeromodelos carregados de explosivos contra o Capitólio e o Pentágono, entre outros crimes.

–Aafia Siddiqui, 43, que obteve PhD em neurociência pela Brandeis e se tornou uma ativista muçulmana. Ela posteriormente se juntou à Al Qaeda e, em 2008, sob custódia no Afeganistão, foi acusada de atirar contra soldados americanos. Ela foi sentenciada em 2010 a 86 anos de prisão.

–Abdurahman Alamoudi, 63, um fundador da Sociedade Islâmica de Boston, a mantenedora da mesquita de Vali, que em 2004 foi sentenciado a 23 anos de prisão por participação em um bizarro plano líbio para matar o príncipe regente saudita, entre outras acusações.

Eles estão entre a mais de uma dúzia de pessoas presentes na galeria de vilões de ex-bostonianos divulgados nas propagandas e postagens online da Americanos pela Paz e Tolerância. O fundador do grupo é Charles Jacobs, 71, um ex-consultor de negócios que passou anos combatendo a escravidão moderna na África antes de se concentrar no que considera uma nova forma de antissemitismo, alimentada pelo extremismo islâmico e pela hostilidade contra Israel.

O acúmulo de malfeitores em Boston contribui para uma lista perturbadora, especialmente se agora for atualizada com Usaamah Rahim, o homem morto pela polícia neste mês, e dois outros que foram acusados na sexta-feira (12) de tramar com ele e apoiar o Estado Islâmico. O "Boston Globe" perguntou na semana passada em uma manchete: "Os casos de terrorismo em Boston são uma tendência?"

Jacobs culpa o que acredita ser a liderança radical das mesquitas da área, incluindo a Sociedade Islâmica de Boston. Ele aponta para o fato de seguidores da Irmandade Muçulmana, a organização conservadora islâmica com divisões e aliados por todo o Oriente Médio, estarem envolvidos na fundação da sociedade há mais de três décadas. A Sociedade Muçulmana Americana, cuja filial de Boston é mantenedora da mesquita de Vali, há muito é acusada de laços com a Irmandade; ela insiste que esses laços são históricos e não têm relevância hoje.

"Nós pensamos, dizemos e escrevemos que a vasta maioria dos muçulmanos em Boston e na América são moderados, que nunca fariam mal a ninguém", disse Jacobs. "Nós achamos que a liderança da Sociedade Islâmica de Boston está escondida atrás da população muçulmana em geral."

As afirmações dele são rejeitadas pelos principais rabinos de Boston e pela promotora federal, Carmen Ortiz, que disse que considera as alegações do grupo "incrivelmente racistas e injustas".

Um olhar mais atento para os extremistas saídos de Boston encontra pouca evidência de que se radicalizaram nas mesquitas da área. Por exemplo, as autoridades acreditam que os irmãos tchetchenos responsáveis pelo atentado na maratona extraíram suas ideias em grande parte online; o irmão mais velho, Tamerlan Tsarnaev, foi expulso da mesquita de Cambridge da Sociedade Islâmica de Boston após manifestar uma posição radical.

Mesmo assim, conversando de modo privado com vários muçulmanos da área de Boston é possível ouvir uma história mais sutil sobre a batalha em torno da ideologia islâmica. Um paquistanês-americano, que não quis ser identificado por temer se tornar alvo de fúria, disse acreditar que seguidores leais da Irmandade Muçulmana em Boston ainda se reúnem em segredo e têm influência perniciosa sobre alguns jovens. Mas ele disse não acreditar que esses "linhas-duras", como ele os chamou, apoiam o terrorismo.

Mas apesar do número deles poder ser pequeno, as consequências para os muçulmanos americanos de cada trama ou ato relatado de violência com motivação religiosa são incalculáveis. Alguns muçulmanos de Boston acreditam que o próprio Islã enfrenta um grave risco, talvez existencial, devido à associação com o terror.

Webb, o imã que serviu na mesquita de Vali de 2010 a 2014, foi criticado na Internet por suas posições liberais. Um ex-membro de gangue e DJ de hip-hop oriundo de uma família cristã, ele disse que nutria posições profundamente conservadoras após sua conversão ao Islã e mudou apenas gradualmente.

Após as decapitações de jornalistas pelo Estado Islâmico no ano passado, Webb fez um duro sermão. "Na América, nenhuma comunidade religiosa foi mais agredida e difamada nos últimos 13 anos como a nossa", ele disse.

Mas ele acrescentou: "Dentro de nossas fileiras, temos pessoas que dizem abertamente que querem matar americanos, que gostariam de ver a destruição da América". Webb disse que os muçulmanos não gostam de falar sobre os poucos que abraçam a violência. "Mas se continuarmos ignorando esses problemas, eles nunca serão tratados", ele disse.