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"Morte social" pode ser a consequência a presos submetidos a solitária prolongada

Erica Goode

05/08/2015 06h00

Em 1993, Craig Haney, psicólogo social, entrevistou um grupo de presos submetidos à prisão solitária no Presídio Estadual de Pelican Bay, a instituição penal mais rígida da Califórnia. 

Ele estava estudando os efeitos psicológicos do isolamento em prisioneiros, e Pelican Bay estava entre as primeiras de uma nova geração de prisões de segurança máxima que os Estados em todo o país estavam começando a construir. 

Vinte anos mais tarde, Haney voltou à prisão para outro conjunto de entrevistas. Ele se surpreendeu ao encontrar-se diante de alguns dos mesmos prisioneiros que conhecera antes, que já tinham passado mais de duas décadas sozinhos em celas sem janelas.

“Foi chocante, francamente”, disse Haney. 

Poucos cientistas sociais questionam que o isolamento pode ter efeitos nocivos. Pesquisas realizadas nos últimos 50 anos demonstraram que ele pode agravar doenças mentais e produzir sintomas mesmo em prisioneiros psicologicamente robustos. 

A maioria dos estudos, entretanto, concentrou-se em voluntários de laboratório ou em presidiários que ficaram isolados por períodos relativamente curtos. As entrevistas de Haney oferecem uma primeira análise sistemática de presos isolados do contato humano normal por grande parte da sua vida adulta -e as perdas profundas que tal confinamento parece produzir. 

As entrevistas, realizadas ao longo dos últimos dois anos como parte de uma ação judicial contra o isolamento prolongado em Pelican Bay, ainda não foram revisadas ??por outros pesquisadores em um artigo formal. Mas o trabalho de Haney fornece um retrato vívido de homens tão severamente isolados que, para usar o termo de Haney, foram submetidos a uma “morte social”. 

Em 2012, o Centro de Direitos Constitucionais entrou com uma ação na Justiça Federal contra funcionários do Estado em nome dos presos em Pelican Bay que haviam passado mais de 10 anos em confinamento solitário, alegando que seu isolamento prolongado violava os seus direitos garantidos pela Oitava Emenda. As partes agora estão em negociação, disse Jules Lobel, presidente do centro e professor de direito constitucional na Universidade de Pittsburgh. 

Haney e vários outros peritos contratados pelos advogados dos demandantes prepararam relatórios sobre o caso, cópias dos quais foram obtidas pelo “The New York Times”. 

Haney, professor de psicologia na Universidade da Califórnia em Santa Cruz, entrevistou 56 prisioneiros que haviam passado de 10 a 28 anos em confinamento solitário na unidade de segurança de Pelican Bay, ou SHU, incluindo sete homens que entrevistara em 1993, oito querelantes da ação judicial e 41 presos selecionados aleatoriamente. Para efeito de comparação, ele também entrevistou 25 detentos de segurança máxima que não estavam na solitária. 

A maioria dos homens tinha sido colocada na unidade de isolamento não por causa de seus crimes originais, mas porque eram considerados membros de gangues ou associados a elas, segundo a política da Califórnia na época. O Departamento Corretivo do Estado disse que o confinamento de longo prazo era necessário por causa dos assassinatos de gangues nas prisões e ataques a funcionários e outros detentos. 

Administradores da prisão dizem que há alguns detentos tão violentos ou incontroláveis ??que devem ser mantidos separados das outras pessoas. Mas a prática de deixar os presos em confinamento solitário por anos ou mesmo décadas -como a Califórnia tem feito- é considerada por um número crescente de membros do setor em todo o país como desnecessária e ineficaz e, para alguns grupos de direitos humanos, como tortura. 

Muitos dos detentos entrevistados por Haney falaram melancolicamente de suas mães, esposas e filhos, que não haviam tocado ou conversado por anos -os presos na unidade de isolamento não têm permissão para fazer telefonemas pessoais e são proibidos de contato físico durante as visitas. Alguns não tinham tido um único visitante durante seus anos na solitária. 

“Eu recebi um telefonema de 15 minutos quando meu pai morreu”, disse um detento que havia sido isolado por 24 anos. “E percebi que eu tenho uma família que eu nem conheço mais, nem mesmo suas vozes”. 

Outro prisioneiro contou que colocou fotografias de sua família de frente para a televisão em sua cela e que conversava com elas enquanto assistia televisão. 

“Talvez eu seja louco, mas isso me faz sentir como se eu estivesse com eles”, disse a Haney. “Talvez um dia eu tenha a chance de abraçá-los”. 

Devido ao litígio em curso na Justiça, o Departamento de Correção e Reabilitação da Califórnia se recusou a comentar o processo ou os relatórios de Haney ou dos outros peritos. Ainda assim, desde o início do processo, o departamento mudou muitos presos que tinham estado em isolamento em Pelican Bay por mais de uma década para outros ambientes. Todos com exceção de dois dos 10 detentos que moveram a ação originalmente estão agora em outras instalações, de acordo com Jeffrey Callison, porta-voz do departamento. 

Quando Pelican Bay foi inaugurada, em 1989, em uma área remota perto da fronteira com o Oregon, rapidamente ganhou fama de uma das instituições penais mais rígidas do país. O vasto complexo abriga mais de 2.700 prisioneiros, mais de 1.000 deles em confinamento solitário. 

Outras prisões da Califórnia também têm unidades de isolamento. Mas a SHU de Pelican Bay foi projetada para minimizar a interação humana. Sem janelas, as celas de 2m por 3m foram construídas de frente para paredes de concreto. As portas são abertas e fechadas electronicamente. Os agentes penitenciários falam com os presos através de intercomunicadores. 

Os prisioneiros conseguem se comunicar com outros detentos, gritando pelas portas de aço perfuradas com pequenos buracos, ou pelos poços de ventilação, mas têm pouca interação. 

“Se você vai para Corcoran, há uma janela; se você vai para Tehachapi, há uma janela”, disse Joseph Harmon, 51, um ex-líder de gangue que passou oito anos em isolamento em Pelican Bay depois de cinco anos em confinamento solitário em outras prisões. 

“Na Pelican Bay, não há outra realidade”, disse Harmon, que contou ter sido enviado para lá depois de um violento ataque contra outro preso, mas acabou deixando a gangue e se tornou pastor em Stockton. “Era um túmulo. É um túmulo de concreto”. 

Membros de gangues compõem uma parcela significativa dos detentos em prisão solitária em todo o país, na maioria dos casos colocados lá por atos de violência ou perturbação da ordem. 

No entanto, até recentemente na Califórnia, qualquer prisioneiro considerado membro de gangue ou associado a membros de gangues, independentemente do comportamento do prisioneiro, era enviado para Pelican Bay ou uma das três outras unidades habitacionais de segurança do Estado por um período indeterminado. 

A política em relação às gangues mudou no Estado depois de várias greves de fome por detentos em Pelican Bay e em outras prisões e de críticas por parte de grupos de direitos civis. O Departamento de Correções agora usa critérios diferentes para colocar os presos em isolamento e criou um programa que permite que eles consigam, eventualmente, sair dali. 

Callison, o porta-voz do departamento, disse que há 1.081 presos em isolamento na unidade de segurança de Pelican Bay por períodos indefinidos. Desses, 34 estão há mais de 10 anos e 28 há mais de 20 anos; em 2012, havia 308 presos na unidade de segurança por mais de uma década. A maioria desses detentos de longa data ingressou no programa de redução, disse Callison. 

Advogados de direitos civis, no entanto, criticaram o programa do departamento, dizendo que leva muito tempo para ser concluído e que os detentos ainda são mantidos em solitárias desnecessariamente. 

Em um relatório enviado aos advogados dos demandantes no processo, James F. Austin, um consultor de correções, chamou de “grosseiramente inadequados” os novos procedimentos utilizados pelo departamento para o isolamento de presos. 

O programa de redução, segundo Austin, era “falho em sua estrutura básica e deve ser revisto de forma significativa”. 

“Dê-me a pena de morte” 

Em depoimentos feitos para a ação contra Pelican Bay, os presos isolados por longos períodos também descreveram sintomas de ansiedade, paranoia, distúrbios de percepção e depressão profunda. 

Um dos autores do processo, Gabriel Reyes, 49, disse que teve insônia severa e que, no silêncio da unidade de isolamento, às vezes ouvia uma voz chamando seu nome e o número da cela. Outras vezes, ele disse: “Eu só vejo pontos, apenas coisas pequenas se movendo”. 

Outro detento, Paul Redd, 58, disse que seus sonhos eram muitas vezes violentos, mas que só ficaram assim depois de vir para Pelican Bay. 

“Eu nem sequer tinha sonhos”, disse ele. “Eu nem sequer tinha pensamentos de olhar para o topo da minha cama e você vê fissuras no beliche e diz: ‘Ei, cara, se houver um pequeno terremoto, esta parede, este beliche vai cair em você’. Você sabe, você começa a ficar um pouco nervoso”. 

Trancado em sua cela, muitas vezes se desesperava, disse Redd. 

“Não é até o ponto de cometer suicídio”, disse ele, “mas às vezes, me dá vontade de escrever para o juiz e dizer: dê-me a pena de morte. Simplesmente me dê a pena de morte”. 

Dr. Terry Kupers, psiquiatra e especialista em questões de saúde mental na prisão, concluiu pelas entrevistas com ex-detentos de Pelican Bay conduzidas para a ação penal que, mesmo anos após a sua libertação, muitos ainda carregavam o legado psicológico de seu confinamento. Eles se assustavam facilmente, evitavam multidões, procuravam espaços confinados e eram tomados por um excesso de estimulação sensorial. 

“Eles se tornam muito prejudicados em termos de relacionamento com outras pessoas”, disse Kupers. 

Harmon, o ex-líder de gangue que foi libertado da Pelican Bay em 2010, disse que, mesmo cinco anos depois, ele não gosta que as pessoas o toquem. 

“Como pastor, é difícil”, disse ele. “As pessoas se aproximam e querem tocar em você, querem te abraçar”. 

Harmon hoje é casado e disse que ele tinha colocado o passado para trás. Mas algumas vezes por mês, ele é tomado por o impulso de ficar sozinho em um espaço pequeno e silencioso. Ele diz à esposa: “Não fale comigo” e retira-se para o quarto. 

“É um sentimento que toma o meu ser”, disse ele.

Tradução: Deborah Weinberg