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Fábrica em El Salvador é saída para ex-membros de gangues

Operários trabalham em fábrica de El Salvador que emprega ex-membros de gangues - Meridith Kohut/The New York Times
Operários trabalham em fábrica de El Salvador que emprega ex-membros de gangues Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Elisabeth Malkin em Ciudad Arce

Em El Salvador

23/09/2015 00h06

A marca da gangue acentuadamente tatuada em William Amaya Valladares o impediria de conseguir um trabalho regular na maior parte do país.

Mas ali está ele costurando camisetas com logotipos das universidades norte-americanas em uma máquina de costura a uma velocidade vertiginosa, mesmo com a ameaçadora tatuagem da gangue Mara Salvatrucha subindo pelo pescoço.

Em um determinado dia, as camisetas podem ter o logotipo da U Mass; no outro, da Penn State ou da Florida Gators -evocando imagens dinâmicas da vida estudantil que dificilmente poderiam estar mais distantes da realidade de Amaya.

Entretanto, depois de passar boa parte de sua juventude em uma das gangues mais famosas de El Salvador, só o que importa hoje para Amaya, 24, é um trabalho que pague o suficiente para sustentar seus dois filhos.

Ele entrou para a MS-13, como a gangue é conhecida, quando tinha 14 anos, buscando um sentido de companheirismo e comunidade que não poderia encontrar em casa. Nenhum durou.

“Depois de dois, três ou quatro anos, aquilo preenche o vazio que você tem”, disse ele, falando durante a sua pausa para o almoço aqui na fábrica de vestuário, que produz camisetas para uma empresa da Pensilvânia (EUA), a League Collegiate Outfitters. “Mas aí você percebe que está em algo sério”.

O futuro em uma gangue é sempre o mesmo, disse ele. “No final, é prisão, cemitério ou o hospital”.

Juventude

Em El Salvador, um país dilacerado pela discórdia social e afligido por uma onda de violência, a esperança parece desaparecer para a juventude da nação. Mas Rodrigo Bolaños, gerente geral da fábrica local da League, acredita em pequenos triunfos.

“Este é o meu país; todos aqui são meus compatriotas. El Salvador não pode ter sucesso se não pudermos cuidar de nosso povo”, afirmou Bolaños na fábrica de vestuário, que tem sete anos, em um subúrbio industrial de cerca de 50 km a noroeste de San Salvador, a capital. “Eu vejo um deserto, e este é um oásis com uma fonte”.

Formado em engenharia industrial nos EUA, Bolaños combina fervor missionário com o jargão competitivo da indústria de vestuário. Em sua experiência, a contratação de pessoas que ninguém mais vai empregar faz sentido para os negócios.

Entre os seus funcionários há um punhado de trabalhadores com deficiência -muitas vezes esquecidos em um país que é muito caótico para atendê-los. No entanto, ele descobriu que sua presença “remove a violência do ambiente”.

O Módulo 6 da fábrica é composto por antigos membros de gangues como Amaya, que chegam a 50 trabalhando na fábrica.

Onda de violência

El Salvador está sofrendo com uma onda de violência em níveis não vistos desde a guerra civil da década de 80, enquanto o governo se esforça para conter as gangues que controlam bairros em muitas das cidades e vilas do país.

Em agosto, houve 911 assassinatos, superando o recorde anterior de 670 em junho. Mais de 50% dos mortos tinham menos de 30 anos, de acordo com o instituto legista.

Para o país ter alguma chance no combate ao crime, os membros de gangues que quiserem deixar as ruas precisam encontrar outra maneira de ganhar a vida. A palavra aqui é reinserção, o que significa uma chance de levar uma vida normal.

Há movimentos para montar padarias e granjas para serem operadas por ex-membros de gangues, ou para alocar bancas de camelô para suas famílias.

Em um plano de segurança abrangente redigido por um conselho consultivo de cidadãos – chamado “Safe El Salvador” (El Salvador Seguro) - a criação de empregos para os jovens é a primeira proposta, e uma das mais caras. Para aqueles que trabalham com os jovens, certamente é a mais importante.

Bolaños tem sua própria solução: ele contrata qualquer um que queira trabalhar.

Francisco Huezo é um deles. Ele passou por um período tão difícil que até mesmo a sua gangue, Barrio 18, na qual ingressou aos 12 anos, expulsou-o.

Por dois anos, ele morou debaixo de um viaduto em San Salvador com sua namorada, Beatriz, e seus dois filhos, roubando dinheiro para o crack e a heroína e procurando alimento no lixo.

Então, um dia, em janeiro, por sugestão de um pastor evangélico, Huezo foi visitar a fábrica da League, ainda atordoado por drogas. Bolaños ofereceu-lhe um emprego.

Huezo, 24, jurou não tocar mais nas drogas. Ele alugou um canto coberto na beirada de um terreno baldio, amarrou uma cortina de plástico na frente para fazer uma casa e pela primeira vez matriculou na escola os filhos –Cecilia, de 13 anos, e Roberto, de 9.

Em junho, outros trabalhadores da fábrica se cotizaram para comprar um revestimento metálico e construir uma pequena casa no lote. “É bom ter um bom trabalho”, disse ele.

Para os membros de gangues, uma saída consiste em chamar um táxi para ir a um shopping, apenas para comer e passear, disse um padre católico em um bairro onde uma gangue acaba de ocupar uma casa logo ao lado da paróquia.

Pelos relatos de Amaya, a vida na gangue é cheia de tédio, pontuada por violência.

“A gente acordava para não fazer nada, ia para a esquina, ficava doidão, corria da polícia, ouvia música”, disse ele.

Ele disse que vendia drogas na rua e cobrava frete das empresas.

“Os caminhões da Coca-Cola tinham que pagar US$ 4 toda vez que vinham fazer uma entrega no bairro”, disse ele.

O dinheiro servia para comprar armas.

“Para subir na gangue, você tem que defender o território”, disse ele.

Amaya contou que passou sete anos na gangue antes de entrar para uma igreja evangélica e obter permissão para sair. Ele começou a trabalhar na fábrica da League há dois anos. Lá, seu chefe, Bolaños, está cheio de ideias: “Nosso objetivo é levar as pessoas de volta para a sociedade; colocá-las de volta aos trilhos”, disse ele.

Treinamento reduz custos

Todo trabalhador passa meia hora de trabalho por dia no computador para praticar inglês em um curso on-line. A fábrica custeia as aulas que equivalem ao nível de ensino médio e acaba de fechar um contrato com uma universidade local para oferecer um diploma de engenharia de dois anos. A empresa subsidia uma clínica, uma creche, café da manhã e almoço, tem horários flexíveis para os funcionários que estão fazendo curso universitário e até criou um plano para emprestar dinheiro para as pessoas que quiserem criar tilápias em tanques em casa para obter mais algum dinheiro.

Os esforços elevam os custos do trabalho -de cerca de US$ 300 por mês, nas fábricas de vestuário em geral, para cerca de US$ 500 por mês para cada trabalhador. Mas os benefícios eliminam a rotatividade, argumentou Bolaños, o que acaba por gerar economia.

“Outras empresas estão indo mal porque têm que treinar as pessoas todos os meses”, explicou. Sua eficiência significa que ele pode vender para clientes que exigem margens mais apertadas. “Se eu trabalhasse para o Wal-Mart, eu poderia fazer isso? A resposta é sim”.

A fábrica acaba de contratar cerca de 100 novos trabalhadores e planeja acrescentar outros 150 para alcançar 700 até dezembro, disse Bolaños. Ele espera oferecer empregos aos moradores do bairro pobre nas proximidades, inclusive para aqueles que estão terminando suas penas de prisão.

A poucos minutos de carro da fábrica, há 100 casas abandonadas depois que um incorporador de habitação de baixa renda ficou sem dinheiro. Bolaños equipou duas delas para trabalhadores com deficiência, que dormem com mantas de algodão feitas para a Universidade de Illinois e da Universidade Quinnipiac.

Seu plano é arrecadar dinheiro para restaurar o resto das casas para os trabalhadores, inclusive com espaços verdes.

Conversando animadamente, ele começa a caminhar entre as fileiras de casas dilapidadas de dois quartos. De repente, o ambiente fica pesado. Jovens olhavam pela janela de uma casa.

Uma gangue havia ocupado a casa.

Tradução: Deborah Weinberg