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NYT: Política de Haddad desafia supremacia do automóvel

O prefeito Fernando Haddad (PT), que enfrenta resistência ao implantar novas políticas de mobilidade em São Paulo - Nilton Fukuda - Estadão Conteúdo
O prefeito Fernando Haddad (PT), que enfrenta resistência ao implantar novas políticas de mobilidade em São Paulo Imagem: Nilton Fukuda - Estadão Conteúdo

Simon Romero*

05/10/2015 14h41

Há décadas as autoridades transformaram esta megacidade em um caso para estudo de expansão distópica, arrasando praças arborizadas, demolindo joias arquitetônicas, subinvestindo no transporte público e sufocando amplas áreas com uma pista elevada e enormes blocos de apartamentos no estilo soviético.

A classe média em geral recuou para condomínios murados, e alguns da elite optaram por se locomover de helicóptero, para não pôr os pés nas ruas labirínticas de São Paulo.

Mas agora um amplo movimento liderado pelo prefeito de esquerda da cidade está conseguindo algo que se considerava impossível: desafiar a supremacia do automóvel.

O prefeito Fernando Haddad, um acadêmico de 52 anos com doutorado em filosofia, realizou o equivalente a um tratamento de choque urbano para tentar diminuir o congestionamento em São Paulo. Seus esforços provocaram um acirrado debate sobre mobilidade, o uso dos espaços públicos e os limites do poder público em uma área metropolitana com 20 milhões de habitantes.

Inspirando-se em políticas de Nova York, Bogotá, Paris e outras cidades, Haddad embarcou na construção de centenas de quilômetros de ciclovias e corredores para ônibus, que aceleram junto aos carros vagarosos, enquanto expandia as calçadas, reduzia os limites de velocidade e o espaço para estacionamento nas ruas e às vezes fechava totalmente aos carros avenidas importantes.

"Pensei que não veria um momento como este em minha vida", disse Renata Falzoni, 62, uma ativista pioneira do uso de bicicletas.

Enquanto os atos de Haddad atraíram o desprezo de alguns em São Paulo por causa de sua amplidão e implementação apressada, Falzoni está entre seus defensores, afirmando que eram necessárias medidas de emergência para lidar com gerações de políticas que produziram um congestionamento épico em toda a cidade.

"É preciso consertar as coisas já", disse ela. "A crise é extremamente urgente."

Ainda assim, a reformulação das políticas de mobilidade expôs Haddad, bem como alguns que tentam usar as novas ciclovias e calçadas da cidade, a ataques de seus adversários, refletindo a resistência a praticamente qualquer proposta do PT (Partido dos Trabalhadores) de Haddad, assolado por escândalos.

"Haddad só está deixando as pessoas mais infelizes aqui", disse Adrianna Fernandes Paisano, 48, uma dentista e motorista empedernida. Ela está furiosa por encontrar menos vagas para estacionar, alegando que permitir que as ciclovias funcionassem um dia por semana, aos domingos, seria um compromisso aceitável, em vez de espremer os carros para fora das ruas durante toda a semana.

Haddad, por sua vez, defende com vigor suas medidas, rejeitando alegações de que estão sendo impostas sem muita consulta.

Ele disse em uma entrevista que suas propostas de mobilidade foram discutidas "exaustivamente" em sua campanha em 2012 e apontou estatísticas publicadas recentemente que mostram que as mortes ligadas ao trânsito em São Paulo, incluindo os casos de pedestres que morrem atropelados por carros, caíram 18,5%, para 519, no primeiro semestre deste ano, contra 637 no mesmo período de 2014.

"Como alguém pode ser contra a diminuição das mortes na cidade de São Paulo?", perguntou Haddad. Descrevendo São Paulo como uma "cidade tensa", ele reconheceu que a resistência entre alguns moradores a suas políticas continua forte, o que ele atribui em parte à campanha de algumas figuras importantes na mídia que tentam reverter suas iniciativas.

Haddad também afirmou que os motoristas estão se beneficiando de suas políticas, além dos ciclistas, os usuários de transportes públicos e os pedestres. Por exemplo, o trânsito está fluindo mais depressa nas últimas semanas nas vias expressas onde Haddad reduziu a velocidade para 70 km/h, o que resultou em declínio de 23% no número de acidentes.

Avaliar o que fazer contra a condução perigosa é há muito tempo uma questão diária nesta cidade.

"O motorista brasileiro parece acreditar que é sua função, como o toureiro, reduzir ao máximo a margem entre vida e morte", escreveu o autor britânico Peter Fleming em "Brazilian Adventure", um livro embebido em ironia, de 1933, que se desenrola principalmente na pujante São Paulo.

De fato, alguns aqui ainda afirmam que a melhor abordagem é simplesmente deixar que os motoristas façam o que quiserem.

O limite de velocidade imposto por Haddad atraiu amplas críticas, incluindo um processo legal contra sua implementação, pela seção local da Ordem dos Advogados do Brasil, que afirma que os pedestres atingidos por carros nas pistas expressas são suicidas que infringem a lei (alguns moradores pobres vivem em favelas junto dessas vias.)

"Milhões de pessoas em São Paulo não deveriam ser culpadas pela morte de pedestres irresponsáveis", disse o grupo no processo.

Apesar dessa resistência, Haddad, ex-ministro da Educação nos governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff que ainda dá aulas ocasionais na Universidade de São Paulo, se baseia em pesquisas que mostram níveis relativamente altos de apoio a suas políticas.

Cinquenta e nove por cento dos moradores manifestaram apoio à construção e expansão das ciclovias, enquanto 64% são a favor de fechar para os carros avenidas importantes aos domingos, segundo uma pesquisa do Ibope. O estudo, realizado entre 28 de agosto e 5 de setembro com 700 pessoas, teve uma margem de erro de 4 pontos percentuais para mais ou para menos.

Mas apoiar as faixas para bicicletas e ter coragem para usá-las são duas coisas diferentes. Somente 7% dos moradores disseram usar a bicicleta quase diariamente, segundo a pesquisa. Alguns destes, como Paulo Zapella, 32, um designer gráfico que vai a reuniões de negócios de bicicleta, conta histórias assustadoras.

Zapella descreveu um episódio em setembro quando pedalava pelos Jardins, um bairro residencial, em que um motorista encostou ao seu lado e começou a ofendê-lo por usar bicicleta e apoiar Haddad, antes de acelerar como se ameaçasse derrubá-lo.

"Eu não podia acreditar", disse Zapella, cuja postagem no Facebook sobre o incidente atraiu milhares de compartilhamentos, junto com comentários de outros que descreveram confrontos semelhantes com motoristas furiosos. Zapella disse que não votou em Haddad, mas apoia a ampliação das ciclovias.

* Colaborou Paula Moura