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Libertada nos EUA 'vidente' que enganou homem e levou mais de R$ 2 milhões

Michael Wilson

Nova York (EUA)

01/02/2016 06h00

O funcionário do tribunal retirou as algemas que prendiam os pulsos finos da ex-vidente, e ela levantou as mãos para enxugar as lágrimas, prestes a deixar o recinto como uma mulher livre.

“Sinto muito pelo que aconteceu”, a vidente Priscilla Kelly DelMaro disse ao juiz.

A sentença proferida em Manhattan na terça-feira (27) foi o desfecho de um crime bizarro de fraude que se destacou entre o cenário de fraudes semelhantes que se desenrolam atrás de cartas de tarô e bolas de cristal. A vítima do caso, Niall Rice, 33, um empreendedor de internet, pagou mais de US$ 550 mil (R$ 2,25 milhões) para DelMaro, 26, que prometeu trazer de volta a mulher que ele amava. A farsa continuou mesmo depois que ficaram sabendo que a mulher tinha morrido.

DelMaro deixou o tribunal depois de ter passado oito meses presa. Ela vai cumprir quatro anos de liberdade condicional nos termos de um acordo de confissão que pendeu para seu lado depois que a credibilidade da vítima foi questionada.

Rice não compareceu à audiência diante do juiz Larry Stephen no Supremo Tribunal, tendo voltado para sua Londres natal no ano passado. Mas em um depoimento que escreveu sobre o processo, ele protestou contra os termos do acordo de confissão, segundo o qual DelMaro não seria condenada a pagar uma indenização. Ela poderia ser obrigada a entregar quaisquer bens futuros para Rice.

“Pense numa pessoa que está passando por momentos difíceis. Quer seja por uma morte na família, vício, ou ela pode simplesmente ter sido demitida, ou talvez esteja doente ou tenha algum problema físico. Cada uma dessas pessoas em que você está pensando pode ser uma vítima potencial desse tipo de crime no futuro.”

O caso de DelMaro foi tema de várias matérias no "New York Times", e é notável pela quantia de dinheiro envolvida --Rice pagou um total de US$ 713.975 (R$ 2,9 milhões) para ela e outra vidente que conheceu antes-- e pela improbabilidade das promessas feitas.

Rice, insatisfeito com as visitas à primeira vidente, que não foi identificada nem acusada, foi à loja de DelMaro em Times Square, em 2013. Ele estava chateado com o fato de que os sentimentos que tinha por Michelle, uma mulher que havia conhecido em um centro de tratamento para dependentes químicos no Arizona, não eram recíprocos. DelMaro prometeu fazer com que ele e Michelle ficassem juntos, com a ajuda de cristais especiais, uma máquina do tempo e uma ponte de 130 metros feita de ouro.

Mais tarde, Rice descobriu que Michelle tinha morrido, mas DelMaro assegurou que ela podia fazer o espírito da mulher reencarnar em outro corpo, chegando ao ponto de dizer que uma mulher com quem Rice estava saindo na Califórnia era a nova Michelle, disse Rice numa entrevista no ano passado.

Durante toda a farsa, DelMaro disse a Rice que o trabalho a estava colocando em risco e acabando com suas finanças. Em sua declaração ao tribunal, ele disse que “acreditou que DelMaro tinha sacrificado seu negócio, casa, carro, que tinha uma dívida de cartão de crédito de US$ 100 mil [R$ 409 mil] e estava morando em uma igreja nos últimos seis meses, tudo para me ajudar”, disse ele.

Em uma ocasião, Rice e DelMaro tiveram relações sexuais, disseram o advogado de Rice e o de DelMaro, Jeffrey Cylkowski. A mudança no relacionamento pode ter feito os pagamentos parecerem presentes, prejudicando a credibilidade dele como testemunha no caso.

“DelMaro teria lucrado US$ 71.125 [R$ 290 mil] por mês, livres de impostos, para cada mês que foi obrigada a passar na prisão”, escreveu Rice. Seu testemunho criticou o promotor do caso por não buscar outras vítimas através de um mandado de busca para investigar o celular de DelMaro. Ele também citou um vídeo que mostra o companheiro de DelMaro, Bobby Evans, vangloriando-se de que era um “milionário graças a Kelly”, usando o nome do meio da mulher.

A declaração de Rice não foi lida em voz alta no tribunal na terça-feira. Uma promotora pública assistente, Nabilah Hossain, acrescentou a declaração aos registros do caso sem comentá-la. Ela não respondeu a perguntas sobre a declaração de Rice após a audiência.

Rice disse que as vítimas, por se sentirem envergonhadas, não têm vontade de denunciar. “Aqueles que denunciam, como eu, enfrentam críticas instantâneas, são julgados como otários, verdadeiros idiotas”, ele escreveu.

DelMaro deu uma entrevista breve antes de deixar o tribunal. “Estou feliz que vou para casa ficar com os meus três filhos”, de quatro, seis e oito anos, disse ela. “Já passei por tanta coisa.”

Rice, numa entrevista por telefone na terça-feira, disse: “estou reconstruindo”. Ele disse que planeja lançar um site para “denunciar golpes de videntes”.