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Divisão republicana se transforma em abismo e favorece Hillary

Marco Rubio, Donald Trump e Ted Cruz em debate promovido pela CNN em fevereiro - David J. Phillip/AP
Marco Rubio, Donald Trump e Ted Cruz em debate promovido pela CNN em fevereiro Imagem: David J. Phillip/AP

Jonathan Martin e Michael Barbaro*

03/03/2016 06h00

Os democratas estão se unindo. Os republicanos desmoronam.

A mais importante noite de votações até agora na campanha presidencial cristalizou, de maneira poderosa e perturbadora, os destinos notavelmente divergentes dos dois principais partidos que querem conquistar a Casa Branca.

A constante e aparentemente inexorável união do Partido Democrata por trás de Hillary Clinton contrasta de modo marcante com os cismas rancorosos e cada vez mais amplos no Partido Republicano sobre a predominância de Donald Trump, que venceu disputas do nordeste ao sul profundo dos EUA na terça-feira (1º).

Agora, enquanto os partidos olham à frente, para o outono, estão despertando para as vantagens do consenso e os riscos do caos.

"Se o Partido Republicano fosse um avião, e você estivesse olhando por uma janela dos passageiros, veria pedaços da superfície se desprendendo e se perguntaria se uma das asas ou um dos motores será o próximo", disse Tim Pawlenty, ex-governador de Minnesota e um dos candidatos republicanos a presidente em 2012.

Enquanto reunia vitórias importantes em sete Estados na terça-feira, Trump enfrentava uma firme e persistente recusa a apoiá-lo, enquanto importantes figuras de seu partido denunciavam sua lentidão para negar os defensores da supremacia branca, autoridades eleitas desencorajavam ousadamente os eleitores de apoiá-lo e antigos republicanos declaravam que boicotarão a eleição se ele for o candidato escolhido.

"Eu não poderia em sã consciência votar em Trump, sob nenhuma circunstância", disse Blake Lichty, 33, um republicano que trabalhou no governo de George W. Bush e hoje vive perto de Atlanta. "Se este se tornar o partido de Trump", acrescentou, "vamos perder muita gente."

Desde a ruptura de 1964, quando os conservadores tomaram o poder de seus adversários moderados e nomearam candidato Barry Goldwater, do Arizona, um grande partido não enfrentava uma crise de identidade semelhante.

"A história está se repetindo", disse o historiador Richard Norton Smith. "O partido mudou então de maneira tão profunda e permanente quanto é possível na política, efetivamente tornando-se dois partidos."

Enquanto o desempenho de Trump na terça-feira ilustrou sua força, o sucesso do senador Ted Cruz no Texas e em Oklahoma salientou o dilema maior dos republicanos: não há consenso sobre quem poderia ser o adversário mais forte de Trump, e provavelmente não há tempo suficiente para que surja um.

As fissuras culturais e ideológicas que se abrem no partido poderão demorar uma geração para se fechar, segundo líderes, historiadores e estrategistas republicanos --e muitos estão convencidos de que Trump garantirá aos democratas mais quatro anos na Casa Branca.

"Nomear Donald Trump seria o melhor presente que o Partido Republicano poderia dar a Hillary Clinton", disse o ex-governador da Louisiana Bobby Jindal, em uma entrevista na terça-feira.

Os democratas agora poderão explorar uma feliz intersecção de forças: uma economia em ascensão com baixo desemprego; um presidente democrata com índice de aprovação de quase 50%; uma batalha na Suprema Corte em que os republicanos estão energizando os eleitores liberais com promessas de obstrução; e agora o que provavelmente será um processo de nomeação relativamente tranquilo, que dará a Hillary a oportunidade de unir as diversas correntes do partido.

"Os democratas estão tendo uma forte discussão, mas o partido está de modo geral unido atrás de certos temas", disse David Axelrod, o estrategista democrata. "Os republicanos estão envolvidos em uma verdadeira guerra civil, fundamentalmente divididos pela desconfiança, e é muito difícil ver como eles juntarão as peças quando esta luta terminar."

A cada momento desagradável na disputa pela nomeação republicana, a posição de Hillary parece se reforçar. Dia após dia, as forças anti-Trump estão manobrando, prometendo arrastar o processo das primárias até a convenção em julho.

Em uma extraordinária demonstração de desafio a um potencial candidato presidencial, o senador Ben Sasse, de Nebraska, escreveu uma carta aberta aos apoiadores de Trump, explicando por que não poderá apoiar o magnata dos imóveis caso seja indicado pelo partido.

"Sinceramente espero escolher um dos outros candidatos", escreveu Sasse, prometendo não votar em Hillary. "Mas se Donald Trump afinal for nomeado os conservadores terão de encontrar uma terceira opção."

Nas últimas 48 horas, o deputado Scott Rigell, da Virgínia, apelou aos colegas republicanos de seu Estado para que rejeitem Trump, chamando-o de "um prepotente indigno de nossa nomeação", e a governadora Susana Martinez, do Novo México, não se comprometeu a apoiá-lo se ganhar a nomeação.

O presidente da Câmara, deputado Paul Ryan, de Wisconsin, nomeado à vice-presidência quatro anos atrás, deu o passo incomum de criticar o principal candidato republicano nos saguões do Capitólio por não recusar o apoio de David Duke.

"Se uma pessoa quer ser indicada pelo Partido Republicano", disse Ryan, "não pode haver evasão, nem jogos. Ela deve rejeitar qualquer grupo ou causa fundamentada no preconceito."

Em uma discussão com poucos precedentes recentes, vários republicanos destacados estão manifestando incerteza sobre quão agressivamente eles apoiarão Trump como nomeado, sugerindo que talvez tenham de perder a campanha para salvar o partido.

"Trump presidente, o que não acredito que seja possível, seria um desastre absoluto e faria o partido recuar décadas", disse Mike Murphy, um antigo estrategista republicano que supervisionou o supercomitê de campanha que apoiou Jeb Bush este ano. "É como se um computador o designasse para perder as eleições para nós. Quem ele ofende? As mulheres brancas com estudo superior e os latinos, grupos que precisamos conquistar."

Por enquanto, a repulsa por Trump poderá produzir um cenário de pesadelo para os republicanos no dia da eleição: o abandono pelos eleitores comuns que, assim como um número crescente de líderes partidários, não suportam o conceito do magnata como seu porta-bandeira.

"Acho que é um momento triste para o Partido Republicano", disse David Phillips, 72, um recrutador executivo e antigo republicano de Avon, Connecticut, que chamou Trump de "um tremendo divisor".

"Se ele for nomeado, eu provavelmente votarei em Hillary", disse ele, com relutância.

*Colaboraram Jeremy W. Peters, Matt Flegenheimer e Thomas Kaplan

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AFP