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Presídio saudita para jihadistas tem vale-presente e suítes para mulheres de presos

Prisão saudita de Al-Ha"ir vista no Google Earth; imagens internas não são permitidas - Reprodução/Google
Prisão saudita de Al-Ha'ir vista no Google Earth; imagens internas não são permitidas Imagem: Reprodução/Google

Ben Hubbard

Em Riad (Arábia Saudita)

12/04/2016 06h00

Os "hóspedes" recebem cartões-chave para seus quartos, recebem três refeições por dia e dormem em suítes luxuosas, contendo TVs de tela grande, camas king size e papel de parede brilhante.

Eles o chamam de Casa de Família e parece um hotel butique, se você puder ignorar a falta de janelas, os muros elevados do lado de fora e a localização, o interior dos presídios de alta segurança da Arábia Saudita para jihadistas.

A casa é projetada para dar aos jihadistas que se comportam bem um descanso da vida de presidiário e ajudá-los a se reconectarem com suas mulheres e filhos, talvez até mesmo ter novos.

Esse reforço positivo é emblemático da abordagem saudita para seus jihadistas domésticos, algo que não se traduziria bem para o Ocidente. Aqueles que cometeram seus crimes no exterior e não participaram de ataques em casa costumam ser tratados como filhos sauditas desencaminhados que precisam ter seu pensamento corrigido, para que possam voltar à sociedade como súditos bons e obedientes.

Essa filosofia ficou clara durante uma recente visita ao presídio de Al-Ha'ir, ao sul de Riad, uma das cinco instalações da Arábia Saudita que contam com mais de 5.000 presos acusados de crimes ligados a terrorismo.

"Aqui temos todos os tipos de terrorismo presentes no reino", disse um guia, um diretor-assistente de presídio, corpulento e de bigode, que forneceu apenas um apelido, Abu Nawaf, por razões de segurança.

"A prisão não visa apenas punir uma pessoa e então soltá-la", ele disse. "Isso é um risco para ela própria e para a sociedade. Se ele sair e for bom para si mesmo, sua família e sociedade, é melhor."

A eficácia dessa abordagem, que os sauditas argumentam ser preferível ao, digamos, envio de presos a Guantánamo, Cuba, é altamente debatida e provavelmente será por algum tempo, já que avaliações independentes são raras.

As autoridades sauditas dizem que a reincidência é baixa, mas Abu Nawaf não pôde fornecer estatísticas. E o Comitê Internacional da Cruz Vermelha não tem presença na Arábia Saudita, de modo que não pode monitorar as condições nas prisões.

Grupos de direitos humanos ocidentais, raramente autorizados a entrar no reino, dizem acreditar que as condições são melhores nas instalações de alta segurança do que nas prisões normais, onde alegações de maus-tratos e superlotação são mais comuns.

A instalação imponente e não identificada fica à beira do deserto, cercada por dois muros elevados interrompidos por portões bem protegidos por guardas. Mais de 1.700 presos, todos homens, residem nas alas que são conectadas por corredores brancos. Os portões de ferro, portas e guaritas são roxos.

Todos os presos recebem certos benefícios, disse Abu Nawaf, como uma soma mensal equivalente a US$ 400 (cerca de R$ 1.400) para eventualidades e a possibilidade de "soltura temporária" para eventos familiares. Um preso que irá ao casamento de um parente, por exemplo, recebe US$ 2.666 (cerca de R$ 9.400), para que possa dar um presente.

Salas grandes com sofás e mesas são fornecidas para visitas familiares, e os presos que não são considerados perigosos também recebem "visitas especiais" de suas mulheres em pequenos quartos com paredes cor-de-rosa, camas cor-de-rosa, um minibar (sem álcool, é claro) e banheiro.

Cada mulher tem direito a uma visita por mês, o que resulta em um benefício de poligamia para os homens com mais de uma mulher .

"Aqueles com quatro mulheres recebem uma visita por semana", disse Abu Nawaf.

Até mesmo os presos no corredor da morte são autorizados a receber as visitas especiais. Abu Nawaf não via problema em poderem procriar.

"Não é direito apenas dele", ele disse. "Também é um direito de sua mulher."

Perto dali fica a sede local do Centro Príncipe Mohammed bin Nayef para Aconselhamento e Cuidados, um programa de recuperação que conta com psicólogos e autoridades religiosas que tentam desradicalizar os presos, os ensinando o que Nasser al-Ajmi, um psicólogo do centro, chamou de "pensamento correto a respeito da Sharia" (lei islâmica).

Os presos recém-chegados são avaliados por um psicólogo que identifica os fatores sociais que podem ter contribuído para o desvio de comportamento, como drogas ou álcool, problemas familiares ou convivência com pessoas erradas, disse Ajmi.

Quando apropriado, os presos se encontram com clérigos para discutir ideologia. Um clérigo, Khalid al-Abdan, disse que seu trabalho envolve com frequência corrigir equívocos a respeito da jihad (guerra santa) e dizer aos presos que as guerras na Síria e no Iraque não se qualificam, porque envolvem mais sectarismo e política do que religião.

Ele também reforça a ideia de que os indivíduos devem ser obedientes aos seus governantes e não declarar jihad por conta própria. "Instruções desse tipo só podem vir dos governantes", ele disse.

Quando perguntado sobre o que ensina a respeito dos xiitas, que com frequência executam seus prisioneiros, ele disse que os presos podem ter o ponto de vista que quiserem, desde que não sejam violentos.

"Se alguém diz que os xiitas são infiéis, essa é a opinião dele e não é importante para nós", ele disse. "Se ele quiser matá-los, aí é um problema."

Uma faixa em uma parede listava o número de sessões bem-sucedidas e participantes, mas ninguém se recordava de Yousef al-Sulaiman, um jovem saudita que passou por este centro de recuperação há dois anos.

Em agosto, Sulaiman detonou a si mesmo dentro de uma mesquita usada pelas forças de segurança, matando pelo menos 15 pessoas, segundo a imprensa saudita. Outras pessoas que passaram por este e outros centros de recuperação também  retornaram à militância, incluindo um homem que detonou a si mesmo perto de uma mesquita no ano passado, e 44 dos 77 suspeitos em um ataque mortal a uma mesquita xiita um ano antes.

"Aqui, nós tratamos a doença ideológica", disse Ajmi, o psicólogo, quando perguntado sobre esses fracassos. "Assim como acontece quando uma criança adoece e melhora, a doença pode voltar depois."

No final de um corredor branco margeado por celas, ficava um pátio com grama artificial e uma grade metálica no teto, onde os presos podem passar um tempo, fumar e respirar ar fresco. Há um pequeno mercado que vende bebidas e lanches, uma sala onde os presos podem fazer ligações telefônicas (monitoradas) e uma pequena biblioteca.

Nas estantes da biblioteca estavam jornais e livros educativos e sobre religião, incluindo "Inglês para Iniciantes" e uma tradução em árabe de "O 8º Hábito", sequência do sucesso de autoajuda "Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes", que não estava disponível.

Uma cela próxima contava com cinco presos, cada um com uma cama de solteiro bem arrumada e estantes contendo livros, frascos de colônia e um jogo de xadrez.

Um preso, Abdullah Mohammed, 29, disse que estava estudando a Sharia em uma universidade pública em Riad, em 2014, quando as imagens da violência que viu na Síria o persuadiram a viajar para lá e se juntar à Frente Nusra, a afiliada síria da Al Qaeda.

"Eu via as pessoas sendo deslocadas como refugiados, de modo que queria ajudá-las", ele disse. Mas logo se decepcionou.

"Então fui até lá e vi o caos, pessoas matando umas às outras, e você não sabe quem é seu amigo e quem é seu inimigo", ele disse.

Ele acabou fugindo para a Turquia, onde a embaixada saudita o ajudou a voltar para casa. O governo estava oferecendo anistia aos combatentes estrangeiros na época, de modo que ele não foi imediatamente para a prisão. Mas logo ele se viu envolvido em outro negócio nefasto que o colocou atrás das grades. "Eu tinha alguns contatos com algumas pessoas", ele disse, se recusando a elaborar.

Ele atribuiu a culpa pela sua situação não a decisões ruins ou a pensamento incorreto, mas ao governo e à imprensa, só que dos Estados Unidos.

"Sou uma vítima do governo americano e da mídia americana", ele disse, apesar de ser incapaz de entender inglês rudimentar.

Sua mulher veio visitá-lo duas semanas atrás, ele disse. Eles ainda não têm filhos, ele disse, mas poderão ter quando ele sair, daqui sete meses.