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Opinião: Política americana põe em risco acordo com Irã

22.abr.2016 - O secretário de Estado dos EUA, John Kerry (esq), dá entrevista ao lado do chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, em Nova York - Frank Franklin II/AP
22.abr.2016 - O secretário de Estado dos EUA, John Kerry (esq), dá entrevista ao lado do chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, em Nova York Imagem: Frank Franklin II/AP

Roger Cohen

10/05/2016 06h01

Talvez nada seja mais importante para o legado de política externa do presidente Barack Obama que o sucesso do acordo nuclear com o Irã. Ele carrega seu imprimatur pessoal e ficará de pé ou cairá dependendo de se conseguirá ou não evitar que o Irã produza uma bomba nos próximos 15 anos --o prazo do acordo-- e depois disso.

Se a linha-dura iraniana voltar ao poder na eleição presidencial do ano que vem, substituindo o presidente Hassan Rouhani, aumentará a probabilidade de o acordo se desfazer. O equilíbrio entre o reformista Rouhani e o belicoso Líder Supremo aiatolá Ali Khamenei gerou as condições políticas que possibilitaram o acordo.

Mas hoje os EUA estão minando esse equilíbrio, reforçando os "falcões" iranianos e colocando em risco o acordo tão difícil que reverteu o constante avanço do Irã para a fronteira nuclear. É uma política de tiro no próprio pé, depois de uma grande conquista diplomática.

Há um clamor crescente em Teerã de que Rouhani e seu ministro das Relações Exteriores, Javad Zarif, foram enganados por Washington porque as concessões feitas pelo Irã --o corte do número de centrífugas e seu estoque de urânio-- não produziram os benefícios prometidos. A linha-dura grita: "Onde está o filé?"

O principal problema é que os bancos europeus estão aterrorizados de que se oferecerem financiamento ao Irã infringirão as sanções americanas ainda vigentes. Muitos desses bancos --incluindo BNP Paribas, Commerzbank e Société Générale-- pagaram multas vultosas nos últimos anos.

Ao todo, os bancos europeus desembolsaram mais de US$ 15 bilhões desde 2012 por infrações às sanções financeiras dos EUA ao Irã. De um ponto de vista de risco-recompensa, nenhum banco europeu pode obter no Irã receita suficiente para compensar a possibilidade de ser atingido por uma grande multa.

O secretário de Estado John Kerry tentou romper o impasse no mês passado, dizendo: "Não temos objeção e não impedimos que os bancos estrangeiros negociem com bancos e companhias iranianos, obviamente desde que esses bancos e companhias não estejam em nossa lista de sanções por motivos não nucleares".

Mas a estrutura de propriedade das corporações iranianas é muitas vezes opaca, o que dificulta para as companhias europeias terem certeza de que não há, por exemplo, um interesse da Guarda Revolucionária. Pode ser difícil saber exatamente quem é o cliente.

Um empresário internacional sediado em Teerã me disse que recebeu uma carta da organização americana Unidos Contra o Irã Nuclear, advertindo-o de que poderia estar trabalhando com a Guarda Revolucionária e então enfrentaria problemas. "Você pode ter certeza de que essa carta vai para todos os bancos europeus", disse ele.

A maioria das transações internacionais é nominal em dólares, por isso tem de passar pelo sistema bancário dos EUA antes de ser compensada. Como o embargo comercial dos EUA continua em vigor, tornando ilegal, com exceções limitadas, que americanos ou empresas americanas negociem com o Irã ou seu governo, isso é muito problemático. Um banco pode estar situado na Europa, mas não conseguir demonstrar que uma proposta de contrato com o Irã não envolve sua subsidiária americana em algum nível.

Em um e-mail, Hamid Biglari, um financista internacional que foi vice-presidente do Citigroup, escreveu: "Transformamos o que deveria ter sido uma oportunidade vitoriosa de maior envolvimento em um resultado perdedor onde nem o Irã pode realmente se beneficiar nem as firmas americanas podem competir em um campo de jogo internacional nivelado".

Em uma conversa anterior, Biglari disse: "A ironia do acordo nuclear é que nós levantamos o maior peso em termos da negociação e depois abrimos para as companhias europeias fazerem negócios com o Irã", enquanto bloqueamos as firmas americanas.

A Airbus já fechou um acordo de muitos bilhões de dólares com o Irã, mas em geral o mercado iraniano continua cheio de obstáculos.

A menos que o embargo comercial dos EUA seja suspenso --o que teria sentido politicamente porque nada minará mais depressa a Guarda Revolucionária e a linha-dura do que uma economia iraniana mais aberta e competitiva, conforme os monopólios da Guarda forem eliminados--, há medidas que devem ser tomadas o mais depressa possível. (A oposição no Congresso torna inconcebível o fim do embargo.)

Do lado americano, Kerry precisa continuar pressionando com sua mensagem de incentivo aos bancos europeus. O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac na sigla em inglês) do Departamento do Tesouro precisa ser agressivo ao conceder licenças do tipo que permitiu que a Boeing realizasse negociações com o Irã. Os tecnocratas precisam encontrar uma maneira de isolar de potenciais multas as transações com o Irã de bancos europeus que envolvem compensação de "ida-e-volta" em dólares.

O Irã, por sua vez, deve fazer seus bancos respeitarem os padrões internacionais quanto à lavagem de dinheiro. Estruturas de propriedade opacas devem ser esclarecidas para que as companhias europeias saibam com quem estão tratando. A transparência iraniana é uma figura de retórica neste momento. Isso tem de mudar.

A próxima eleição presidencial iraniana será em junho de 2017. Se Rouhani não tiver nada a mostrar até então por sua diplomacia nuclear, suas probabilidades de ganhar um segundo mandato serão tênues. Isto, por sua vez, colocará em risco a maior conquista em política externa de Obama.