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População sem-teto envelhece e traz novos desafios no combate à pobreza nos EUA

Sem-teto formam fila para receber comida no bairro de Skid Row, centro de Los Angeles - Monica Almeida/The New York Times
Sem-teto formam fila para receber comida no bairro de Skid Row, centro de Los Angeles Imagem: Monica Almeida/The New York Times

Adam Nagourney

Em Los Angeles (EUA)

05/06/2016 06h00

Eles se inclinam desequilibradamente sobre bengalas e andadores, ou andam pelas calçadas de Skid Row (bairro com grande presença de sem-teto em Los Angeles) em cadeiras de rodas surradas, passando por sacos de dormir sujos, tendas frágeis e pilhas de lixo. Eles perambulam pelas ruas em casacos de inverno puídos, mesmo no calor da primavera. Eles se preocupam com as doenças da idade e como encararão a morte sem a ajuda dos filhos que há muito se afastaram de suas vidas. 

"É duro quando você envelhece", disse Ken Sylvas, 65 anos, que sofre de alcoolismo e não trabalha desde que foi demitido em 2001 de um emprego em uma empresa de processamento de carne. "Estou nesta cadeira de rodas. Tive uma convulsão e fiquei em uma casa de repouso por dois meses. Apenas fico a noite toda andando de ônibus de um lado para outro." 

Anthony Merchant, 62, que vive nas ruas de Los Angeles - Monica Almeida/The New York Times - Monica Almeida/The New York Times
Anthony Merchant, 62, nas ruas de L.A.
Imagem: Monica Almeida/The New York Times

Os moradores de rua nos Estados Unidos estão envelhecendo. 

Havia 306 mil pessoas com mais de 50 anos vivendo nas ruas em 2014, os dados mais recentes disponíveis, um aumento de 20% desde 2007, segundo o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Eles agora correspondem a 31% da população de moradores de rua do país. 

A mudança demográfica é espelhada por um aumento perceptível, mas não tão acentuado, de moradores de rua com idades entre 18 a 30 anos, muitos dos que entraram no mercado de trabalho durante a Grande Recessão. Eles correspondem a 24% da população de moradores de rua. Assim como os "baby boomers" (a geração pós-Segunda Guerra Mundial), esse jovens amadureceram durante uma recessão econômica, enfrentando um mercado de trabalho e imobiliário difícil. Muitos deles são ex-filhos adotivos ou fugiram de casa, ou foram vítimas de abuso em seu lar. 

Mas é o surgimento de uma população mais velha de moradores de rua que está criando desafios intimidantes para as agências de serviços sociais e governos já tendo dificuldades com a crise de pobreza. "Os 'baby boomers' têm problemas de saúde e vulnerabilidade que são difíceis de tratar por estarem morando nas ruas", disse Alice Callaghan, uma pastora episcopal que passou 35 anos trabalhando com moradores de rua em Los Angeles. 

Muitos sem-teto mais velhos estão nas ruas por quase uma geração, dizem analistas, um legado das recessões do final dos anos 70 e início dos anos 80, dos cortes dos programas federais de habitação e uma epidemia de vício em crack. Eles trazem consigo uma história complicada que pode incluir uma jornada da prisão a uma clínica de saúde mental, depois a um centro de reabilitação e de volta às ruas. 

Alguns são recém-chegados e foram forçados, em um momento da vida em que algumas pessoas de sua idade estão debatendo se vão se aposentar e mudar para o Arizona ou para a Flórida, a aprender o modo de vida dos moradores de rua após a perda do emprego na mais recente recessão econômica. E há pessoas que possuem renda fixa, mas não conseguem pagar o aluguel em locais como Los Angeles, que apresenta uma taxa de desocupação inferior a 3%. 

Horace Allong, 60 anos, disse que não pode pagar por um apartamento de um quarto e vive em uma tenda na Crocker Street. Allong, que se divorciou de sua esposa e trocou Nova Orleans por Los Angeles há dois anos, disse que perdeu sua carteira e todos seus documentos duas semanas após chegar e não conseguiu encontrar trabalho. 

"É a primeira vez que estou nas ruas, de modo que estou aprendendo", ele disse. "Não há nada como Skid Row. Skid Row é outro mundo." 

Os problemas com moradores de rua estão longe de ser uniformes por todo o país. A população nacional de moradores de rua diminuiu 2% de 2014 a 2015, segundo o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Algumas comunidades, incluindo Phoenix e Las Vegas, declararam vitória na remoção de veteranos das ruas, uma importante meta da Casa Branca. 

Mas o número de moradores de rua está aumentando em grandes cidades onde a gentrificação está em marcha e o preços dos imóveis está em alta, como Los Angeles, Nova York, Honolulu e San Francisco. Los Angeles teve uma alta de 5,7% em sua população de moradores de rua no ano passado, o segundo ano consecutivo de registro de alta. Mais de 20% dos moradores de rua do país viviam na Califórnia no ano passado, segundo a agência habitacional. 

Por todo o sul da Califórnia, os sem-teto vivem em acampamentos de tendas amontoados nas esquinas de Venice até o Vale de San Francisco, e em comunidades brotando sob viadutos em estradas ou no leito seco do rio Los Angeles. Seus sacos de dormir e pilhas de pertences ficam enfileirados nas calçadas de Santa Monica Boulevard. 

Juntamente com esses sinais visíveis de moradores de rua vem as queixas sobre mendicância agressiva, micção em locais públicos e conduta desordeira, assim como aumento de drogados e da criminalidade. 

"Há uma sensação de que algumas comunidades estão vendo um novo problema evidente de moradores de rua que não viam há muitos anos", disse Dennis P. Culhane, um professor de políticas sociais da Universidade da Pensilvânia. 

Autoridades sitiadas em Los Angeles, Seattle e Havaí declararam estados de emergência, apresentaram medidas para combater o problema dos moradores de rua e prometeram aumentar gastos para construção de imóveis de baixo custo. Honolulu impôs uma proibição a se sentar ou deitar nas calçadas no bairro de Waikiki. San Francisco removeu alguns acampamentos, apenas para vê-los brotarem em outras partes da cidade. Seattle está tentando criar acampamentos de tendas designados com supervisão de agências de serviços sociais. 

11.mai.2016 - Glen Fox, 75, que vive em uma tenda nas ruas de Los Angeles  - Monica Almeida/The New York Times - Monica Almeida/The New York Times
Glen Fox, 75, em sua tenda montada perto de uma rodovia de Los Angeles
Imagem: Monica Almeida/The New York Times

O envelhecimento da população de moradores de rua está em exibição em cidades grandes e pequenas, mas talvez em nenhum outro lugar mais do que aqui em Skid Row, uma série de quadras a sudeste do vibrante centro econômico de Los Angeles, para onde seguem muitos dos pobres do país, atraídos pelo clima temperado o ano todo e para um aglomerado de missões e clínicas. 

Certo dia do lado de fora da Hippie Kitchen ("cozinha hippie"), que alimenta os moradores de rua de Skid Row três manhãs por semana, a fila se estendia por meia quadra até a 6th Street e uma reunião grisalha de homens e mulheres aguardava pelo café da manhã de feijão e salada. 

Kin Crawford, 59 anos, disse que perdeu lugar no mercado de trabalho há muito tempo enquanto lutava contra o vício em álcool e drogas. "No momento, estou dormindo na garagem de alguém", ele disse. "Minha maior dificuldade aqui? Acesso a um banheiro. É realmente duro. Isso e encontrar um lugar onde deixar minhas coisas." 

Esta é uma população fluida, que desafia contagem precisa ou categorização. Alguns desfrutam de alguns períodos de estabilidade, mantendo um emprego por algum tempo ou encontrando uma cama disponível junto a algum amigo. Porém mais que tudo, esses são homens e mulheres que, ao entrarem na terceira idade, se veem presos a padrões que parecem não dispostos, ou incapazes, de romper. 

"Vemos pessoas que estão nas ruas ano após ano após ano", disse Jerry Jones, diretor de políticas públicas do Centro de Direito do Centro da Cidade, em Los Angeles. 

Sylvas disse que as filas na Hippie Kitchen estão crescendo e que há mais tendas nas calçadas. "Está piorando", ele disse. "Dá para ver. Muito mais velhos." 

Os desafios enfrentados pelos mais velhos forçam defensores dos moradores de rua e agências do governo a reconsiderarem que tipos de serviço eles precisam: não se limita mais a uma refeição, um teto e reabilitação. 

"Os programas para os 'baby boomers' visam tratar de problemas duradouros, saúde mental, abuso de substâncias", disse Benjamin Henwood, um professor assistente da Escola de Trabalho Social da Universidade do Sul da Califórnia. "Mas não visam tratar dos problemas do envelhecimento, e isso é um grande problema para o tratamento do problema dos moradores de rua daqui para a frente."