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Pesquisa revela padrões similares de controle e medo em chacinas e agressões domésticas

Xinhua/Planet Pix/ZUMAPRESS
Imagem: Xinhua/Planet Pix/ZUMAPRESS

Amanda Taub

17/06/2016 06h01

Uma das primeiras coisas que soubemos sobre Omar Mateen, o atirador da chacina na boate em Orlando, na Flórida, foi que sua ex-mulher disse que ele a agredia severamente até que ela o deixou em 2009.

Parece familiar que um atirador em uma chacina tivesse uma história doméstica de violência.

Em fevereiro, Cedric Ford atirou contra 17 pessoas em seu local de trabalho no Kansas, matando três delas, apenas 90 minutos depois de ter recebido uma ordem de restrição pedida por sua ex-namorada, que disse que ele a violentava.

E Man Haron Monis, que manteve reféns durante 17 horas em um café em Sydney, na Austrália, em 2014 --episódio que deixou dois mortos e quatro feridos-- havia aterrorizado sua ex-mulher. Tinha ameaçado feri-la se ela o deixasse, e finalmente foi acusado de planejar o assassinato dela.

Quando o grupo de controle Everytown for Gun Safety [Todas as cidades pela segurança das armas] analisou dados do FBI sobre massacres com armas de fogo entre 2009 e 2015, descobriu que 57% dos casos incluíam entre as vítimas uma mulher, ex-mulher ou outro parente, e que 16% dos atacantes já tinham sido acusados de violência doméstica.

Cientistas sociais não chegaram a um acordo para explicar essa correlação, mas suas pesquisas revelam paralelos marcantes entre os fatores que levam aos dois fenômenos.

É claro que há um emaranhado de elementos por trás de cada assassinato, especialmente o terrorismo inspirado por grupos estrangeiros.

Mas pesquisas sobre violência doméstica sugerem uma questão que muitas vezes se destaca em fatos aparentemente inexplicáveis como o massacre por Mateen de 49 pessoas em uma boate em Orlando --o que leva indivíduos a cometer tais chacinas?-- e projeta luz sobre a psicologia da violência.

"Terrorismo íntimo"

A violência doméstica muitas vezes segue um padrão em que um agressor tenta controlar todos os aspectos da vida da vítima. O âmbito e a intenção disso são sugeridos pelo nome que os especialistas usam para o fato: "terrorismo íntimo".

"O perpetrador está praticando um padrão geral de controle da vítima --suas finanças, seus contatos sociais, as roupas que ela usa", disse Deborah Epstein, que dirige a clínica de violência doméstica no Centro de Direito da Universidade Georgetown.

A violência é o meio que o perpetrador usa para aplicar esse controle e para punir qualquer tentativa de rompê-lo.

O breve casamento de Mateen com Sitora Yusufiy parece se encaixar nesse modelo. Ela disse que o marido a obrigava a lhe entregar seu salário, a proibia de sair de casa exceto para trabalhar e a impedia de contatar seus parentes. Até pequenas supostas infrações eram motivo para reações violentas.

"Ele simplesmente chegava em casa e começava a me bater porque eu não tinha acabado de lavar a roupa ou qualquer coisa parecida", disse Yusufiy ao jornal "The Washington Post".

Familiares dizem que Omar Mateen era "homofóbico e batia na ex-mulher"

AFP

Levando essa dinâmica de violência coercitiva ao extremo mais terrível, se parece muito com o modo como o Estado Islâmico trata as mulheres em seu autoproclamado califado. Como relatou minha colega no "Times" Rukmini Callimachi, o grupo criou uma vasta infraestrutura de estupro e escravidão em que as mulheres são mantidas em cativeiro e compradas e vendidas pelos "combatentes".

É a violência íntima em escala industrial.

"Essa é a nossa cultura: tudo tem a ver com os homens controlarem as mulheres de suas vidas", disse ela. "O terrorismo íntimo deriva desse desejo de controlar."

Isto tem semelhanças notáveis com o modo como o EI apresenta o tratamento das mulheres como uma ferramenta de recrutamento, prometendo aos homens no exterior --especialmente na Europa-- que o califado lhes permitirá restabelecer as normas "tradicionais" de dominação masculina.

Essa dominação é exercida em parte por meio da violência, incluindo o estupro sistemático e a ameaça de estupro. O grupo muitas vezes apresenta essa violência como um meio de medir e proteger a honra masculina.

Parece natural, portanto, que o EI atraia os homens que desejam esse tipo de controle total sobre as mulheres em sua vida, à parte qualquer atração ideológica --o tipo de homem que pode ter convivido com violência doméstica no passado.

Nimmi Gowrinathan, uma professora convidada no City College de Nova York que estuda o papel das mulheres em conflitos insurgentes e terroristas, disse que as normas restritivas sobre gênero e sexualidade podem ser um fator de atração das organizações terroristas --mas que as pessoas que são atraídas por elas também são muitas vezes "empurradas" por suas próprias atitudes ou desejos anteriores.

Ressentimento pessoal e global

Os ataques terroristas e as chacinas chamam a atenção e assustam o público muito mais que episódios de violência doméstica. Mas a violência doméstica tem um saldo de mortes muito maior nos EUA.

Segundo o Centro de Políticas contra a Violência, 895 mulheres foram assassinadas nos EUA por seus parceiros íntimos atuais ou passados em 2013 (isso não inclui as mortas em tiroteios em massa). O número desse ano somente é mais de nove vezes o das 92 pessoas contadas como mortas pela Nova Fundação Americana em ataques jihadistas em solo americano na última década.

Mas há paralelos notáveis entre o terrorismo íntimo da violência doméstica e o terrorismo de massa perpetrado por atacantes solitários como parece ser o caso de Mateen. Ambas, em seu nível mais básico, são tentativas de provocar medo e reafirmar seu controle.

A violência doméstica, segundo especialistas, muitas vezes ocorre quando um agressor conclui que esse é o melhor instrumento para solucionar seu ressentimento. Pode ser um marido que percebe a falha de sua mulher ao lavar a roupa como um desafio à sua autoridade adquirida, levando-o a tentar impor sua vontade pela violência.

Clark McCauley, professor no Bryn Mawr College que estuda a psicologia da violência em massa e terrorismo, disse que não conhece pesquisa que encontre uma relação de causa e efeito entre a violência doméstica e o terrorismo.

Mas ele encontrou uma característica comum entre os assassinos em massa: a sensação de ressentimento, uma crença de que alguém, em algum lugar, os havia enganado de uma maneira que merecia uma resposta violenta.

Normas de gênero, pânico de gênero

O desejo de um agressor doméstico de impor à força supostos papéis de gênero tradicionais às vezes inclui a sexualidade. Tais agressores, segundo os especialistas, podem ver a homossexualidade como uma ameaça à sua masculinidade.

"Existe uma ideia de que ser masculino significa ser um vigilante de sua sexualidade, e hipervigilante para que ninguém possa percebê-lo como gay", explicou Gillian Chadwick, professor convidado no Centro de Direito da Universidade Georgetown.

O terrorismo íntimo, nesse sentido, repousa sobre um espectro muito mais amplo de violência, destinado a preservar a dominação tradicional dos homens heterossexuais e coagir os que são percebidos como uma ameaça a essa ordem. Esse espectro, no extremo, inclui os massacres.

Essa conexão torna um pouco mais fácil compreender uma aparente contradição: Mateen visou uma boate gay e seu pai e sua ex-mulher afirmaram que ele costumava fazer comentários homofóbicos, mas ele também foi visto frequentando a boate Pulse, que ele atacou, e, segundo reportagens na imprensa, havia usado um aplicativo de encontros gays.

Poderia Mateen estar tentando usar a violência para reafirmar regras sobre gênero e sexualidade que ele mesmo se arrependia de violar? Nesse caso, não seria o primeiro.

Chadwick disse que há toda uma categoria de discussão jurídica, chamada de casos de "pânico gay" e "pânico trans", em que os réus dizem que recorreram à violência porque estavam muito perturbados por serem vistos como gays, ou por descobrir que sentiam atração por uma pessoa transgênero.