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Opinião: Trump é mesmo racista? Vejamos o que seu histórico diz

Mike Segar/Reuters
Imagem: Mike Segar/Reuters

Nicholas Kristof

26/07/2016 06h00

Será que o partido de Lincoln nomeou um racista para a candidatura presidencial? Não deveríamos fazer tais acusações sem um embasamento, então fui olhar para os mais de 40 anos de carreira de Donald Trump para ver o que dizia seu histórico.

Um sinal despontou já no começo em 1973, quando o Departamento de Justiça de Richard Nixon, não exatamente os radicais da época, processou Trump e seu pai, Fred Trump, por discriminar sistematicamente negros na locação de casas.

Percorri as 1.021 páginas de documentos dessa batalha legal, e elas se mostraram devastadoras. Donald Trump era então presidente da companhia imobiliária da família, e o governo juntou provas arrebatadoras de que a empresa mantinha uma política discriminatória contra negros, inclusive aqueles que serviam no Exército.

Para provar a discriminação, os negros eram repetidamente enviados como verificadores para os prédios dos Trump para perguntar sobre vagas, enquanto verificadores brancos eram enviados logo na sequência. O negro sempre ouvia que não havia nada disponível, enquanto ao verificador branco mostravam apartamentos para locação imediata.

Um ex-zelador que trabalhava para os Trumps explicou que tinha a ordem de marcar um “C” (de “cor) em todos os formulários de interesse preenchidos por pessoas negras, aparentemente para que a agência soubesse quando rejeitá-los. Um corretor imobiliário dos Trumps disse que eles queriam alugar somente para “judeus e executivos” e desencorajavam que se alugasse para negros.

Donald Trump combateu furiosamente o processo por discriminação nos tribunais e na mídia, mas os Trumps por fim fizeram um acordo que foi visto como uma vitória pelo governo. Três anos depois, o governo voltou a processar os Trumps, por continuarem com as discriminações.

Tudo bem que esses processos são muitos antigos, e as políticas discriminatórias provavelmente foram criadas não por Donald Trump, mas por seu pai. Fred Trump aparentemente foi preso em um protesto da Ku Klux Klan em 1927, e Woody Guthrie, que viveu em uma propriedade dos Trumps nos anos 1950, condenou Fred Trump em textos recém-descobertos por incitar o ódio racial.

Mas ainda que Donald Trump tenha herdado as políticas discriminatórias de sua empresa, ele decididamente se aliou à batalha dos anos 1970 contra o movimento de direitos civis.

Outro momento revelador veio em 1989, quando a Cidade de Nova York foi abalada pelo “caso da corredora do Central Park”, que envolveu o estupro e o espancamento de uma jovem branca. Cinco adolescentes negros e um hispânico foram presos.

Trump se manifestou, criticando o pedido por paz do prefeito Ed Koch e comprou anúncios de páginas inteiras defendendo a pena de morte. Os cinco adolescentes passaram anos na prisão antes de serem absolvidos. Olhando em retrospecto, eles sofreram uma versão moderna de linchamento e Trump teve o seu papel ao incitar a população.

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Trump passou para os cassinos, e a discriminação o acompanhou. Nos anos 1980, um ex-funcionário de cassino para os Trumps, Kip Brown, foi citado pela “New Yorker”: “Quando Donald e Ivana vinham ao cassino, os gerentes mandavam todos os negros saírem de vista... Eles nos colocavam nos fundos.”

Em 1991, um livro escrito por John O’Donnell, que havia sido presidente do Trump Plaza Hotel and Casino em Atlantic City, citava uma crítica de Donald Trump contra um contador negro, dizendo: “Negros contando meu dinheiro! Detesto isso. O único tipo de gente que quero contando meu dinheiro são baixinhos usando quipás todo dia... Acho que o cara é preguiçoso. E provavelmente não é culpa dele, porque a preguiça é uma característica dos negros. Realmente é, acredito nisso. Não é algo que eles consigam controlar.”

O’Donnell escreveu que por meses depois disso, Trump o pressionou a demitir o contador negro, até que o homem pediu demissão por conta própria.

Trump negou ter feito esses comentários. Mas em uma entrevista de 1997 à “Playboy”, ele admitiu que “as coisas que O’Donnell escreveu sobre mim provavelmente são verdade.”

Outros episódios recentes devem ser mais familiares: as sugestões de Trump de que o presidente Barack Obama havia nascido no Quênia; suas insinuações de que Obama foi aceito em escolas de elite só por causa da política de cotas; suas críticas contra imigrantes mexicanos que seriam, “em muitos casos, criminosos, traficantes e estupradores”; sua defesa por uma proibição temporária a muçulmanos de entrarem nos Estados Unidos; sua rejeição a um juiz americano descendentes de mexicanos, que segundo ele seria um mexicano que não poderia ouvir imparcialmente seu caso; sua relutância em se distanciar do Ku Klux Kan em uma entrevista à televisão; seu retuíte de um gráfico que sugeria que 81% das vítimas de assassinato brancas são mortas por negros (o número verdadeiro é de aproximadamente 15%); e por aí vai.

Trump também retuitou mensagens de supremacistas brancos e de simpatizantes nazistas, incluindo duas de uma conta chamada @whitegenocidetm, com a foto do fundador do partido nazista americano.

Trump nega repetida e veementemente qualquer acusação de racismo, e ele deletou alguns tuítes ofensivos. O “Daily Stormer”, um website racista neonazista que apoia Trump, vê isso como um aceno discreto aos supremacistas.

Meu ponto de vista é de que “racista” pode ser uma palavra carregada, um elemento que mais causa choque do que esclarece, e devemos ter o cuidado de não usá-la simplesmente como um epíteto. Ademais, muçulmanos e hispânicos podem ser de qualquer raça, então algumas dessas declarações tecnicamente refletem mais uma intolerância do que um racismo. Também é verdade que com qualquer uma das declarações, é possível que Trump tenha sido mal interpretado ou tenha se expressado mal.

Mesmo assim, temos um homem aqui que por mais de quatro décadas tem sido repetidamente associado a discriminações raciais e comentários intolerantes sobre minorias, alguns deles feitos na televisão para que todos pudessem ver.

Ainda que um ou outro episódio possam ser ambíguos, o que emerge ao longo de mais de quatro décadas é um arco narrativo, um padrão consistente—e não sei como chamar isso senão de racismo.

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