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O "urso polar mais triste do mundo" vive em um shopping center da China

O urso polar Pizza vive no Shopping Grandview em Guangzhou, na China - AFP
O urso polar Pizza vive no Shopping Grandview em Guangzhou, na China Imagem: AFP

Didi Kirsten Tatlow*

Em Pequim (China)

27/10/2016 06h01

Em um shopping center no sul da China, um urso polar chamado Pizza caminha entre murais de icebergs dentro de seu cercado de vidro. Ele sacode sua cabeça desgrenhada debaixo de luzes artificiais, e se agacha junto a um duto de ventilação para sentir o cheiro do mundo lá fora.

Todos esses são comportamentos de estresse, dizem ativistas chineses da proteção animal, que na terça-feira (25) fizeram um apelo a Zhu Xiaodan, governador da província de Guangdong, onde Pizza vive em um aquário no Shopping Grandview em Guangzhou, para que ele transfira o urso para um ambiente mais apropriado. Pizza se tornou conhecido como o “urso polar mais triste do mundo”, escreveram representantes de 48 organizações, em uma carta aberta a Zhu.

Eles disseram ainda que esperam que “o governo de Guangdong feche o Grandview Polar Sea World!”

Centenas de animais se encontram abrigados em pequenos cercados ao longo de diversos andares do shopping, incluindo lobos-do-ártico e belugas. Eles compartilham o local com um fliperama para crianças, uma sala de cinema 3D, um supermercado e as principais marcas de roupas nacionais e internacionais. Escadas rolantes em um átrio correm junto a anúncios da Swarovski e da Estée Lauder, restaurantes que vendem macarrão e cafeterias.

Os ativistas dizem que o infortúnio de Pizza é parte de uma perturbadora tendência na China: exibir animais selvagens em shopping centers para atrair clientes, uma vez que cada vez mais pessoas têm migrado para o comércio online, que é mais conveniente e muitas vezes mais barato.

Em uma coletiva de imprensa em Pequim na terça-feira, representantes de quatro dos grupos de proteção animal mostraram a repórteres fotografias de um elefante sendo usado para vender celulares do lado de fora de um shopping na periferia de Pequim e leões marinhos sendo oferecidos para interação com compradores que gastassem mais de 500 renminbi (cerca de R$ 78) em outro shopping de Pequim. Dizem que um “zoológico de shopping” parecido com o Grandview está sendo considerado em Shijiazhuang, na província de Hebei.

“Os animais merecem algo muito melhor do que serem mantidos em uma caixa de vidro, com quase nada dentro, para atrair compradores”, diz Hu Chunmei, do Fundo de Espécies em Risco. “Isso é prova de um completo desrespeito em relação ao bem-estar deles.”

24.jul.2016 - O urso polar Pizza vive no Shopping Grandview em Guangzhou, na China - AFP - AFP
Imagem: AFP

Em Pequim, esquilos, papagaios, lhamas e cabras, bem como animais domésticos como gatos e cachorros, às vezes são exibidos em gaiolas ou cercados de vidro dentro de shopping centers. Na hora do almoço, as multidões que se aglomeram em torno deles chegam a conter várias camadas de pessoas.

Contatado pela reportagem esta semana, o aquário do Shopping Grandview se defendeu das críticas que se espalharam pelo mundo. Recentemente, o Yorkshire Wildlife Park na Inglaterra se ofereceu para acolher o Pizza, uma oferta recusada com indignação pelo aquário.

“O Pizza é muito saudável”, ele afirmou em uma declaração por e-mail, dizendo ainda que o aquário estava envolvido em educação e pesquisa científica e em proteção da biodiversidade. “Você não pode separar inteiramente o bem-estar animal desses benefícios sociais.”

O aquário não é diferente de outras instalações na China ou no mundo, dizia a declaração, possuindo 130 especialistas que cuidam de suas centenas de animais. As notícias que relatam que Pizza está sofrendo em condições inadequadas são distorcidas e foram denunciadas às autoridades, consta na declaração, em um alerta mal disfarçado de uma possível ação na Justiça.

O Pizza é popular entre os clientes, de acordo com reportagens da imprensa chinesa, e atrai milhares de visitantes nos dias de pico que vêm tirar selfies e bater no vidro.

Animais selvagens como os ursos polares requerem um amplo habitat natural para manter sua saúde física e mental, diz Wendy Higgins, porta-voz da Humane Society International.

“O ambiente deles é singular. Eles são animais que se espalham por grandes áreas, e começam a declinar rapidamente em cativeiro”, disse Higgins em uma entrevista por telefone.

“O Pizza passa todo santo dia sozinho sem um lugar onde se esconder, sujeito às pessoas batendo no vidro e tirando fotos”, ela disse.

Qin Xiaona, diretora da Capital Animal Welfare Association, disse que as críticas feitas pela direção do shopping, que acusou os ativistas de estarem agindo a mando de estrangeiros, eram um insulto ao povo e à cultura da China.

“Eles dizem: ‘Vocês estão usando um ponto de vista ocidental’ para nos condenar”, disse Qin. “Mas não podemos esquecer que temos uma tradição na China de ‘respeitar o céu e cuidar dos animais’”, ou jingtian wenwu.

“Por causa da competição econômica, nós regredimos”, levando ao abuso generalizado de animais—e pessoas—nas últimas décadas, segundo ela. “Queremos reavivar nossa tradição.”

Yu Hongmei da VShine, uma organização em Dalian, concordou com a motivação por trás da campanha para ajudar os animais no Shopping Grandview: “Não é coisa dos estrangeiros. É nossa tradição também.”

A China não tem uma legislação sobre bem-estar animal desde os anos 1930, durante o governo nacionalista de Chiang Kai-shek, que foi derrotado pelos comunistas em 1949.

Uma Lei de Proteção da Vida Selvagem entrou em vigor em 1989 e foi atualizada em julho, mas ela permite a captura e a criação de animais selvagens com fins comerciais e permite o uso de animais selvagens para exibição pública e performances.

Um projeto de lei sobre crueldade contra animais que estenderia a proteção a animais de estimação, animais de criação e animais de laboratório foi proposto em 2009, mas ainda não foi aprovado. Práticas como o festival de carne de cachorro em Yulin continuam a ser notícia.

A reportagem entrou em contato com o governo da província de Guangzhou e a Agência da Indústria e do Comércio de Guangzhou na terça-feira, mas não obteve resposta.

*Com contribuição de Karoline Kan