Análise: Ameaças de Trump ao México podem sair pela culatra
Em 8 de novembro, a Cidade do México, esta capital na montanha, foi ensopada por uma feroz tempestade fora de época, do tipo que pode causar piadas sobre a fúria do deus da chuva asteca, Tlaloc. Ao mesmo tempo, do outro lado do rio Grande, havia uma tempestade política digna de enfurecer deuses: os EUA elegeram um presidente que prometeu construir um muro na fronteira, fazendo o México pagar por ele, deportar milhões de imigrantes e reescrever ou rasgar um tratado comercial do qual o México depende para quase um terço de suas receitas.
Em poucas horas, uma tempestade econômica também se armava, com o peso mexicano se desvalorizando no ritmo mais rápido desde a "crise da tequila" em 1994.
A ascensão de Donald Trump à Presidência poderia ser o maior desafio político para o México em várias gerações. As medidas que Trump propôs, como tarifas de 35% aos carros fabricados no México, poderão levar à recessão este país de 120 milhões de habitantes. Deportar dos EUA outros milhões poderá aumentar o desemprego e o crime. Além disso, Trump poderá mudar a natureza básica de um relacionamento de paz e comércio que dura desde a Segunda Guerra, para outro de prepotência e conflito.
A frase "poderia potencialmente" é crucial. Desde a eleição, todos os analistas aqui tentam prever o que o presidente Trump realmente fará, e se será ou não o que ele disse --seja o que for. De fato, grande parte do que ele disse sobre o México é altamente ambígua.
Trump passou de conclamar uma "força de deportação" contra todos os imigrantes sem documentos a um programa para enviar de volta os criminosos, que é na verdade a política atual. Ele pressionou por um muro ao longo de toda a fronteira, mas mais recentemente falou em apenas ampliar as cercas existentes, e não expôs um plano realista para que o México pague. E há muito espaço de manobra em uma reformulação do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte).
E, é claro, há limites ao que Trump pode fazer sozinho; o Congresso, os tribunais e as empresas terão muita influência nessas questões e poderão obrigá-lo a adotar uma posição mais recatada.
Mas, mesmo que nada disso aconteça, existe a questão subjacente sobre a possibilidade de Trump continuar ou não usando o México como saco de pancadas. Talvez a posição de Trump leve apenas a uma "guerra falsa" de palavras, em vez de um verdadeiro conflito diplomático ou comercial. Mas talvez cause um grande tumulto. Enquanto desafiar e punir o México podem agradar à base de Trump, não apenas causariam sofrimento ao sul da fronteira, como também trariam mais problemas para os EUA.
O apelo a fazer o México pagar pelo muro é uma questão especialmente importante. Não somente os EUA conduzem uma economia que tem dez vezes o tamanho da do México, como há um absurdo gritante em extorquir outro país a pagar por seu próprio isolamento. A exigência, gritada nos comícios, parecia pretender humilhar o México, mais do que realmente obter o financiamento. Essas bravatas ajudaram Trump a vencer a eleição, mas como meta real de política externa poderão não ganhar nada e causar um profundo antagonismo.
O México e os EUA nem sempre estiveram em paz. Eles sofreram diversos choques no século 19 e início do 20, principalmente com perdas para o México. Tropas americanas ergueram sua bandeira na Cidade do México na Guerra Mexicano-Americana antes de garantir o Tratado de Guadalupe Hidalgo, que deu aos EUA quase a metade do território mexicano. Em 1914, tropas americanas voltaram a bombardear e ocupar o porto de Veracruz. O general Francisco Villa, mais conhecido na história como Pancho Villa, avançou sobre a fronteira em Columbus, Novo México, em 1916, e em 1938 o México desapropriou companhias de petróleo americanas.
Em 1969, o presidente Richard Nixon desencadeou a Operação Interceptação, pela qual todos os veículos que cruzavam a fronteira eram revistados, como maneira de pressionar o México a borrifar veneno nas plantações de maconha e papoula para ópio. Em 1985, policiais mexicanos corruptos trabalharam com membros dos cartéis para raptar e assassinar um agente americano da Agência de Repressão a Drogas, Enrique Camarena.
Mas essas disputas nunca mudaram a natureza fundamental da relação bilateral ou interromperam o comércio entre os dois países, que aumentou constantemente até mais de US$ 500 bilhões no ano passado. E nesse tempo o México e os EUA se coordenaram em muitas ações, desde o socorro em desastres (a Marinha mexicana ajudou depois do furacão Katrina) a compartilhar a água de rios.
Em 2014, um número recorde de crianças desacompanhadas de El Salvador, Guatemala e Honduras chegaram à fronteira sul dos EUA, causando o que a Casa Branca chamou de "situação humanitária urgente". O fluxo só diminuiu quando o México intensificou a detenção de centro-americanos. Depois que grupos de direitos humanos criticaram essas detenções em massa, o México prometeu facilitar para os centro-americanos, muitos dos quais fugiam da violência brutal de bandos para obter asilo.
No entanto, tentar obrigar o México a pagar por um muro na fronteira, ou impor tarifas que devastarão sua economia, poderá fraturar essa cooperação. O México pode ser menor que os EUA, mas ainda é uma grande potência econômica e política. Se Trump pressionar demais, poderá revidar com tarifas que prejudiquem os exportadores americanos. O país poderá não ver incentivo para reduzir o fluxo de migrantes e refugiados de outros países para os EUA. E forçar o México a uma recessão poderá levar mais pessoas a tentar fugir para o norte, de qualquer modo.
Por mais que Trump pareça gostar de abusar do México e seu povo, seria aconselhável que o presidente adote uma abordagem diferente.
*Ioan Grillo é o autor de "Gangster Warlords: Drug Dollars, Killing Fields and the New Politics of Latin America" e colabora com editoriais.
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